quarta-feira, 7 de junho de 2023

Antodie Viognier 2020

 

Sempre ouvi que os vinhos franceses, para pessoas menos abastadas, como eu, eram de difícil acesso. Sempre ouvi dizer que, por exemplo, os melhores Bordeaux, emblemática região francesa para a produção de vinhos, tinham que custar na faixa dos R$ 200,00!

E com essa afirmação um tanto quanto segmentada eu segui a minha trajetória enófila sem dar muito destaque aos vinhos franceses, temendo comprar aqueles vinhos mais baratos que chegavam em profusão no nosso mercado consumidor.

Fui, confesso, inocente em minha decisão de deixar de lado os franceses por conta dessas declarações segmentadas e exclusivistas, mas, em minha defesa, a desinformação reforçou a minha decisão de desprezar, por um longo tempo, os rótulos franceses.

Mas o tempo ajudou a desmistificar alguns mitos, algumas “máximas intolerantes” que teimam em tornar escuro, com uma neblina, as nossas retinas, as nossas percepções de vinho. Infelizmente o universo do vinho ainda é aristocrático e repleto de visões pré-concebidas.

E com isso, com esses caminhos tortuosos, pelo menos conheci uma região famosa na França que fez com que o sol do esclarecimento iluminasse os nossos caminhos, essa é a região do Languedoc-Roussillon.

Alguns vinhos degustei e gostei por demais! Como uma região pode entregar ótimos e agradáveis vinhos a valores extremamente competitivos? Sim, Languedoc tornou possível degustar bons vinhos franceses a bons preços, valores acessíveis e justos para todos aqueles, independentemente da sua posição social e econômica, que querem imergir no mundo do vinho.

E o vinho que degustei e gostei de hoje, além de ser, claro, do Languedoc-Roussillon, da França, traz alguma novidade para mim, pelo menos, é um branco 100% Viognier. Uma casta que ainda não tenho aquela “litragem”, mas estou ansioso para degustar o Antodie da safra 2020. Mas antes da degustação, vamos de história, vamos de Languedoc-Roussillion e de Viognier.

Languedoc-Roussillon

Languedoc-Roussillon é uma região francesa localizada na costa do país. Ela faz fronteira com a Espanha e é também chamada apenas de Languedoc. Na Idade Média, os povos que ocupavam o território da França atual tinham duas maneiras de dizer "sim": os do Norte diziam "oïl" e os do Sul diziam "oc". Dessa forma, o Norte era conhecido como a terra da Língua do Oïl e, o Sul, a terra da Língua do Oc ("Langue d'Oc"). Esse segundo nome persistiu e o território mediterrâneo entre Perpignan e Montpellier, no sul da França, incluindo Narbonne e Carcassone, é até hoje denominado Languedoc.

Languedoc-Roussillon

Durante séculos essa região ensolarada, voltada em forma de anfiteatro para o Mar Mediterrâneo, dedicou-se à produção de volumes enormes de vinhos de mesa populares e baratos, os quais eram servidos em copos, nos bares, ou em jarras de vidro ("pichés"), nos restaurantes franceses, a preço de banana.

Até recentemente, nos anos 1970 e início dos 1980, o Languedoc ainda produzia, na maior parte, vinhos propostos para o consumo massivo. Do ponto de vista vitivinícola, isso era impulsionado pela facilidade com que a uva Carignan, que não se inclui entre as melhores, é cultivada e amadurece nas planícies quentes do anfiteatro mediterrâneo. Ela ocupava grande área de cultivo e sua utilização não conhecia limites.

O prestígio veio depois, por volta dos anos 1980, quando os produtores elevaram a qualidade, chegando a exemplares de tipos variados, com destaque para tintos frutados e robustos, com excelente relação custo e benefício, o melhor da França.

No entanto, passados mais de trinta anos, poucas regiões vinícolas do mundo são tão excitantes para vinhos tintos robustos e frutados a preços convidativos como o Languedoc. Nesse período, vinicultores pioneiros ajudaram a elevar a qualidade para novos níveis. As uvas Syrah, Grenache e Mourvèdre ocuparam o lugar da Carignan e a procura pela qualidade reduziu a primazia dos vinhos populares.

Um cauteloso processo de subdivisão de Languedoc-Roussillon em terroirs reconhecidamente distintos está em andamento há alguns anos, originando as apelações Clairette du Languedoc, La Clape, Picpoul de Pinet, entre outras. Algumas encontram-se bem estabelecidas, com anos de certificação, outras estão conquistando aos poucos seus espaços perante o mundo do vinho.

