Sempre ao término do ano, na transição para o ano novo
algumas metas são renovadas: sucesso profissional, emagrecer, ser mais
tolerante e legal etc. Ano novo, intenções velhas. Velhos obstáculos,
projetos... O ser humano é movido por metas e projeções para dar o mínimo de
sentido a vida ou uma espécie de farol para ter um norte na vida.
Como um homem sistemático sempre serei a favor de método na
vida, mas nunca se escravizar a eles. A vida precisa ser leve, principalmente
transparente, respeitando a elas, buscando novidades para que ela siga dessa
forma. Mas algumas tradições, por mais austeras que ela aparenta, podem trazer
alguns prazeres.
E claro falo do vinho, do universo do vinho, o que nós
tratamos por aqui, linhas de auto ajuda à parte. Decidimos por alguns anos
consecutivos promover um churrasco em família para, dentro do possível,
comemorarmos um novo ano.
E com ele veio também a decisão de um novo rótulo e como
mencionei o quesito tradição veio à tona. Quando falamos em churrasco o que vem
à mente? Vinhos encorpados, estruturados e com alguma complexidade.
Mas vinhos tintos com essa proposta em pleno verão de
dezembro no Brasil? Será que há uma espécie de “incoerência” nessa escolha? Não
sou um especialista, apenas um relés enófilo, mas penso que temos de ser
regidos por nossa vontade, pelo que o coração nos diz. Talvez um espumante mais
seco e com boa acidez possa ser uma escolha mais “decente”, mas dessa vez
decidi pela tradição, pelo óbvio.
Mas o rótulo não é nem um pouco óbvio, mas uma escolha pouco
ortodoxa e incomum e logo direi o motivo: Um vinho com 14 anos de vida! Sim! Um
rótulo com seus longos 14 anos de vida, no auge de sua evolução. Bem se está no
auge de sua evolução eu não sei ainda, mas eu sei que a decisão da escolha foi
óbvia, mas o rótulo é sem dúvida arrojado.
Quando degustamos um vinho com algum tempo de safra sempre
tem aquela dose de incerteza. Como ele estará? O que ele nos reservará? Pode
estar no ápice de seu momento evolutivo, pode estar em declínio, é sempre um
momento de apreensão, com um misto de privilégio, pelo fato de degustar um
vinho com esse tempo de vida, mas de preocupação também, pelo fato do que irá
encontrar.
Mas decidi ser o mais positivo possível projetando (olha a
palavra aí novamente) as possibilidades que possibilitam que esse vinho possa
estar em seu grande momento, mesmo que esteja quase debutando. Trata-se de um
Tannat que, genuinamente, traz muitos taninos, o que viabiliza sua longevidade.
A passagem por barricas de carvalho, que traz complexidade, estrutura ao
rótulo.
O tempo poderá ser um mero detalhe a este vinho. O momento é
chegado! A rolha, delicadamente se desprendeu da garrafa, parecia que ele
nascia para o nosso deleite. A taça foi inundada de expectativas, os aromas
timidamente se mostrando. Um buquê aromático aos poucos foi mostrando a que veio
os famosos aromas terciários: toques balsâmicos, de café torrado mesmo, com
frutas secas, couro, tabaco, especiarias. Uma loucura! Na boca ainda trazia a
plenitude, a vivacidade das frutas, apesar de discreta, se fazia presente.
Personalidade é o seu nome! Não vou entrar, pelo menos ainda, em detalhes sobre
o vinho, mas não preciso dizer que o vinho é especial.
Mas de qualquer forma vou evocar a frase que dá nome a este
humilde diário virtual. O vinho que degustei e gostei veio da emblemática e
necessária Serra Gaúcha, no Brasil e se chama Quinta Don Bonifácio Reserva da
casta Tannat, da safra 2007. Nada como a austeridade da harmonização para te
entregar alegria e deleite, a ode ao prazer. E para trazer um pouco de história
e curiosidade, para não perder o costume, falemos um pouco da grande Serra
Gaúcha e um pouco da história dele, do churrasco, tão importante e tradicional
nas tradições gaúchas, argentinas, tendo a Malbec como protagonista e no Uruguai
tendo o Tannat como carro chefe.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo
volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao
Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento
Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e o
reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos
imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma
agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do
Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto,
logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local.
Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos
vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de
vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não
produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de
produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos
Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e
processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.
As origens da Parilla: o famoso churrasco
Não existe referência exata sobre a origem do churrasco, mas
presume-se que a partir do domínio do fogo na pré-história, o homem passou a
assar a carne de caça quando percebeu que o processo a deixava mais macia.
Na América do Sul a primeira grande área de criação de gado
foi o pampa, uma extensa região de pastagem natural que compreende parte do
território do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, além da Argentina e
Uruguai. Foi ali que os vaqueiros, conhecidos como gaúchos tornaram o prato
famoso e típico.
