Por isso que digo e direi sempre: o conhecimento remove
montanhas! E no universo do vinho essa máxima pode ser sim aplicada e com
grande louvor. Por que falo isso? Tem determinadas regiões importantes na
produção vitivinícola mundial que lamentavelmente não chega ao Brasil e não me
perguntem o motivo.
Então entram em cena os programas de televisão (poucos, é
verdade), as mídias sociais, entre outros meios de comunicação do momento, para
nos inundar de informação sobre o universo do vinho, das suas castas, das suas
regiões entre outras peculiaridades e que, por algum motivo, não chegam a
nossas taças.
E a Bairrada é uma dessas regiões que eu sequer conhecia e
que fica em Portugal. Portugal tão conhecido pelo Alentejo, Porto, Douro e a
Bairrada eu não conhecia. A conheci por intermédio de um programa chamado “Um
Brinde ao Vinho”, apresentado pela sommeliere argentina, mas radicada no Brasil
chamada Cecília Aldaz que, em uma temporada de seu programa, explorava as
principais regiões lusitanas.
Fiquei completamente encantado com a história e com os
vinhos, mesmo sem ter degustado um rótulo sequer. Parecia que já tinha
degustado inúmeros rótulos daquela região, tamanha foi a identificação com a
mesma.
Quando o programa acabou decidi buscar, pesquisar, garimpar
novos rótulos dessa região, mesmo com a dificuldade de se encontrar tais vinhos
no Brasil. Acessei a internet, a “revirei” de cabeça para baixo e nada
encontrei. Já demonstrava, admito, certa descrença em encontrar um vinho da
Bairrada.
Mas em uma de minhas incursões aos supermercados próximos de
minha casa, em Niterói, fui, para não perder o costume, a adega do mesmo,
apenas para ver se tinha algo interessante, sem muitas pretensões. E não é que
eu encontrei e adivinhem quais vinhos lá avistei? Sim! Um vinho da Bairrada!
Eram vinhos de um produtor que eu não conhecia, de um tal de
Adega de Cantanhede e a linha de rótulos se chamava Marquês de Marialva. De
início comprei o Marquês de Marialva Colheita Seleccionada tinto da safra 2014.
Eu adorei o vinho! Mas lá tinha, além do tinto, o branco e o rosé.
Após a degustação do tinto voltei lá para degustar o vinho
branco que estava em um preço muito atraente. Depois da bem sucedida degustação
do meu primeiro tinto da Bairrada, voltei para comprar o branco.
Não demorei muito para degusta-lo. Estava animado! Desarrolhei
o vinho e voilá! Um belíssimo e fresco branco da Bairrada! O meu primeiro! Um
vinhaço! Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei é da Bairrada,
Portugal, e se chama Marquês de Marialva Colheita Seleccionada da safra 2016 e
tem o blend de castas tipicamente regionais, são elas: Bical (40%), Maria-Gomes
(40%) e a mais famosa de Portugal, Arinto (20%).
Então falemos um pouco da Bairrada e das regionais castas, as
menos conhecidas, Bical e Maria-Gomes.
Bairrada
Localizada na região central de Portugal e se estendendo até
o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a
região vinícola da Bairrada – cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a
compõe – tem clima temperado bastante favorável às vinhas. A Bairrada é uma
daquelas regiões portuguesas com grande personalidade. Apesar de sua longa
história vínica, a certificação da região é recente. A Denominação de Origem Controlada
(DOC Bairrada) para vinhos tintos e brancos é de 1979 e para espumantes de
1991. A Região Demarcada da Bairrada possui também uma Indicação Geográfica: IG
Beira Atlântico.
Há registros que desde o século X é elaborado vinhos na
região. Em 1867, o cientista António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de
produção de vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais
tarde, fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover
os vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho.
O primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho
espumante em 1890. E foi com os espumantes que a região conquistou o mundo.
Frutados, com um toque mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se
referencias e, até hoje, fazem da Bairrada uma das maiores regiões produtoras
de espumantes de Portugal. Com o passar do tempo, as criações tintas ganharam
espaço.
Muito por conta do que os produtores têm feito com a Baga, casta autóctone da região. O grande responsável pelo fortalecimento internacional da região é o engenheiro Luís Pato. Conhecido como o Mr. Baga, Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo para conseguir um vinho autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva Baga, uma das principais uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos que compõe.
