sábado, 6 de junho de 2020

Lote 1936 País 2018


É unânime que o Chile produz os melhores vinhos entre os países que compõe o Novo Mundo. Cepas oriundas de outros países tradicionais, como a França, por exemplo, encontraram no solo chileno a sua nova concepção, a sua nova identidade, ganhando relevância e fama, tais como a Cabernet Sauvignon, a rainha das uvas tintas, o Merlot, a Sauvignon Blanc, Chardonnay e a mais emblemática que abraçou o Chile como a sua nova pátria: a Carmènére. 

Vinhos reconhecidos, premiados e consumidos mundo afora. Se uma vinícola chilena não produzir vinhos com as referidas castas, não é uma vinícola do Chile! Mas há também aquelas castas esquecidas, quase que obscuras para muitos enófilos e que, ao longo do tempo, relegadas a uma condição de pouca reputação, caiu no ostracismo após anos e anos de sucesso e representatividade cultural. 

Uma dessas castas é a País, a casta emblemática do Chile dos primórdios, antes das famosas de hoje. Eu confesso que nunca degustei um chileno com essa casta. Ouvi falar, muito remotamente, de forma muito tímida, por alguns enólogos, produtores e críticos do vinho, talvez por se tratar de um tabu ou, como disse, falta de reputação, mas sempre tive aquela típica curiosidade e o ávido interesse em buscar novas experiências e prometi um dia que, caso surgisse a oportunidade de adquirir um rótulo dessa casta, eu compraria. E eis que surgiu o momento!

Mas como pouco conhecia não me deixei levar pela euforia e preferi, antes de sacramentar a minha aquisição, pesquisar um pouco sobre a casta e a história que a envolve no Chile o que foi um trampolim para a compra. Ao desarrolhar o vinho, fui arrebatado de uma forma tão surpreendente, um vinho de excelente custo x benefício. 

O vinho que degustei e gostei se chama Lote 1936, da já mencionada casta País (100%), da famosa e emblemática Região do Maule, da safra 2018. Contudo, como eu havia dito que, antes de comprar fizera uma pesquisa sobre a história da casta, preciso reproduzi-la textualmente, afinal, não é sempre que nós, brasileiros, podemos degustar rótulo com essa antiga cepa.

País

Em meados do século XVI uma uva chamada Listán Prieto vivia na Espanha e é levada ao México por missionários franciscanos que tinham como objetivo cultivá-la para produzir o vinho da missa. Lá, ficou conhecida como Misión. 

Depois de um tempo, viajou aos Estados Unidos, depois à Argentina, onde ficou conhecida como Criolla Chica, até que os jesuítas a levaram para o Chile. A princípio, também produzia o vinho da missa, até que ultrapassou as barreiras religiosas e foi desbravar o terroir chileno. 

Uva País

Somente no século XIX que a Criolla Chica ganhou o nome de País. Não se sabe ao certo o motivo, mas ela viveu tempos de rainha no Chile até que a Cabernet Sauvignon e a Carménère chegaram para pedir a coroa. E levaram. Ficou esquecida a um nível onde já nem se falava mais de sua existência. Algum boato, alguma memória aqui ou ali, nos terrenos mais remotos do Chile, mas nada que ainda a permitisse aparecer. 

Mas eis que surgiu um francês, nascido na Borgonha, instigado pela América do Sul. Louis-Antoine Luyt planejou uma viagem de férias que virou estadia permanente, mas para isso, precisava de um trabalho. À época, Louis estava no Chile e virou lavador de pratos em um restaurante local, onde começou a aprender sobre vinhos e conheceu ninguém menos que Hector Vergara: o sommelier mais renomado do país e o único Master of Wine da América do Sul naquele tempo. 

Louis-Antoine Luyt

Hector estava abrindo a Escola de Sommelier do Chile e Louis já estava entre os seus primeiros alunos. Sabe aquela história de que o conhecimento abre portas? Pois é. Abriu. Ainda bem. Inconformado com a hegemonia da Cabernet Sauvignon e da Carménère nos vinhos chilenos, o francês decidiu que iria explorar as castas e áreas de cultivo do país. Foi então que descobriu que algumas parcelas de outras uvas ainda existiam, mas estavam sendo vendidas ou utilizadas por camponeses para produzir vinho para consumo próprio. 

