Sabe aquele conceito de tradição? Pode parecer meio antiquado
e ortodoxo demais e claro, sempre fui simpático às novidades, sobretudo no
universo do vinho, mas quando falamos de tradição é porque traz confiabilidade,
qualidade, a certeza, pelo menos de acordo com as predileções de cada um, de
que degustaremos um vinho que expresse absolutamente o terroir daquela região e
eu tenho valorizado muito isso nos últimos tempos.
Embora seja pisar em terreno arriscado falar em terroir, um
termo tão complexo ainda mais se tratando de um simplório enófilo como eu, é
notório que, quando temos o mínimo de capacidade de observação e um pouquinho
de “litragem”, conseguimos identificar as características mais marcantes, dada
as especificidades de cada casta e vinho, claro, daquela região, daquele país,
das suas castas emblemáticas, das suas cepas autóctones.
E falando em castas emblemáticas entramos no campo da
tradição. Quando mencionamos a Tempranillo não há como deixar de associá-la a
Espanha. De lá vem os grandes exemplares da casta que tem fácil adaptabilidade
em outros cantos do mundo, como na Argentina, em Portugal, que é chamada de
Tinta Roriz e Aragonez e até mesmo em nossas terras brasileiras.
Mas não podemos deixar da Garnacha! Casta essa capaz de nos
entregar tanta versatilidade, complexidade, porém sendo, ao mesmo tempo, tão
solar, tão divertida, tendo a fruta como protagonista, a fruta vermelha, a
fruta madura.
E não há como não se render aos Garnachas espanhóis! Temos os
exemplares franceses, mas os espanhóis são os melhores talvez pelo fato de ser
tão versátil e gastronômica, ter tanta personalidade. E não se enganem de que
apenas em uma ou outra região você tem ótimos rótulos de casta. Em todas as
regiões a Garnacha reina soberanamente em termos de qualidade e rivaliza em
iguais condições com a Tempranillo, em minha opinião.
Mais uma vez me ponho a sentir novas experiências com a
Garnacha e a tradicional casta uniu-se a tradição de um produtor que ganhou o
mundo em qualidade que é a Família Torres e essa junção foi arrebatadora.
Então sem mais delongas apresento o vinho que degustei e
gostei vindo da região espanhola da Catalunha (DO) que se chama San Valentín
Garnacha da safra 2019. Que vinho! Que vinho!! Tive, em um passado não muito
distante, uma grata experiência com um rótulo dessa linha da Família Torres
chamado San Valentín Tempranillo 2019 e foi igualmente arrebatadora, da região
de Castilla La Mancha, outra área espanhola que tenho me divertido muito em
degustar vinhos.
Contudo antes de falar do vinho contemos a história da região catalã para a produção de vinhos e um pouco da Garnacha, a artista do espetáculo, e também do Santo Valentim que dá nome ao vinho.
Catalunha
A região da Catalunha, no norte da Espanha, é a área vinícola
com maior número de DOs (Denominação de Origem) do país e que foi formalmente
reconhecida em 1999 e também salvaguardar a tradição de produção de vinho na
Catalunha, tão importante há mais de 2.000 anos. Foi criada também com o
propósito específico de fornecer suporte comercial para mais de 200 vinícolas
(bodegas), mas que não foram incluídos em outros DOP's específicos na Catalunha.
Entre as mais importantes encontram-se Costers del Segre,
Montsant e Penedès, além da reputada DOC Priorato, a segunda mais reconhecida
na Espanha. Não tem uma localização geográfica específica, mas é formado por
mais de 40 km² de vinhedos individuais que estão dispersos por toda a Catalunha
e permite a mistura de uvas de outros DOPs, ou seja, cerca de 4.000 hectares de
vinha distribuídos por toda a região. De um modo geral, um clima mediterrâneo
domina com muitas horas de sol, mas sem calor excessivo.
Lar do famoso espumante espanhol Cava, a região da Catalunha possui solos chamados de 'licorella' e apresenta um baixo índice pluviométrico, fazendo com que as videiras apresentem baixa produtividade e as uvas tornem-se muito concentradas. Mais precisamente em Penedès Central, na região espanhola de Sant Saurndí d’Anoia, que ocorre a elaboração do Cava, produzido pelo método tradicional com, no mínimo, nove meses de contato com as leveduras. Diferentes uvas podem integrar a composição do vinho Cava, classificando os exemplares entre os estilos branco ou rosado, que também variam em nível de doçura.
Apesar de utilizarem-se métodos de produção similares, o sabor
encontrado no Cava é diferente do Champagne, principalmente pela distinção das
uvas utilizadas: enquanto um é produzido a partir das uvas Pinot Meunier,
Chardonnay e Pinot Noir, o Cava é elaborado com as castas Parellada, Macabeo e
Xarel-lo.
Já a região do Priorato é conhecida por ter recebido o título máximo de denominação espanhola, elaborando vinhos com castas autóctones cultivadas na Catalunha. Outra região vinícola importante é Montsant, lar de alguns dos melhores e mais renomados produtores da Espanha e a denominação de origem mais nova da Catalunha, regulamentada somente em 2001.
