quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Muralhas de Monção 2015

 

Sabe aquele vinho que “harmoniza” com o clima do Brasil? Um clima quente, tropical, aquele vinho que se assemelha a descontração do povo brasileiro, a sua receptividade? Pois é, com essas linhas iniciais muitos pensariam que estou a falar do nosso espumante que, de fato, se adequa a esses quesitos, sendo ainda uma referência de qualidade e tipicidade para a nossa vitivinicultura. Mas dessa vez eu não falo dos espumantes, mas sim dos vinhos verdes! Os vinhos verdes, oriundo da região de mesmo nome, lá do Minho em Portugal, predominantemente com os seus rótulos, traz todo o frescor, a jovialidade e a leveza de que nós, brasileiros, apreciamos e que tem tudo a ver com o nosso clima e estado de espírito. Claro que, a região dos Vinhos Verdes, representados pelos seus dignos e perseverantes produtores está investindo em rótulos mais complexos, encorpados e com passagens por barricas de carvalho, mas que se configura em uma espécie de confronto, de substituição aos clássicos vinhos verdes mais leves e frescos que, muitas vezes são erroneamente confundidos com vinhos de má qualidade, mas apenas como uma proposta a mais, cabendo ao enófilo escolher o que lhe convém.

Lembro-me que, o meu primeiro contato com o vinho verde, foi, admito, tardiamente, por volta do ano de 2015, quando degustei, segundo meus registros fotográficos, o meu primeiro rótulo, muito por conta da informação que recebi sobre as suas características e que se confundia com os espumantes que eu já degustava há mais tempo. Sempre me falavam: “Você, que gosta de espumante, compre vinho verde!” Mas ainda demorei um tempo para comprar um rótulo. Quando, em uma das minhas incursões ao supermercado, perguntei a um responsável pelo setor do vinho que trafegava pelos corredores se tinha vinho verde, pois me lembrei das dicas e recomendações de tempos atrás, o funcionário do supermercado me indicou um da vinícola Adega de Monção, um rótulo simples que poucos dariam o devido crédito, mas o valor era muito atrativo e eu estava, naquele momento, muito interessado em degustar um vinho verde. O comprei!

Meu primeiro vinho verde da Adega de Monção

O retorno foi maravilhoso! De fato era o que as pessoas diziam. Então, entusiasmado com o resultado, retornei ao supermercado com a intenção de adquirir outro rótulo. Estava determinado! E quando o escolhi, inclusive do mesmo produtor, porém um pouco mais caro, não tinha noção do quão esse vinho iria impactar, de forma tão positiva e avassaladora, a minha vida como enófilo. Então o vinho que degustei e gostei veio da região portuguesa dos Vinhos Verdes, e se chama Muralhas de Monção, um corte das típicas e emblemáticas castas Alvarinho (85%) e Trajadura (15%), da safra 2015. Esse vinho abriu a minha mente, definitivamente, para o mundo dos vinhos verdes, transbordando de conhecimento no que tange a sua região, castas e tipicidade. Então, na mais prudente falar um pouco da região e da sua brilhante participação na edificação da história vitivinícola de Portugal.

Vinhos Verdes, a região.

Desde o tempo da ocupação romana, antes da era cristã, a vinha era cultivada na margem sul do Rio Minho da forma característica e invulgar que se mantém até hoje. Não se trata de suposição. As referências à viticultura na região encontram-se nos escritos do naturalista Plínio, o Velho, em sua História Natural, e do filósofo Sêneca, em seu compêndio Questões Naturais. Está também documentada na legislação do Imperador Domiciano, entre 96 e 51 a.C. Na Idade Média multiplicam-se as referências escritas ao cultivo das uvas e a elaboração de vinhos no noroeste lusitano, a partir das atividades nos mosteiros e do decisivo suporte da coroa portuguesa. O vinho entra definitivamente, entre os séculos XIII e XIV, nos hábitos das populações entre o Minho e o Douro ao mesmo tempo em que se dá a expansão econômica da região e a crescente circulação da moeda. Ainda que a exportação fosse pequena, os vinhos verdes foram, entre os vinhos portugueses, os primeiros conhecidos fora das fronteiras, particularmente na Inglaterra. No início do século XX, ultrapassados os problemas das quebras de produção devido às pragas, foram tomadas medidas especiais para a colocação dos vinhos locais e escoamento dos excedentes. Tornava-se obrigatório, para isso, conservar a genuinidade e a qualidade dos produtos, assegurando-se seu valor do ponto de vista cultural e econômico. O ano de 1908 é crítico na história portuguesa: o rei Carlos I e seu filho são assassinados, abrindo caminho para a República. Nesse mesmo ano, a região dos vinhos verdes é demarcada oficialmente e dividida em seis sub-regiões: Monção, Lima, Basto, Braga, Amarante e Penafiel. O limite a oeste é o Atlântico e, ao norte, a Espanha.