As cidades de maior destaque do Languedoc são Nîmes, Montpellier, Sète e Bézier e as do Roussillon são Narbonne, Carcassone, Minervois, Saint-Hilaire e Limoux. Essas duas regiões produzem principalmente vinhos tintos, seguidos dos brancos espumantes, brancos doces, brancos tranquilos secos e rosés.

Tradicionalmente, a Carignan é a uva de destaque, mas atualmente muitas outras têm brilhado. Grenache, Mourvèdre, Syrah, Merlot, Cinsault e Cabernet Sauvignon, entres as tintas. Picpoul, Muscat, Maccabéo, Clairette, Rollet, Bouboulenc, Sauvignon Blanc, Viognier, Marsanne e Chardonnay, entre as brancas.

Por causa da boa adaptação de uma grande diversidade de uvas, há uma produção muito variada por lá. Os tintos Vin de Pays d’Oc são deliciosos e cheios de tipicidade. Os brancos são impressionantes, dos secos aos doces. Sem falar do precioso espumante Crémant de Limoux, de estilo similar ao champanhe.

Com exceção do seu extremo-oeste, que tem alguma influência atlântica, o clima da região é essencialmente mediterrâneo, com chuvas escassas (geralmente caem em temporais localizados) e verões muito quentes. O maior problema para a viticultura é a seca. O Roussillon é a região mais ensolarada da França, com 325 dias de sol no ano e com os ventos quentes que no verão aceleram a maturação das uvas.

O solo da maior parte da região é do tipo aluvial, exceção feita das partes mais ao norte, afastadas do litoral, e mais a oeste, próxima aos Pirineus, onde os vinhedos estão a altitudes maiores e repousam em solos variados como cascalhoso com seixos, xistoso, arenoso e de pedra calcária.

A virada

No período de 1982 a 1993, sub-regiões como Faugères, Minervois e Limoux enquadram-se como Denominação de Origem Controlada. Corbières, o vinhedo mais amplo da França Meridional, corre atrás com tintos apimentados da Grenache.

Como a quantidade - mais que a qualidade - era a premissa para a maioria dos produtores, isso se constituiu em uma virada no mundo dos vinhos franceses. A melhoria começa timidamente com a vinícola Fortant de France, do empreendedor Robert Skalli. Ele desvia-se da tradição local voltando-se para varietais de Cabernet Sauvignon, Viognier e Chardonnay, mas limita-se a enquadrar seus produtos sob a denominação Vin de Pays d'Oc (vinho regional).

Para encontrar os melhores tintos temos que nos voltar para os terrenos mais elevados. Isso significa, principalmente, os Côteaux du Languedoc, que contam, por sua vez, com diversas subregiões na zona de colinas entre a planície costeira e o Maciço Central. Os melhores tintos do Coteaux são cortes com base na Syrah e na Mourvedre. Propriedades emergentes, como os Châteaux la Roque, de Flaugergues e Puydeval despontam internacionalmente e são recomendados nos EUA, em 2003, pela Wine Spectator.

Outras, com nomes pouco divulgados até então como, por exemplo, os Domaines d'Aupilhac, Magellan e St. Martin de la Garrigue recebem tratamento semelhante. Os vinhos de Gerard Bertrand recebem da revista americana pontuações acima de noventa na sua escala de zero a cem.

A descoberta do Languedoc na Califórnia chega a ponto de Robert Mondavi tentar instalar-se com uma vinícola na região na cidade de Aniane. A prefeitura local socialista, entretanto, rechaça essa possibilidade e não autoriza o empreendimento. No local, instala-se a Maison Nicolas.

Futuras gerações

De modo geral, pode-se confiar de forma consistente em que os tintos contemporâneos do Languedoc, Corbières, Coteaux du Languedoc, Fitou etc, são vinhos equilibrados, potentes e que seu frutado não se deixa suplantar por aromas amadeirados. Tendo rompido com o passado, a possibilidade do Languedoc de elaborar vinhos de qualidade ainda mais elevada, reconhecidos internacionalmente, dependerá da dedicação da nova geração de vinhateiros ao se expandir pela diversidade de terroirs da região.

A hedonista Viognier

A Viognier é uma variedade de origem francesa, muito ligada ao Rhône, mas, graças às suas características aromáticas e estruturais, além de ser uma ótima “parceira” de outras castas brancas em blends, espalhou-se por diversas partes do mundo, gerando vinhos excepcionais.

