Diz o ditado popular que “o raio não cai mais de uma vez em
outro lugar”. Pois bem, no universo do vinho essa frase, a meu ver, não tem
muita validade ou pelo menos não deveria ter, diria pelo menos em doses
“homeopáticas” e seguras. Eu explico esse conjunto de charadas: por que não
podemos repetir a degustação de um rótulo, de um rótulo que gostamos, que
marcou a nossa vida? Podemos fazer melhor: Acompanhar a evolução de um vinho
degustando safra por safra e exercitar a nossa capacidade de análise sensorial
e reforçar, ou não, a nossa predileção, o nosso carinho por aquela linha de
rótulos ou aquele produtor, nos estimulando a buscar novos vinhos, outras
propostas dessa vinícola. Ah e quando falei das doses “homeopáticas” e seguras
é não fazer dessa predileção uma temível zona de conforto, isto é, nos render
aos mesmos vinhos, da mesma região, do mesmo produtor, das mesmas castas etc.
Mas vou falar de um vinho que degustei e gostei e que tive a oportunidade de degustar novamente, mas uma “nova safra”. Antes preciso contar uma história que me fez chegar a esse vinho, ou melhor, a região a qual ele faz parte. Estava eu assistindo a um dos raros programas de TV voltado para o mundo dos vinhos, no Canal Globosat, chamado “Um Brinde ao Vinho”, onde uma temporada fora Portugal e as suas mais importantes regiões vitícolas. Entusiasmado, a cada dia da exibição dos episódios, lá estava eu, diante da tela, mesmerizado, vendo tudo. E um desses dias foi sobre uma região que não conhecia chamada Bairrada. Me animei pelo simples fato de que iria conhecer uma nova região lusitana. Assisti ao programa e coloquei uma meta a ser traçada: buscar, procurar vinhos dessa região!
Confesso que pensei que seria muito difícil localizar, mas
precisava esmero e dedicação para isso. Em uma das minhas necessárias incursões
aos supermercados atrás de vinho atraente, de bom custo x benefício, comecei a
procurar, não pelos vinhos da Bairrada, mas outro vinho, uma proposta que não
conseguirei lembrar neste momento em que redijo essas linhas. Mas, o meu olhar,
já descontente com o que eu não achei, já estava me preparando para sair de
cena, quando me deparei com um rótulo que nunca tinha visto naquele
supermercado que, regularmente visitava, e me aproximei para ter detalhes dele
e o que encontrei: um vinho da Bairrada! Sem querer encontrei o que buscava
desde aquele programa de TV quando conheci um pouco dessa região. O preço
estava de acordo, mas fiquei temoroso quanto a safra, 2014. Mas precisava
compra-lo e fui o que fiz. No dia da degustação tão esperada o vinho me
surpreendeu de uma forma tamanha que eu precisava continuar comprando mais e
mais vinhos da Bairrada e, em especial, da Adega de Cantanhede. Que produtor
excepcional!
Sem mais delongas o vinho que degustei e gostei no passado
não muito distante e que continuo a gostar, veio, é claro, da Bairrada, e se
chama Marquês de Marialva Colheita Seleccionada, um DOC tinto, da safra 2015,
composto pelo blend das castas Baga (50%), a emblemática da região que também
descobri, Tinta Roriz (30%) e Touriga Nacional (20%). Duas safras revelaram uma
coisa óbvia e que evolui: a qualidade. E, claro que vale mais história. Falemos
um pouco da Bairrada e sua emblemática casta, a Baga.
Bairrada e a sua casta Baga
Localizada na região central de Portugal e se estendendo até
o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a
região vinícola da Bairrada – cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a
compõe – tem clima temperado bastante favorável às vinhas. A Bairrada é uma
daquelas regiões portuguesas com grande personalidade. Apesar de sua longa
história vínica, a certificação da região é recente. A Denominação de Origem
Controlada (DOC Bairrada) para vinhos tintos e brancos é de 1979 e para
espumantes de 1991. A Região Demarcada da Bairrada possui também uma Indicação
Geográfica: IG Beira Atlântico.
Há registros que desde o século X é elaborado vinhos na
região. Em 1867, o cientista António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de
produção de vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais
tarde, fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover
os vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho. O
primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho espumante em 1890. E
foi com os espumantes que a região conquistou o mundo. Frutados, com um toque
mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se referencias e, até hoje, fazem
da Bairrada uma das maiores regiões produtoras de espumantes de Portugal. Com o
passar do tempo, as criações tintas ganharam espaço. Muito por conta do que os
produtores têm feito com a Baga, casta autóctone da região. O grande
responsável pelo fortalecimento internacional da região é o engenheiro Luís Pato.
Conhecido como o Mr. Baga, Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo
para conseguir um vinho autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva
Baga, uma das principais uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme
complexidade aos rótulos que compõe. Demonstrando muita classe e estrutura, a
variedade da casta de tintos é única no seu valor e possui um fantástico
potencial de envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após
sua fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta
variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga
era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente
ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís
Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta
variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.
A localização da DOC Bairrada e suas características de clima
e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito
em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e
outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local
onde a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades. Delimitada
a Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano Atlântico
e a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por planalto
de baixa altitude. O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas
poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico
moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano
Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes,
suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área
se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A
variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.
