Sabe aquele vinho que “harmoniza” com o clima do Brasil? Um
clima quente, tropical, aquele vinho que se assemelha a descontração do povo
brasileiro, a sua receptividade? Pois é, com essas linhas iniciais muitos
pensariam que estou a falar do nosso espumante que, de fato, se adequa a esses
quesitos, sendo ainda uma referência de qualidade e tipicidade para a nossa
vitivinicultura. Mas dessa vez eu não falo dos espumantes, mas sim dos vinhos
verdes! Os vinhos verdes, oriundo da região de mesmo nome, lá do Minho em Portugal,
predominantemente com os seus rótulos, traz todo o frescor, a jovialidade e a
leveza de que nós, brasileiros, apreciamos e que tem tudo a ver com o nosso
clima e estado de espírito. Claro que, a região dos Vinhos Verdes,
representados pelos seus dignos e perseverantes produtores está investindo em
rótulos mais complexos, encorpados e com passagens por barricas de carvalho,
mas que se configura em uma espécie de confronto, de substituição aos clássicos
vinhos verdes mais leves e frescos que, muitas vezes são erroneamente
confundidos com vinhos de má qualidade, mas apenas como uma proposta a mais,
cabendo ao enófilo escolher o que lhe convém.
Lembro-me que, o meu primeiro contato com o vinho verde, foi, admito, tardiamente, por volta do ano de 2015, quando degustei, segundo meus registros fotográficos, o meu primeiro rótulo, muito por conta da informação que recebi sobre as suas características e que se confundia com os espumantes que eu já degustava há mais tempo. Sempre me falavam: “Você, que gosta de espumante, compre vinho verde!” Mas ainda demorei um tempo para comprar um rótulo. Quando, em uma das minhas incursões ao supermercado, perguntei a um responsável pelo setor do vinho que trafegava pelos corredores se tinha vinho verde, pois me lembrei das dicas e recomendações de tempos atrás, o funcionário do supermercado me indicou um da vinícola Adega de Monção, um rótulo simples que poucos dariam o devido crédito, mas o valor era muito atrativo e eu estava, naquele momento, muito interessado em degustar um vinho verde. O comprei!
O retorno foi maravilhoso! De fato era o que as pessoas
diziam. Então, entusiasmado com o resultado, retornei ao supermercado com a
intenção de adquirir outro rótulo. Estava determinado! E quando o escolhi,
inclusive do mesmo produtor, porém um pouco mais caro, não tinha noção do quão
esse vinho iria impactar, de forma tão positiva e avassaladora, a minha vida
como enófilo. Então o vinho que degustei e gostei veio da região portuguesa dos
Vinhos Verdes, e se chama Muralhas de Monção, um corte das típicas e
emblemáticas castas Alvarinho (85%) e Trajadura (15%), da safra 2015. Esse
vinho abriu a minha mente, definitivamente, para o mundo dos vinhos verdes,
transbordando de conhecimento no que tange a sua região, castas e tipicidade. Então,
na mais prudente falar um pouco da região e da sua brilhante participação na
edificação da história vitivinícola de Portugal.
Vinhos Verdes, a região.
Desde o tempo da ocupação romana, antes da era cristã, a
vinha era cultivada na margem sul do Rio Minho da forma característica e
invulgar que se mantém até hoje. Não se trata de suposição. As referências à
viticultura na região encontram-se nos escritos do naturalista Plínio, o Velho,
em sua História Natural, e do filósofo Sêneca, em seu compêndio Questões
Naturais. Está também documentada na legislação do Imperador Domiciano, entre
96 e 51 a.C. Na Idade Média multiplicam-se as referências escritas ao cultivo
das uvas e a elaboração de vinhos no noroeste lusitano, a partir das atividades
nos mosteiros e do decisivo suporte da coroa portuguesa. O vinho entra
definitivamente, entre os séculos XIII e XIV, nos hábitos das populações entre
o Minho e o Douro ao mesmo tempo em que se dá a expansão econômica da região e
a crescente circulação da moeda. Ainda que a exportação fosse pequena, os
vinhos verdes foram, entre os vinhos portugueses, os primeiros conhecidos fora
das fronteiras, particularmente na Inglaterra. No início do século XX,
ultrapassados os problemas das quebras de produção devido às pragas, foram
tomadas medidas especiais para a colocação dos vinhos locais e escoamento dos
excedentes. Tornava-se obrigatório, para isso, conservar a genuinidade e a qualidade
dos produtos, assegurando-se seu valor do ponto de vista cultural e econômico. O
ano de 1908 é crítico na história portuguesa: o rei Carlos I e seu filho são
assassinados, abrindo caminho para a República. Nesse mesmo ano, a região dos
vinhos verdes é demarcada oficialmente e dividida em seis sub-regiões: Monção,
Lima, Basto, Braga, Amarante e Penafiel. O limite a oeste é o Atlântico e, ao
norte, a Espanha.
A Região Demarcada dos Vinhos Verdes está dividia em nove
sub-regiões, cada uma com sua característica específica e suas castas de uva
recomendadas:
Sub-região de Monção e Melgaço: utiliza-se apenas as castas
Pedral (tinta) e Alvarinho (branca). É de lá o mais icônico Alvarinho, com
notas cítricas misturadas com nuances de aromas florais e de frutos tropicais e
paladar mineral.
Sub-região de Amarante: as castas brancas são Azal e Avesso e
originam vinhos com aromas frutados e com o maior teor alcoólico da Região. Mas
é dos tintos que vem a fama da sub-região. Elaborados com Amaral, Vinhão e
Espadeiro, são vinhos com cor carregada e muito viva.
Sub-região de Baião: também tem muita notoriedade na produção
dos brancos, a partir da casta Avesso.
Sub-região de Basto: a casta Azal atinge o seu máximo
potencial e resulta vinhos com aroma de limão e maçã verde muito frescos, de
alta acidez.
Sub-região do Cávado: tem vinhos brancos das castas Arinto,
Loureiro e Trajadura com acidez moderada e notas de frutos cítricos e de pomar.
Os vinhos tintos são na maioria cortes de Vinhão e Borraçal, cor intensa
vermelho granada e aromas de frutos frescos.
Sub-região do Lima: Os vinhos brancos mais famosos são
produzidos a partir da casta Loureiro. Os aromas são finos e elegantes e vão
desde de limão até rosas.
Sub-região de Paiva: produz alguns dos tintos mais
prestigiados de toda a Regiãoa a partir de Amaral e Vinhão.
Sub-região do Sousa: utiliza a casta Espadeiro,
principalmente para a produção de rosés, sendo alguns dos mais destacados da
Região.
Sub-região do Ave: Arinto e Loureiro Trajadura juntas compõem
um blend perfeito com frescura viva e notas florais e de frutas cítricas.
O uso indiscriminado dos termos “Vinhos Verdes” ou “Vinho
Verde” gera muita confusão. Pode parecer uma questão simplesmente ligada ao
plural, mas não é. Os termos se referem à Região dos Vinhos Verdes (plural),
uma das 14 regiões demarcadas de Portugal e à Denominação de Origem Controlada
(DOC) Vinho Verde (singular). Para receber o selo de Denominação de Origem
Vinho Verde, os vinhos devem respeitar as normas estabelecidas pela lei. Não há
restrição de área de cultivo, toda a produção realizada dentro da Região dos
Vinhos Verdes pode receber o selo se respeitarem as diretrizes da DOC. A
legislação permite a elaboração de vinhos brancos, rosés e tintos dos tipos
tranquilo e espumante. Os tranquilos devem ter um volume alcoólico entre 8,5% e
14% e os espumantes entre 10% a 15% de álcool. Todos são elaborados
exclusivamente com castas autóctones da região, são elas: as brancas Alvarinho,
Arinto, Avesso, Loureiro, Azal, Batoca, Trajadura, e as tintas Vinhão,
Alvarelhão, Amaral, Borraçal, Espadeiro, Padeiro, Pedral e Rabo de Anho. É permitida
a criação de varietais e blends. Contanto, varietais de Alvarinho só recebem a
certificação DOC Vinhos Verdes quando elaborados na sub-região de Monção e
Melgaço. Exemplares de qualquer outra sub-região recebe a certificação de Vinho
Regional do Minho.
Em 1926 foi criada a Comissão de Viticultura da Região dos
Vinhos Verdes (CVRVV), responsável por controlar e certificar os produtos
elaborados na região. Quando a amostra apresentada à CVRVV não cumpre com os
requisitos legais para ser certificada como DOC, o exemplar recebe o selo IG
Minho. Isso não quer dizer que o vinho é de pior qualidade, apenas que não se
enquadra legalmente aos parâmetros pré-definidos. A IG Minho permite a
utilização de maior variedade de castas, incluindo uvas internacionais, e
regras distintas de vinificação. Na maioria dos casos, os produtores não estão
buscando necessariamente a tipicidade do vinho, mas a produção de vinhos
inovadores. É comum encontrar vinhos IG Minho mais caros que os DOC Vinhos
Verdes. Alguns produtores optam de forma intencional por rotular seus vinhos
como Regional do Minho, até mesmo por questões de marketing e posicionamento de
mercado.
A região dos Vinhos Verdes tem influência atlântica,
reforçada pela orientação dos vales dos principais rios, que correndo de
nascente para poente facilitam a penetração dos ventos marítimos. É observada
elevada pluviosidade, temperatura amena, pequena amplitude térmica e solo
majoritariamente granítico e localmente xistoso. Mas algumas regiões, por conta
do microclima, apresentam características de terroir distintas. O que
influencia diretamente no vinho.