As primeiras menções a ela são de 1781, ligando-a região de Condrieu e também Ampuis, no vale do Rhône, mas uma tese diz que a Viognier foi levada da costa da Dalmácia para a França pelo imperador Probus, e que a variedade veio de Smirnium na Croácia. No entanto, não há evidências históricas de que a casta seja mesmo croata.

Análises de DNA mostram uma relação pai-filho entre Viognier e a casta Mondeuse Blanche e isso a torna uma possível meio-irmão ou até mesmo avó da Syrah, já que elas fazem parte do mesmo grupo ampelográfico, mas especialistas ainda não descobriram a ordem exata dos fatores.

Viognier

A origem do seu nome ainda é um mistério, mas teoricamente derivaria do francês viorne, do gênero botânico “viburnum”, que remete a flores brancas, possivelmente ligado às características aromáticas.

Há cerca de 50 anos, a Viognier estava restrita a poucos lugares, encontrada em cerca de 10 hectares em Condrieu e no Château Grillet somente, e hoje é um fenômeno mundial. A casta é tradicionalmente cultivada em solos mais ácidos, mas também se adapta a regiões mais quentes, por isso tem sido plantada em vários locais do mundo, da Califórnia, ao Uruguai, passando por Austrália, Nova Zelândia, Chile, Alemanha etc.

A Viognier é para quem gosta de parar e sentir o cheiro das flores. Os vinhos variam de sabor, desde mais leves como frutas amarelas, em especial tangerina, manga e pêssegos até aromas mais cremosos de baunilha com especiarias de noz-moscada e cravo-da-índia. Dependendo do produtor e de como o vinho é feito, ele varia em intensidade, de leve e quente com um toque de amargor a ousado e cremoso.

No paladar, os vinhos são geralmente secos, embora alguns produtores façam um estilo levemente doce que embeleze os aromas de pêssego da Viognier. Os estilos mais secos aparecem menos frutados no palato e produzem amargura sutil, quase como se triturássemos uma pétala de rosa fresca. No geral, os vinhos desta casta encontram seu melhor momento depois de 2 ou 3 anos, quando alcançam um estado mais opulento e exótico.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo tendendo para o dourado, muito brilhante, com algumas lágrimas finas, que logo se dissipa.

No nariz é surpreendentemente aromático e fresco trazendo, em primeiro plano, aromas de frutas de polpa branca e tropicais com destaque para pera, abacaxi, melão, maracujá, lima e pêssego, com uma agradável mineralidade e grama cortada, algo de herbáceo.

Na boca traz notas deliciosas de aspecto seco, com muito frescor, mas com uma incrível estrutura, personalidade, um bom volume, cheio, com alguma untuosidade, mostrando equilíbrio entre corpo e frescor. As frutas entregam protagonismo e leveza, com bela citricidade residual, com uma acidez cativante, vibrante, que saliva, com final persistente.

Languedoc-Roussillon não entrega apenas tipicidade, qualidade e valores justos, acessíveis aos mais variados bolsos, mas traz uma alternativa para que todos indistintamente degustem vinhos franceses a bons preços e de qualidade atestada. E ainda me possibilitou novas experiências com a excelente casta Viognier com toda a sua exuberância aromática e complexidade no paladar. Que venham mais e mais! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vignobles & Compagnie:

Em 1963, graças ao espírito de federação dos viticultores, liderado por Paul Blisson, que deu origem a vinícola, originada a promover vinhos da região do Gard, do Vale de Rhône. A adega, um edifício original inspirado pelo brasileiro Oscar Niemeyer, estava e ainda está localizada em um ponto estratégico de Gard.

A família Merlout investe na organização, isso em 1969. À frente da empresa estava uma mulher, Miss Noble, um fato ousado para a época. Em 1972 a vinícola entra em uma nova era graças a modernização do local e ao grande crescimento econômico também.

Em 1990 o Grupo Taillan assumiu todas as atividades da vinícola, dando início a uma parceria importante com vários produtores locais, trazendo o conceito de regionalismo aos seus rótulos.

Mais informações acesse:

https://vignoblescompagnie.com/en/

Referências:

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/languedoc-roussillon

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=FR14

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/o-vinho-de-languedoc_8053.html

“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/10/languedoc-roussillon/

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/uvas/262-uva-viognier-a-uva-hedonista

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/branca-do-rhone-curiosidades-sobre-casta-viognier_13425.html

 

 

 

 

 

 

 


 




Nenhum comentário:

Postar um comentário