Nunca pensei, quando comecei a degustar vinhos, a quase 30
anos atrás, de que eu fosse desbravar, de forma tão intensa, os vinhos
brasileiros. Desbravar regiões que jamais fosse chegar que nunca esperar
encontrar vinhos que não nos polos de produção da bebida como o Rio Grande do
Sul.
Por isso não me canso de dizer, sei que sou redundante, mas
nunca omisso: o universo do vinho é vasto e inexplorado e ele nos propicia não
apenas a degustação que claro é o ápice, mas descobrir, aprender e se banhar de
cultura.
Como muitos, infelizmente, que adentra o mundo do vinho
sempre, de forma pré concebida, acha que o mundo do vinho brasileiro é limitado
e incipiente, os rótulos e a história dizem o contrário e é uma forma de
resistência que grita aos quatro cantos que o vinho nacional é válido e tem sim
história.
Sempre ouvi dizer que São Paulo sempre foi uma região
proeminente na produção de vinhos e mais, com certo protagonismo para a
história vitivinícola brasileira. Mas nunca parei para pensar na dimensão dessa
informação, na relevância disso tudo e consequentemente nunca me atentei para a
possibilidade de degustar quaisquer vinhos das regiões contempladas pela
natureza nas terras paulistas.
E o meu primeiro contato com os vinhos de São Paulo se deu de
uma forma totalmente ocasional e despretensiosa. Estava eu acessando as minhas
redes sociais e me deparei com uma publicação um tanto quanto atípica para mim
e estava relacionado aos vinhos artesanais ou a vinhos produzidos por pequenas
e médias vinícolas com baixa produção. Aquilo fora como se amor à primeira
vista, dado o tamanho do interesse que me tomou como um arrebatamento.
Diante do tamanho do interesse decidi procurar detalhes sobre
o vinho mencionado e como qualquer coisa que colocamos na grande rede para pesquisar,
uma coisa vai puxando a outra, porém dentro do contexto. Até que cheguei a um
site que vende vinhos de uma região famosa do interior de são Paulo conhecida
como “a terra do vinho”, chamada São Roque!
Além do interesse instigante de novos terroirs, a degustação
de vinhos artesanais e produzidos por pequenas vinícolas me atraía de uma forma
visceral e implacável. Decidi comprar três rótulos e dois já degustei: Um que
veio, pasmem, de uma cidade chamada Serra Negra, o Família Silloto Merlot 2019 e o vinho de São Roque o Dom Bernardino Touriga Nacional 2018.
E faltava o terceiro rótulo! Então o momento chegou e a
animação virou ansiedade, estava tomado por uma exaltação salutar, degustar o
meu terceiro rótulo da “terra do vinho”, São Roque é como degustar a história
do Brasil vitícola! A rolha se desprende da garrafa, o barulhinho típico
anuncia o momento de a taça ser inundada pelo líquido sagrado e santificar as
experiências sensoriais era questão de tempo. E ele é surpreendentemente
maravilhoso! Incrível! O vinho que degustei e gostei veio de são Roque, São
Paulo, e se chama Frank da casta Tempranillo, da safra das safras, 2020. As
uvas vieram do Sul do Brasil, São Roque ainda não tem clima para produzir propício
castas vitis vinífera, mas foi
vinificado sobre os preceitos, sob a filosofia da tradicional vinícola Frank
que, apesar de pequena goza de uma tradição de mais de 50 anos nas terras de
São Roque, região esta que falaremos agora.
São Roque: a “terra do vinho”
A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de
1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de
Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de
Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também
conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que
trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após
a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na
mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em
1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do
escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se identificar referências à
vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII.
Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade,
através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos
Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes
proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e
o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador
da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao
norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e
por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade
de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Portanto realmente não se podem esperar grandes referências
desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que
existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou
seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito
prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a
descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São
Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a
metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira
a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos
colonizadores.
Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz
foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o
nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi
elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838,
quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de
mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846,
seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro
II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a
passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário
político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de
cidade no dia 22 de abril de 1864.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro
oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865,
quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em
Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade
no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então
Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do
vinho.
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que
ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884,
começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas
aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade
já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a
cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação
do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas
eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras
trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França),
curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São
Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas,
plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para
consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense,
ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o
consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização
graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se
utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro
(talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na
região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950:
processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com
aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e
desempenho melhores.
Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início
do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o
período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas
vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a
massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo
de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos
e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando
ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980).
São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que
os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu
vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do
Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa
situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do
passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho intenso quase escuro, com
reflexos violáceos que dá um tom brilhante e reluzente, com lágrimas grossas e
que marcam o bojo.
No nariz explode em frutas vermelhas maduras, onde se
destacam cereja, groselha e morango. Um toque floral muito delicado que lembra
flores vermelhas, além de um toque terroso, de floresta.
Na boca é de leve para médio, com as notas frutadas percebida
no aspecto olfativo, com um bom volume de boca, taninos macios, polidos, com
boa acidez mostrando ainda jovialidade, além de frescor. É equilibrado,
harmonioso, elegante e tem um final de boca de média persistência com
retrogosto frutado.
Vinho não é só poesia engarrafada como dizia aquele poeta,
mas história engarrafada também. Degustamos história, degustamos cultura! É
muito gratificante e especial degustarmos vinhos com essa carga histórica
atrelada de forma tão veemente, tão latente. A história é viva e plena, não é
algo estático. Degustar o Frank da casta Tempranillo é como se estabelecêssemos
contato com um novo mundo, uma nova percepção, que enaltece as nossas
experiências sensoriais. A Tempranillo definitivamente está definitivamente se
adaptando em nossas terras apesar de ainda não ter tantos rótulos disponíveis,
mas os poucos ofertados são ótimos e não fica atrás dos espanhóis, por exemplo.
E este da Vinícola Frank honra a força propulsora dos vinhos brasileiros que, a
cada dia, vem crescendo, devagar sim, a duras penas, também, mas com dignidade
e respeitando todos os componentes de seus terroirs. Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Vinícola Frank:
Tudo começou há 97 anos com seu pai o Sr. Roque de Oliveira
Santos que passou todas as suas experiências e habilidades para o Sr. Frank
Vicente dos Santos.
No sitio da sua família deu continuidade no parreiral e no
cultivo de uvas e se especializou na vitivinicultura que hoje conta com uma
experiência de mais de 60 anos.
Casou-se com a Sra. Ferdinanda, uma imigrante italiana que
veio para o Brasil na segunda guerra mundial e teve duas filhas onde tocam seus
negócios até hoje.
Em 1965 fundou a marca que levaria seu nome, conhecida por
VINHOS FRANK, que com muito trabalho, dedicação e amor tornou-se uma marca
muito conhecida em todo Brasil por manter suas qualidades desde o primeiro
litro de vinho até hoje.
Hoje a marca conta com 07 linhas de produtos, são elas:
Tradicional, Bordô, varietais, frisante, espumante, cooler e suco de uva.
Toda sua produção continua sendo supervisionada e orientada
pelo Sr. Frank que hoje tem 95 anos de vida e toma seu vinho todos os dias.
A marca "Vinhos Frank” nos meados de 1990 inaugurou seu
restaurante que está sendo um dos principais atrativos, contando com um ótimo
cardápio, com muitas variedades de pratos, sendo harmonizados com a linha de
vinhos FRANK.
Mais informações acesse:
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque
Nenhum comentário:
Postar um comentário