Região dos Vinhos Verdes

A Região Demarcada dos Vinhos Verdes está dividia em nove sub-regiões, cada uma com sua característica específica e suas castas de uva recomendadas:

Sub-região de Monção e Melgaço: utiliza-se apenas as castas Pedral (tinta) e Alvarinho (branca). É de lá o mais icônico Alvarinho, com notas cítricas misturadas com nuances de aromas florais e de frutos tropicais e paladar mineral.

Sub-região de Amarante: as castas brancas são Azal e Avesso e originam vinhos com aromas frutados e com o maior teor alcoólico da Região. Mas é dos tintos que vem a fama da sub-região. Elaborados com Amaral, Vinhão e Espadeiro, são vinhos com cor carregada e muito viva.

Sub-região de Baião: também tem muita notoriedade na produção dos brancos, a partir da casta Avesso.

Sub-região de Basto: a casta Azal atinge o seu máximo potencial e resulta vinhos com aroma de limão e maçã verde muito frescos, de alta acidez.

Sub-região do Cávado: tem vinhos brancos das castas Arinto, Loureiro e Trajadura com acidez moderada e notas de frutos cítricos e de pomar. Os vinhos tintos são na maioria cortes de Vinhão e Borraçal, cor intensa vermelho granada e aromas de frutos frescos.

Sub-região do Lima: Os vinhos brancos mais famosos são produzidos a partir da casta Loureiro. Os aromas são finos e elegantes e vão desde de limão até rosas.

Sub-região de Paiva: produz alguns dos tintos mais prestigiados de toda a Regiãoa a partir de Amaral e Vinhão.

Sub-região do Sousa: utiliza a casta Espadeiro, principalmente para a produção de rosés, sendo alguns dos mais destacados da Região.

Sub-região do Ave: Arinto e Loureiro Trajadura juntas compõem um blend perfeito com frescura viva e notas florais e de frutas cítricas.

O uso indiscriminado dos termos “Vinhos Verdes” ou “Vinho Verde” gera muita confusão. Pode parecer uma questão simplesmente ligada ao plural, mas não é. Os termos se referem à Região dos Vinhos Verdes (plural), uma das 14 regiões demarcadas de Portugal e à Denominação de Origem Controlada (DOC) Vinho Verde (singular). Para receber o selo de Denominação de Origem Vinho Verde, os vinhos devem respeitar as normas estabelecidas pela lei. Não há restrição de área de cultivo, toda a produção realizada dentro da Região dos Vinhos Verdes pode receber o selo se respeitarem as diretrizes da DOC. A legislação permite a elaboração de vinhos brancos, rosés e tintos dos tipos tranquilo e espumante. Os tranquilos devem ter um volume alcoólico entre 8,5% e 14% e os espumantes entre 10% a 15% de álcool. Todos são elaborados exclusivamente com castas autóctones da região, são elas: as brancas Alvarinho, Arinto, Avesso, Loureiro, Azal, Batoca, Trajadura, e as tintas Vinhão, Alvarelhão, Amaral, Borraçal, Espadeiro, Padeiro, Pedral e Rabo de Anho. É permitida a criação de varietais e blends. Contanto, varietais de Alvarinho só recebem a certificação DOC Vinhos Verdes quando elaborados na sub-região de Monção e Melgaço. Exemplares de qualquer outra sub-região recebe a certificação de Vinho Regional do Minho.

Em 1926 foi criada a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), responsável por controlar e certificar os produtos elaborados na região. Quando a amostra apresentada à CVRVV não cumpre com os requisitos legais para ser certificada como DOC, o exemplar recebe o selo IG Minho. Isso não quer dizer que o vinho é de pior qualidade, apenas que não se enquadra legalmente aos parâmetros pré-definidos. A IG Minho permite a utilização de maior variedade de castas, incluindo uvas internacionais, e regras distintas de vinificação. Na maioria dos casos, os produtores não estão buscando necessariamente a tipicidade do vinho, mas a produção de vinhos inovadores. É comum encontrar vinhos IG Minho mais caros que os DOC Vinhos Verdes. Alguns produtores optam de forma intencional por rotular seus vinhos como Regional do Minho, até mesmo por questões de marketing e posicionamento de mercado.

A região dos Vinhos Verdes tem influência atlântica, reforçada pela orientação dos vales dos principais rios, que correndo de nascente para poente facilitam a penetração dos ventos marítimos. É observada elevada pluviosidade, temperatura amena, pequena amplitude térmica e solo majoritariamente granítico e localmente xistoso. Mas algumas regiões, por conta do microclima, apresentam características de terroir distintas. O que influencia diretamente no vinho.