A carne assada era a refeição mais fácil de preparar quando
se passava dias fora de casa, bastando uma estaca de madeira, uma faca afiada,
um bom fogo e sal grosso, ingrediente abundante e que é utilizado também como
complemento alimentar do gado. A partir dali o costume cruzou as regiões e se
tornou um prato nacional, multiplicando-se as formas de preparo, o que gera
entre os adeptos muita discussão sobre o verdadeiro churrasco, como por
exemplo, a utilização de lenha ou carvão, de espeto ou grelha, temperado ou
não, com sal grosso ou refinado, de gado, suíno, aves ou frutos do mar. O
correto é afirmar que não existe fórmula exata, uma vez que cada região desenvolveu
um tipo diferente de carne assada, mas, sem dúvidas, a imagem mais famosa no
Brasil é o churrasco preparado pelos vaqueiros, conhecidos pelo termo latino
gaúcho, que se transformou na denominação dos cidadãos nascidos no estado do
Rio Grande do Sul.
Na Argentina e no Uruguai o churrasco típico é chamado asado,
e é o prato nacional de ambos os países. Tradicionalmente é feito na grelha com
uso de lenha, mas também se usa carvão pela praticidade.
Os gaúchos alimentavam-se, sobretudo de churrasco no pão, que
está na origem do asado rio-platense. Na Argentina o asado tradicional dos
Pampas estendeu-se a toda a população, e hoje, devido á qualidade e ao preço
baixo, é consumido por todas as classes sociais.
Aos finais de semana, as famílias se juntam nos pátios das
casas para desfrutar um asado mais sofisticado que inclui, além de famoso bife,
todo o tipo de achuras – órgãos menores como os rins, intestinos, estômago e
ainda morcelas e vários tipos de embutidos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro com bordas de
cor atijoladas, acastanhadas, mostrando evolução, com lágrimas finas e
abundantes.
No nariz explodem os aromas terciários, um envolvente bouquet
que traduz em complexidade com frutas secas, frutas negras maduras, notas
amadeiradas, couro, tabaco, um toque intrigante de terra molhada, floresta.
Na boca é estruturado, complexo, mas elegante graças aos seus
14 anos de vida, mostrando uma evolução correta e vagarosa, com taninos
presentes, maduros, mas polidos e pelo tempo, o que lhe confere um bom volume
de boca, com acidez vivaz, mas na medida, com as notas amadeiradas em evidência
graças aos seus 16 meses de passagem por barricas de carvalho, com aquele toque
de café, tostado e especiarias doce que o torna ainda mais atraente. Tem um final
curto, de média persistência.
Eu resumiria, mesmo que óbvia em uma palavra esse momento de
degustação: privilégio. Para mim, um humilde enófilo, degustar um rótulo
brasileiro de 2007, com 14 anos de vida e se revelando vivo, pleno na taça não
é todo dia e fazê-lo em um momento de alegria com os seus, de celebração, de
transição de um novo ano sem a preocupação de se cobrar, mas com a alegria de
novos tempos, é de suma importância. Degustar, pela primeira vez, um rótulo de
um produtor, a sua primeira vindima, a sua primeira colheita, também é motivo
de muita alegria e respeito à terra, ao terroir, a cultura daquele povo, é
ímpar. O vinho que degustei e gostei foi a primeira colheita da Don Bonifácio,
uma vinícola jovem, fundada em 2000, mas que respeita as tradições da Serra Gaúcha.
E como está a harmonização com o churrasco? Maravilhoso! Especial! Nunca foi
tão óbvio, nunca foi tão delicioso! Um vinho supreendente, que evoluiu muito
bem e que entregou elegância, delicadeza, mas complexidade e a estrutura ou
melhor a personalidade marcante do Tannat, com a assinatura do produtor
brasileiro que, a cada ano, vem fazendo emblemáticos Tannats para o nosso
deleite! Um viva a 2022 e que o vinho seja a nossa razão de ser! Tem 13,5% de
teor alcoólico.
Sobre a Quinta Don Bonifácio:
A Quinta Don Bonifácio está situada a 800 metros de altitude
em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Todos os produtos são elaborados
através de vinhedos próprios, os quais se encontram localizados em Santa Lúcia
do Piaí, e em São Francisco em Galópolis.
Os vinhedos foram planejados no início do ano de 2000, com o
objetivo de produzir as melhores variedades de uvas da região, com a primeira
colheita em 2007.
A vinícola tem uma estrutura projetada para a elaboração de
vinhos finos e espumantes de excelente qualidade, visando atender consumidores
exigentes e diferenciados.
É uma vinícola que projetou a sua criação na elaboração de
excelentes produtos, no bom atendimento e na satisfação do consumidor.
Mais informações acesse:
https://www.quintadonbonifacio.com.br/site/#home
Referências:
“Cabana Monte Fusco”: http://www.cabanamontefusco.com.br/a-origem-da-parrilla/
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA