sábado, 24 de dezembro de 2022

Lírica Crua Nature

 

De uma coisa eu e, acredito que muitos brasileiros enamorados pelo vinho de nossas terras atualmente, de que os nossos espumantes estão entre os melhores “borbulhas” do planeta. E não é um discurso ufanista carregado de ódio que rejeita todos os produtores e rótulos de outros países, mas uma condição concreta, de que os nossos vinhos são especiais e a tendência é que cresça a cada dia.

Há alguns dias atrás eu li uma informação de que um espumante, de método charmat, simples, básico, que custa na faixa dos R$30,00, ficou entre os melhores espumantes do mundo, em um concurso, pasmem, da França, a terra dos champagnes!

Ganhou medalha de ouro e ficou no top 10 do Effervescents du Monde 2022 (Leia aqui) e se chama Conde de Foucauld brut, da grande Vinícola Aurora, além de outros dois espumantes, como o Salton Prosecco e o Nero Live Celebration, da Famiglia Valduga.

Essa é a prova contundente para mostrar, corroborar a qualidade e a tipicidade de nossos vinhos espumantes. É bem verdade que não degustamos prêmios ou medalhas, degustamos vinhos, mas quando vinhos tão baratos e básicos conquistam prêmios dessa magnitude, são laureados dessa forma, merece, no mínimo, atenção e logo reverência.

Então hoje decidi, na noite de natal, com uma celebração em família, abrir um espumante, decidi celebrar com um vinho brasileiro, celebrar com o carro chefe de nossa vitivinicultura: o espumante.

E além da escolha por um espumante, será o espumante, pois esse será o segundo rótulo que degustarei no método tradicional, no método champenoise, um espumante nature que, até pouco tempo atrás, eu nunca tinha degustado, o que ainda, mesmo degustando espumantes há tempos, tenho espaços para novidades, gratas novidades.

A minha primeira experiência fora com o Don Giovanni Nature e foi simplesmente arrebatadora a degustação, com momentos singulares. E agora mais uma página na minha história que será ilustrada com espumantes complexos, de estrutura e marcante personalidade.

E ainda tem mais: Será meu primeiro espumante de uma região, não só nova para mim, como para muitos enófilos brasileiros. Uma região que vem ganhando alguma visibilidade e ganhando também credibilidade, falo da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul.

Acredito fielmente que não poderia haver melhor momento para degusta-lo! Porém eu o conheci, bem como o seu produtor, em um evento que seus rótulos foram homenageados, falo da Vinícola Hermann.

O vinho que degustei e gostei veio como disse, da Serra do Sudeste e se chama Lírica Crua, um Nature composto por Chardonnay (80%), Pinot Noir (10%) e Gouveio (10%), que também é conhecida como Verdelho e Godello, sem safra informada. E antes de entrar na história da região e falar do vinho, que é simplesmente espetacular, há uma curiosidade que rodeia o Lírica Crua. Ele foi o primeiro espumante brasileiro a ser vendido sem o processo de dégorgement.

Mas o que é dégorgement? Depois do processo completo de remuage, que consiste num trabalho cuidadoso em girar a garrafa no pupitre para que as leveduras se direcionem ao gargalo da garrafa, é feito o dégorgement, para limpar a bebida. O gargalo da garrafa é congelado para solidificar os sedimentos que ficam após a segunda fermentação nos espumantes feitos pelo método Tradicional. A garrafa, então, é aberta e a pressão expele o “gelo”. Depois ela volta a ser arrolhada.

No caso do Lírica Crua isso não acontece e as leveduras ficam na garrafa, patrocinando ao vinho uma incrível complexidade e cremosidade, dando-lhe personalidade e uma incrível capacidade de longevidade. Mas espere também frescor, leveza, como todo bom espumante brasileiro.

O método natural do espumante ou champenoise

O método tradicional consiste principalmente em uma dupla fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação das garrafas) regularmente.

A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).