Por que vinho verde?

Evidentemente, a cor do Vinho Verde não é verde. Então, por que esse nome? Duas são as versões mais conhecidas. O Vinho Verde leva esse nome porque as uvas da região, mesmo quando maduras, têm elevado teor de acidez, produzindo líquido cujas características lhes dão a aparência de vir de uvas colhidas antes da correta maturação. A outra explicação diz que "Vinho Verde" significa "vinho de uma região verde", ou seja, a denominação deriva da belíssima paisagem local, onde o verde das terras cultivadas se perde no horizonte.

E agora o vinho!

Na taça apresenta um amarelo palha com tons brilhantes muito intensos, além de um gaseificado que indica frescor.

No nariz traz um toque exuberante de frutas brancas, frutas frescas e cítricas, como pêssego, graças a Alvarinho e sua predominância, pera, maracujá, abacaxi e um intenso floral, flores brancas, além daquelas inconfundíveis notas minerais que diria ser por conta da influência atlânticas das terras do Minho.

Na boca é leve, fresco, uma belíssima jovialidade, mas com uma personalidade forte e marcante, sendo expressivo que preenche a boca, graças também a sua boa acidez, o toque cítrico, frutado, mineral, com um final persistente e fresco.

Um vinho espetacular que adentrou a minha vida de enófilo de uma forma avassaladora, como um furacão vinífero e deixou, até hoje deixas consistentes em minha vida de enófila, quase 5 anos depois de degustado. Um vinho versátil e que entrega, além do tradicional frescor e leveza de um típico vinho verde, uma personalidade marcante e poderosa aos sentidos. Sempre me lembrarei desse vinho como o de fato inaugural nas minhas degustações de vinho verde. De todos os vinhos verdes que entraram e saíram da minha adega, de todos aqueles que degustei e degustarei, ele sempre será a minha referência, o meu fator de gratas e inesquecíveis lembranças. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Adega de Monção:

A Adega Cooperativa Regional de Monção, CRL, foi fundada a 11 de Outubro de 1958, por iniciativa de 25 viticultores. Situada em plena Região Demarcada dos Vinhos Verdes, na sub-região de Monção e Melgaço, onde a casta Alvarinho é melhor representada. A matéria-prima, aliada à cuidada seleção das uvas à entrega da Adega, conjugada com a tecnologia moderna de vinificação e um contacto de proximidade com os clientes, são o garante da qualidade dos seus produtos, produtos estes reconhecidos em Portugal, mas também em grande parte dos países da Europa, África, América do Norte e do Sul.

Entre 1986 e 2004 a Adega de Monção melhorou as condições tecnológicas de receção de uvas e o processo de vinificação, a capacidade de armazenamento, estabilização e engarrafamento dos vinhos. Em 1999 aumentou as suas instalações com a criação de um novo centro de receção de uvas e vinificação – o pólo de Melgaço, cobrindo assim de melhor forma toda a área geográfica da sub-região em que se encontra. Entre 2004 e 2006, tiveram início às obras de criação de modernas estruturas físicas que permitiram alargar a comercialização a nível nacional e internacional, perfazendo um investimento total de 6,5 milhões de euros, infraestrutura que acolheu os novos serviços administrativos, zona de receção de uvas e nova linha de engarrafamento, obra inaugurada em 2008 aquando da comemoração dos 50 anos.

Atualmente a Adega de Monção apresenta uma faturação anual superior a 15 milhões de euros, sendo reconhecida de forma unânime como uma das melhores Adegas Cooperativas do País, assumindo assim um papel de grande importância na economia local. Possui 1720 produtores associados, que somam uma área de vinha de 1237 Ha e produções na ordem dos 8.000.000 Kg anuais, dos quais 60% dizem respeito à casta Alvarinho.

Para ser possível o desenvolvimento desta atividade a Adega de Monção, possui dois polos de produção, que no conjunto tem uma capacidade de receção de uvas de 700.000 kg por dia. Possui ainda uma capacidade de armazenamento de vinhos de 10.328.648 litros. A Adega de Monção possui capacidade de vinificação e engarrafamento da totalidade dos vinhos produzidos, tendo sido para o efeito adquirida em 2005 uma nova linha de engarrafamento com uma capacidade de produção de 6000 garrafas/hora.

Mais informações acesse:

http://adegademoncao.pt/

Referências de pesquisa:

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinho-verde-bebida-portuguesa-do-verao_8317.html

https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-paisagem-que-deu-nome-ao-vinho_2744.html

“Reserva 85”: https://reserva85.com.br/vinho/indicacao-geografica-ig-denominacao-de-origem-do/regioes-demarcadas-de-portugal/regiao-dos-vinhos-verdes/


Degustado em: 2016

 

 




 


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