Demonstrando muita classe e estrutura, a variedade da casta
de tintos é única no seu valor e possui um fantástico potencial de
envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após sua
fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta
variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga
era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente
ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís
Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta
variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.
A localização da DOC Bairrada e suas características de clima
e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito
em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e
outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local onde
a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades. Delimitada a
Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano Atlântico e
a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por planalto de
baixa altitude.
O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes, suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.
O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas castas
autorizadas e recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei
descreve as diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e
espumantes. Para a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as
castas recomendadas são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e
Tinta-Pinheira. No conjunto ou separadamente, deverão representar 80% do
vinhedo, não podendo a casta Baga representar menos de 50%. As castas
autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro, Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e
Trincadeira.
Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes
(também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha,
no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as
autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais
devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical,
Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa,
Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jean, Moreto,
Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira.
Em 2012 foi publicada a Portaria n.º 380/2012, que atualiza a
lista de castas permitidas para elaboração dos vinhos DOC Bairrada. Foi incluída recentemente uma autorização
para o cultivo das castas internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot,
Petit Verdot e Pinot Noir e das portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Rufete,
Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. Vinhos elaborados com
castas que não estejam relacionadas no Decreto-Lei, não podem receber o selo de
DOC Bairrada e são rotulados com o selo Vinho Regional Beira Atlântico.
Maria-Gomes
Maria Gomes é uma variedade de pele clara conhecida
popularmente como uva Fernão Pires. Trata-se de uma variedade aromática e
cultivada, principalmente, em Portugal. A versátil uva Maria Gomes é utilizada
na elaboração de vinhos brancos secos e serve de base também para vinhos de
sobremesa e bons espumantes.
Lima, laranja e raspas de limão são os três aromas mais
comuns encontrados nos vinhos Maria Gomes. Em alguns casos, os vinhos
apresentam também sabores de mel e bem minerais, com o decorrer do tempo em que
vão envelhecendo.
As vinhas da Maria Gomes se adaptam melhor quando são
cultivadas em regiões com temperaturas elevadas, principalmente, nas áreas
centrais e no sul de Portugal – Bairrada, Lisboa e Ribatejo. Os altos
rendimentos dessa variedade necessitam ser controlados pelo produtor, a fim de
que seus frutos apresentem complexos aromas e sabores. Além disso, as videiras
da Maria Gomes são sensíveis a geadas, sendo inadequada para o cultivo em
regiões frias.
A maior parte dos vinhos produzidos a partir da Maria Gomes
apresentam excelente complexidade aromática, embora ocorram algumas
complicações por parte dos produtores, precisando que alguns cuidados sejam
tomados durante a vinificação para que seja produzido um bom vinho.
Os níveis de acidez da uva Maria Gomes pode diminuir
consideravelmente no final do crescimento, dando origem a vinhos pouco
complexos e “flácidos”, com tendência a serem simples. Apenas os melhores
exemplares podem envelhecer por alguns anos na garrafa.
Na maior parte das vezes, os vinhos de Portugal são
combinações de duas ou mais uvas, e os vinhos produzidos com a uva Maria Gomes
não são exceção. A casta aparece nos rótulos dos exemplares, normalmente, ao
lado de outras cepas nativas de Portugal, como a Arinto.
Bical
A Bical é uma uva branca de origem portuguesa utilizada na
elaboração de vinhos brancos e espumantes. Cultivada principalmente na região
de Beiras, especialmente na Bairrada e no Dão, no centro de Portugal, produz
vinhos de elevada acidez, podendo ser aproveitada em blends ou em vinhos
varietais.
É caracterizada por sabor frutado e pode apresentar, em anos
mais maduros, notas de frutas tropicais. Trata-se de uma casta precoce com
elevado teor alcoólico, que apresenta alta resistência à podridão, mas tem como
peculiaridade a alta sensibilidade ao oídio.
Também conhecida como Arinto de Alcobaça, Bical de Bairrada,
Pintado dos Pardais ou Pintado das Moscas, Barrado das Moscas e Borrado das
Moscas, devido à sua aparência nos vinhedos, a uva Bical é, junto com a uva
Maria Gomes, é uma das castas mais importantes desta região portuguesa da
Bairrada.