O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas castas
autorizadas e recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei
descreve as diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e
espumantes. Para a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as
castas recomendadas são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e
Tinta-Pinheira. No conjunto ou separadamente, deverão representar 80% do
vinhedo, não podendo a casta Baga representar menos de 50%. As castas
autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro, Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e
Trincadeira. Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes
(também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha,
no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as
autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais
devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical,
Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa,
Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jean, Moreto,
Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira. Em 2012 foi publicada a Portaria
n.º 380/2012, que atualiza a lista de castas permitidas para elaboração dos
vinhos DOC Bairrada. Foi incluída
recentemente uma autorização para o cultivo das castas internacionais Cabernet
Sauvignon, Syrah, Merlot, Petit Verdot e Pinot Noir e das portuguesas Touriga
Nacional, Castelão, Rufete, Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga
Franca. Vinhos elaborados com castas que não estejam relacionadas no
Decreto-Lei, não podem receber o selo de DOC Bairrada e são rotulados com o
selo Vinho Regional Beira Atlântico.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso com entornos
violáceos, com lágrimas finas e em média intensidade.
No nariz predomina as frutas vermelhas maduras, como groselha
e cereja, além de toques de especiarias, um discreto pimentão, baunilha e amadeirado
graças aos 6 meses de passagem por barricas de carvalho.
Na boca traz também, como no aspecto olfativo, o toque
frutado, um vinho “quente”, expressivo, mas macio e muito equilibrado, devido
ao seu tempo de safra e pelo fato de ter passado dois meses na garrafa
evoluindo antes de sair da adega. Tem taninos presentes, mas domados e finos,
com baixa acidez, além de um amadeirado discreto muito bem integrado ao
conjunto do vinho. Final de média intensidade.
Um raio cai sim e deve, no mundo dos vinhos, duas vezes ou
mais nas nossas taças e fazer um reboliço nas nossas experiências sensoriais,
iluminando os nossos dias com ótimas degustações, transformando-os em
verdadeiras celebrações, uma verdadeira ode aos vinhos dessa região emblemática
de Portugal que não faz tanto sucesso em terras brasileiras: a Bairrada! Espero
acompanhar, seguir junto com a linha Marquês de Marialva Colheita Seleccionada,
com seus rótulos tintos, safra após safra, desvendando nuances sensoriais que
personificam na mais genuína qualidade que catapulta para o mundo a Bairrada e
a sua casta emblemática, a Baga! Depois do Marquês de Marialva Colheita Seleccionada 2014, que venham mais e mais rótulos! Que
os anos não passem em termos de qualidade e que retrate a tipicidade dessa
região. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Adega de Cantanhede:
Fundada em 1954 por um conjunto de 100 viticultores, a Adega
de Cantanhede conta hoje com 500 viticultores associados ativos e uma produção
anual de 6 a 7 milhões de quilos de uva, constituindo-se como o principal
produtor da Região Demarcada da Bairrada, representando cerca de 40% da
produção global da região. Hoje certifica cerca de 80% da sua produção, sendo
líder destacado nas vendas de vinhos DOC Bairrada DOC e Beira Atlântico IGP.
Reconhecendo a enorme competitividade existente no mercado
nacional e internacional, a evolução qualitativa dos seus vinhos é o resultado
da mais moderna tecnologia, com foco na qualidade e segurança alimentar (Adega
Certificada pela norma ISO 9001:2015, e mais recentemente pela IFS Food 6.1.),
mas também da promoção das castas Portuguesas, que sempre guiou a sua
estratégia, particularmente das variedades tradicionais da Bairrada – Baga,
Bical e Maria Gomes – mas também de outras castas Portuguesas que encontram na
Bairrada um Terroir de eleição, como sejam a Touriga Nacional, Aragonez e
Arinto, pois acredita que no inequívoco potencial de diferenciação e
singularidade que este património confere aos seus vinhos.
O seu portfólio inclui uma ampla gama de produtos. Em tinto,
branco e rose os seus vinhos vão desde os vinhos de mesa até vinhos Premium a
que acresce uma vasta gama de Espumantes produzidos exclusivamente pelo Método
Clássico, bem como Aguardentes e Vinhos Fortificados. É um portfólio que,
graças à sua diversidade e versatilidade, é capaz de atender a diferentes
segmentos de mercado, com diferentes graus de exigência em qualidade, que
resulta na presença dos seus produtos em mais de 20 mercados.
A sua notoriedade enquanto produtor, bem como dos seus vinhos
e das suas marcas, vem sendo confirmada e sustentadamente reforçada pelos
prémios que vem acumulando no seu palmarés, o que resulta em mais de 750
distinções atribuídas nos mais prestigiados concursos nacionais e
internacionais, com destaque para Mundus Vini – Alemanha, Concours Mondial de
Bruxelles, Selections Mondiales du Vins - Canada, Effervescents du Monde –
França, Berliner Wein Trophy – Alemanha e Japan Wine Challenge. sendo por
diversas ocasiões o único produtor da Bairrada com vinhos premiados nesses
concursos e, por isso, hoje um dos mais galardoados produtores da região. Em
2015 integrou o TOP 100 dos Melhores Produtores Mundiais, pela WAWWJ –
Associação Mundial dos Jornalistas e Críticos de Vinho e Bebidas Espirituosas. Nos
últimos 8 anos foi eleita “Melhor Adega Cooperativa” em Portugal por 3 vezes
pela imprensa especializada.
Mais informações acesse:
Referências:
“Reserva 85”: https://reserva85.com.br/vinho/indicacao-geografica-ig-denominacao-de-origem-do/regioes-demarcadas-de-portugal/bairrada/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/baga
“Winepedia”: https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/bairrada-uma-tradicao-de-seculos/
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