Por que vinho verde?
Evidentemente, a cor do Vinho Verde não é verde. Então, por
que esse nome? Duas são as versões mais conhecidas. O Vinho Verde leva esse
nome porque as uvas da região, mesmo quando maduras, têm elevado teor de
acidez, produzindo líquido cujas características lhes dão a aparência de vir de
uvas colhidas antes da correta maturação. A outra explicação diz que
"Vinho Verde" significa "vinho de uma região verde", ou
seja, a denominação deriva da belíssima paisagem local, onde o verde das terras
cultivadas se perde no horizonte.
E agora o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha com tons brilhantes muito
intensos, além de um gaseificado que indica frescor.
No nariz traz um toque exuberante de frutas brancas, frutas
frescas e cítricas, como pêssego, graças a Alvarinho e sua predominância, pera,
maracujá, abacaxi e um intenso floral, flores brancas, além daquelas
inconfundíveis notas minerais que diria ser por conta da influência atlânticas
das terras do Minho.
Na boca é leve, fresco, uma belíssima jovialidade, mas com
uma personalidade forte e marcante, sendo expressivo que preenche a boca,
graças também a sua boa acidez, o toque cítrico, frutado, mineral, com um final
persistente e fresco.
Um vinho espetacular que adentrou a minha vida de enófilo de
uma forma avassaladora, como um furacão vinífero e deixou, até hoje deixas
consistentes em minha vida de enófila, quase 5 anos depois de degustado. Um
vinho versátil e que entrega, além do tradicional frescor e leveza de um típico
vinho verde, uma personalidade marcante e poderosa aos sentidos. Sempre me
lembrarei desse vinho como o de fato inaugural nas minhas degustações de vinho
verde. De todos os vinhos verdes que entraram e saíram da minha adega, de todos
aqueles que degustei e degustarei, ele sempre será a minha referência, o meu
fator de gratas e inesquecíveis lembranças. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Adega de Monção:
A Adega Cooperativa Regional de Monção, CRL, foi fundada a 11
de Outubro de 1958, por iniciativa de 25 viticultores. Situada em plena Região
Demarcada dos Vinhos Verdes, na sub-região de Monção e Melgaço, onde a casta Alvarinho
é melhor representada. A matéria-prima, aliada à cuidada seleção das uvas à
entrega da Adega, conjugada com a tecnologia moderna de vinificação e um
contacto de proximidade com os clientes, são o garante da qualidade dos seus
produtos, produtos estes reconhecidos em Portugal, mas também em grande parte
dos países da Europa, África, América do Norte e do Sul.
Entre 1986 e 2004 a Adega de Monção melhorou as condições
tecnológicas de receção de uvas e o processo de vinificação, a capacidade de
armazenamento, estabilização e engarrafamento dos vinhos. Em 1999 aumentou as
suas instalações com a criação de um novo centro de receção de uvas e
vinificação – o pólo de Melgaço, cobrindo assim de melhor forma toda a área
geográfica da sub-região em que se encontra. Entre 2004 e 2006, tiveram início às
obras de criação de modernas estruturas físicas que permitiram alargar a
comercialização a nível nacional e internacional, perfazendo um investimento
total de 6,5 milhões de euros, infraestrutura que acolheu os novos serviços
administrativos, zona de receção de uvas e nova linha de engarrafamento, obra
inaugurada em 2008 aquando da comemoração dos 50 anos.
Atualmente a Adega de Monção apresenta uma faturação anual
superior a 15 milhões de euros, sendo reconhecida de forma unânime como uma das
melhores Adegas Cooperativas do País, assumindo assim um papel de grande
importância na economia local. Possui 1720 produtores associados, que somam uma
área de vinha de 1237 Ha e produções na ordem dos 8.000.000 Kg anuais, dos
quais 60% dizem respeito à casta Alvarinho.
Para ser possível o desenvolvimento desta atividade a Adega
de Monção, possui dois polos de produção, que no conjunto tem uma capacidade de
receção de uvas de 700.000 kg por dia. Possui ainda uma capacidade de
armazenamento de vinhos de 10.328.648 litros. A Adega de Monção possui
capacidade de vinificação e engarrafamento da totalidade dos vinhos produzidos,
tendo sido para o efeito adquirida em 2005 uma nova linha de engarrafamento com
uma capacidade de produção de 6000 garrafas/hora.
Mais informações acesse:
Referências de pesquisa:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinho-verde-bebida-portuguesa-do-verao_8317.html
https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-paisagem-que-deu-nome-ao-vinho_2744.html
Degustado em: 2016
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