Decisão tomada. Louis-Antoine Luyt ia aprender a fazer vinho. Voltou para a França estudou viticultura e enologia em Beaune e, durante os estudos, fez amizade com Mathieu Lapierre, proprietário da renomada vinícola Villié-Morgon, onde teve a oportunidade de participar de cinco colheitas e ser introduzido ao vinho natural. Munido de conhecimento, sonho e coragem, Louis abriu uma vinícola no Chile e começou a explorar diferentes terroirs e cepas locais para produzir vinhos que seriam exportados, principalmente, à França. 

Mas em 2010, o desastroso terremoto resultou na perda de 90% do seu cultivo. Ele não desistiu. Comprou mais oito hectares de vinhas, entre elas, a País. Desde então, a cepa foi voltando aos palcos, retomando os holofotes e mostrando (novamente) toda a sua capacidade para produzir grandes vinhos. De muita textura e ótima acidez, a País origina vinhos rústicos, bastante gastronômicos e corpo médio.

Com o tempo, os taninos ficam tão elegantes e macios que parecem veludo. Em geral, a uva do país não recebe muito envelhecimento em madeira, pois os aromas dessa variedade são muito delicados e muita madeira pode interferir demais na tipicidade do vinho. Continuou sendo cultivada, principalmente por pequenas famílias agrícolas, até que, nas últimas décadas, alguns produtores começaram a apostar na sua volta ao mundo dos vinhos. 

A Região do Maule é considerada a maior produtora, por hectare, da País atualmente e muitas de suas vinhas, como em todo o Chile, que traz essa cepa, são antigas, com média de 70 a 100 anos de idade! Afinal, foram esquecidas por tanto tempo!

E finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi com reflexos violáceos brilhantes com lágrimas finas e em pouca intensidade, se dissipando, sumindo brevemente das paredes do copo.

No nariz traz um exuberante aroma de frutas vermelhas como morango, por exemplo, remetendo a um vinho fresco e jovem.

Na boca se reproduz as impressões olfativas, sendo leve e delicado com taninos finos, sedosos e uma boa acidez com final frutado e de longa persistência.

Um vinho honesto e muito bem feito, redondo, que preenche muito bem a boca, de leve, lembrando, inclusive, um Pinot Noir. Tem uma vocação gastronômica, podendo harmonizar com queijos curados e massas mais leves, sem tanto condimentos ou ser degustado sozinho de forma informal e despretensiosa. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Uma curiosidade do nome do rótulo, Lote 1936: corresponde ao ano em que os primeiros membros da família Guerra chegara as Terras do Maule, no Chile e as suas vinhas são bem antigas: com 70 anos, colhidas a mão e uma carga máxima de 4.000 quilos por hectare, o que é muito pouco, levando em consideração a quantidade de produção de nível industrial, sobretudo das grandes potências vinícolas instaladas no Chile.

Sobre a Chilean Wines Company (CWC):

A Chilean Wines Company é uma empresa de propriedade e operação familiar, localizada no coração do vale de Maule, no centro do Chile. A família Guerra plantou e desenvolveu 750 hectares de vinhedos em todo o vale do Maule. Nosso foco tem sido explorar e experimentar diferentes variedades baseadas nos vários microclimas do Vale, alcançando uma expressão autêntica de cada terroir. As origens do vinho do Chile começaram na região vinícola original de Maule Valley e hoje a região produz mais vinhos em todo o país. A herança vinícola do Chile começou aqui quando os primeiros colonos europeus chegaram ao país. Esses colonos escolheram a Maule por suas condições climáticas superiores e solo ideal para o cultivo de uvas para vinho, as mesmas condições que fornecem a base para a produção de uvas excepcionais e vinhos de classe mundial atualmente. Quando a família Guerra migrou para o Chile do norte da Itália em 1920, os seus ancestrais escolheram o Vale Maule com o objetivo de continuar nossas próprias tradições familiares de vinhos. Usando raízes de vinho cuidadosamente transportadas ao longo da longa jornada oceânica, a família plantou novas vinhas para continuar a herança de vinhos da família nesta nova terra. A longa experiência da família Guerra em trabalhar com os vários microclimas e terrenos em Maule Valley forneceu uma capacidade única de fornecer a expressão máxima das variedades com as quais a CWC trabalha. Atualmente, as marcas da Chilean Wines Company são exportadas para mais de 30 países ao redor do mundo.

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Fonte sobre a casta País:





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