No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado um composto denominado liqueur de tirage, uma solução de vinho adoçado com açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva concentrado (aproximada 24 g/l de açúcar) e leveduras selecionadas, para iniciar a segunda fermentação.

Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.

A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou millésimes, permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao mercado.

Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos automatizados, como os giropalets.

Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.

Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva), açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut (até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre 17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.

Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.

Nature

O Nature passa pelo método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é adicionado na bebida.

O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é importante que seja feito com perfeição.

Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3 gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja: é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.

Serra do Sudeste

Nossa mais famosa região vinícola é, sem dúvida alguma, a Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de Indicação de Procedência brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora, sabemos que o Vale está chegando ao seu limite de plantio. Como área de procedência certificada, as regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras de qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.

Os outros municípios que compõem a região da Serra Gaúcha vêm se desenvolvendo com constância como Garibaldi, Flores da Cunha e Farroupilha. Mas algumas novidades interessantes estão aparecendo em cidades a noroeste de Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha Pinheiro Machado e Casca, na direção de Passo Fundo.

Mas tem uma região que, apesar de ter sido descoberta na década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma região nova, pois somente a partir dos anos 2000, com investimentos feitos pelas vinícolas da Serra Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado. Essa região é a Serra do Sudeste.

Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a linha da fronteira com o Uruguai.


Serra do Sudeste

A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar. Aliadas a isso, estão as condições climáticas, mais favoráveis do que no Vale dos Vinhedos. Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de envelhecimento dos vinhos.

O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000 que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).

Em grande parte se trata de uma região vitícola, geralmente as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada, quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é um fator crucial na lei das denominações de origem.

As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades tardias.

A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a sapidez pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico, boa acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas mais cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer, Sauvignon Blanc e Malvasia.

Se for verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem demora.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo palha intenso e com algum brilho e reflexos esverdeados, apesar de uma discreta turbidez, devido as leveduras, com perlages finos e intensos, persistentes.

No nariz traz aromas que, evidentemente, nos remete as leveduras, com toques de panificação, de pão tostado em tom delicado, com um ataque, em seguida, de frutas cítricas, como laranja, limão, tangerina, abacaxi e logo depois frutas de polpa branca, como pera e algo floral, de flores brancas que entrega frescor e leveza.

Na boca é vivaz, altivo, intenso, complexo e de textura deliciosa, saborosa, cheio, untuoso, cremoso, com notas de pão, de fermento, pão com manteiga, mas, ao mesmo tempo é elegante, fresco, como todo bom espumante. As borras, as leveduras lhe conferem a suavidade e que equilibra a acidez, que é excelente, que faz salivar, com um final frutado e prolongado.

Sim, os nossos espumantes estão entre os melhores do mundo! Sim, expressam o que há de melhor de nossos terroirs! Sim, temos de vinhos básicos aos mais complexos e longevos! Não, isso não é discurso ufanista! É um discurso, carregado de orgulho que pode parecer passional, mas que vem repleto de argumentos fortes e contundentes. Estamos presenciando, diante dos nossos olhos, a revolução dos espumantes brasileiros, de bebidas que não estão imitando os chilenos, os argentinos, mas revelando a sua tipicidade, mostrando o nosso DNA! E como não há dia melhor para celebrar com a sua família em um dia de natal, façamos com reverências, respeito e, sobretudo muito prazer e privilégio por degustar um vinho como esse! Tem 11,8% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Hermann:

A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do Brasil.

Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.

A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolahermann.com.br/

Referências:

“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33

“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html

“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste

Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html

Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/destemperados/bebidas/noticia/2017/10/nature-um-espumante-puro-ckboenhcu004dmmslca2k2gtc.html

“Garibaldi Blog”: https://www.garibaldiblog.com.br/post/degorgementperlageremuage

“A Gazeta”: https://www.agazeta.com.br/hz/gastronomia/espumante-brasileiro-de-r-30-e-eleito-um-dos-melhores-do-mundo-1222







 





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