Os vinhos elaborados com a casta Bical são bastante macios e
muito aromáticos, frescos e de boa estrutura. Respondem muito bem ao
envelhecimento em carvalho e ao contato estendido com as borras, resultando em
ótimos vinhos. Os melhores exemplares podem maturar por mais de dez anos,
adquirindo características próximas a vinhos elaborados com a Riesling. Esta
uva também é bastante utilizada em espumantes, muitas vezes misturada com as
castas Arinto e Cercial.
Uva bastante precoce, a Bical possui amadurecimento rápido
nos vinhedos e pode desenvolver alto teor alcoólico, principalmente se for
deixada na videira por um longo período. Quando apresenta acidez acima da
média, é utilizada na elaboração de espumantes ou em vinhos de corte com a
Arinto.
Na região do Dão ela é conhecida como Borrado das Moscas,
pois as uvas maduras nos vinhedos apresentam pequenas manchas castanhas, que
lembram muito o desenho de moscas, mas que são apenas sardas na parte externa
da fruta. Esta característica faz com que se tenha a impressão de as uvas
estarem levemente irregulares.
O consumo dos vinhos elaborados com a uva Bical é indicado em
refeições que incluam pratos com peixes e frutos do mar, tais como mariscos com
arroz, mexilhões cozidos, peixe branco grelhado com risoto, ou mesmo frango
Apricot, entre muitas outras opções.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um amarelo palha, transparente, com discretos
reflexos violáceos e espaças lágrimas finas e rápidas.
No nariz tem a predominância aromática de frutas brancas,
delicadas notas de frutas cítricas, nuances tropicais e toque agradável de
mineralidade.
Na boca é frutado, fresco, jovial, harmonioso, mas com uma
boa presença, um bom volume de boca, que também se deve e muito a boa acidez
que traz a sensação de leveza com um final prolongado e duradouro.
Uma maneira muito agradável e linda de descobrir a Bairrada,
uma região que precisa e deve ser explorada e que tem e muito a oferecer,
entretanto, no Brasil nos esbarramos na escassez de oferta de rótulos e os
poucos que temos à disposição e infelizmente em altíssimos valores. Marquês de
Marialva, além de ser um rótulo excelente, de um ótimo produtor, a qual
atualmente exploro de forma intensa e ávida, entrega valores muito
competitivos. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Adega Cooperativa de Cantanhede:
A constituição da Adega Cooperativa de Cantanhede acontece no
ano de 1954, fruto da vontade de um grupo de viticultores empenhado em criar
condições para valorizar e rentabilizar o elevado potencial que já então
reconheciam aos vinhos produzidos no terroir de Cantanhede.
Neste concelho, onde a viticultura remonta ao tempo dos
romanos, encontramos a principal mancha vitícola da Região Demarcada da
Bairrada. Atualmente com cerca de 1400 viticultores associados, representando
uma área total de vinha de 2000 Ha, esta adega é o maior produtor da região,
representado 25 a 30% da produção.
A sua dimensão e consequente responsabilidade que assume no
contexto da região demarcada onde se insere, desde cedo exigiu que o caminho a
seguir fosse o de valorizar as castas características da região, apostando na
produção de vinhos com maior qualidade.
Inicialmente comercializados exclusivamente a granel, após
apenas 9 anos depois da sua fundação e contra todas as correntes do sector
cooperativo de então, esta adega inicia, pioneiramente, a venda dos seus vinhos
engarrafados procurando uma alternativa para a diferenciação dos vinhos de
Cantanhede.
A estratégia adoptada não demorou a dar frutos. Hoje esta
adega certifica mais de metade da sua produção com a Denominação de Origem
Bairrada, assumindo uma destacada liderança neste segmento e, mais recentemente
também nos Vinhos Regional Beiras. Hoje a sua política produtiva assenta num
pressuposto basilar que passa por uma forte aposta nas castas portuguesas,
particularmente da Bairrada, sua defesa, promoção e divulgação.
Mais informações acesse:
Referências:
Mistral: https://www.mistral.com.br/regiao/bairrada
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/maria-gomes
https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/bical
Degustado em: 2019