Porém também abrange vinhos brancos, rosés e tintos, bem como
licorosos tradicionais, mistela, vinhos maduros e doces naturais. Em geral, os
vinhos são modernos e inovadores, com uma cor atraente, intensidade aromática
média e acidez moderada. Os brancos são leves e frutados e os tintos são
encorpados e equilibrados. Todos estes vinhos podem ser descobertos e
experimentados durante a “Mostra de Vinhos i Caves de Cataluña” que acontece em
Barcelona em meados de setembro.
Muitos dos vinhos com a Denominação de Origem da Catalunha
são encontrados perto de mosteiros que remontam à Idade Média, como os de
Montserrat, Santes Creus, Poblet ou Sant Pere de Rodes. Isso se deve ao fato de
que em muitos casos os monges eram aqueles que tinham autorizações régias para
produzir vinho. Da mesma forma, os vinhos com esta designação podem ser
descobertos visitando as caves onde foram produzidos.
Garnacha
Garnacha, como é conhecida na Espanha, ou Grenache, na
França, é ainda a Cannonau – típica na ilha da Sardenha, na Itália. Aliás, em
solo italiano, ela ainda recebe outro nome: Tocai Rosso, no Vêneto. Na França,
a Garnacha também pode levar o nome da região que primeiro a recebeu quando
veio da Espanha, Roussillon.
Há quem acredite que o nome Cannonau tenha sido o primeiro
usado para se dirigir à Garnacha, denotando uma possível origem italiana e não
espanhola como se supunha até então. No entanto, as referências tanto a uma quanto
à outra são muito próximas. Além disso, como a Sardenha foi colônia espanhola
de 1479 a 1720 e a primeira menção ao nome Garnacha é de 1513, é de se supor
que haja uma relação próxima.
É uma das mais plantadas em todo o mundo, ocupando cerca de
200.000 hectares, sendo 80% deles localizados na França e Espanha, regiões que
possuem o maior cultivo da cepa. Se adaptando extremamente bem a regiões que
possuam clima quente e seco, a uva Garnacha é utilizada na elaboração de
diferentes tipos de vinhos, sendo encontrada em maravilhosos exemplares de
vinhos tintos, vinhos roses e até mesmo vinhos de sobremesa.
Por possuir altas taxas de açúcar, os vinhos originados a
partir da casta são, na maioria das vezes, exemplares com graduação alcóolica
elevada, motivo pelo qual muitas vezes a uva Garnacha é utilizada em vinhos de
corte.
Apesar da maior parte das vinhas da uva serem encontradas na
França e Espanha, a casta Garnacha é também cultivada nos vinhedos da Itália,
México, Estados Unidos, Austrália e Brasil. Com estrutura bem específica, a
coloração da uva Garnacha é mais clara do que a habitual encontrada em cepas
tintas, além de possuir frutos com pele bem fina.
Os exemplares de vinhos elaborados com a casta Garnacha são
excelentes opções para acompanhar momentos gastronômicos, graças a sua riqueza
de estilo e versatilidade. Os rótulos roses são perfeitos na companhia de
pescados, já os vinhos tintos exaltam a complexidade da uva Garnacha quando
acompanhados de frutos do mar ou legumes grelhados.
São Valentim
Apesar do Brasil celebrar o Dia dos Namorados em junho,
casais apaixonados da Europa e dos Estados Unidos comemoram o amor em 14 de
fevereiro. Por quê? A data está diretamente ligada a São Valentim, o santo do
amor. O bispo São Valentim viveu durante Império Romano, no século 3 – tempo em
que muitas guerras estavam acontecendo.
Apesar do Brasil celebrar o Dia dos Namorados em junho,
casais apaixonados da Europa e dos Estados Unidos comemoram o amor em 14 de
fevereiro. Por quê? A data está diretamente ligada a São Valentim, o santo do
amor. O bispo São Valentim viveu durante Império Romano, no século 3 – tempo em
que muitas guerras estavam acontecendo. Naquela época, o Imperador Cláudio II
proibiu o casamento porque achava que soldados solteiros eram combatentes
melhores.
Mas Valentim realizou muitas uniões clandestinamente. Até que
um dia ele foi descoberto, preso e condenado à morte. Mesmo atrás das grades, o
bispo recebeu cartas e flores de pessoas que acreditavam no amor e queriam
agradecê-lo por realizar seus casamentos. Também foi na prisão que Valentim se
apaixonou por uma mulher, mesmo sabendo que jamais ficariam juntos. A moça era
cega e filha de um dos carcereiros. Reza a lenda que foi Valentim que,
milagrosamente, a fez enxergar novamente.
Antes de sua execução, no dia 14 de fevereiro de 269 d.C., o
bispo escreveu uma carta de despedida à sua amada, terminando o texto com a
frase: “De seu Valentim”. Mais de 200 anos depois, no ano de 496, o Papa
Gelásio declarou Valentim santo, fazendo com que milhões de religiosos
recordassem seus feitos. A data de sua morte foi escolhida pela Igreja como Dia
dos Namorados para incentivar casais que pretendiam se unir em matrimônio.
Na taça revela um vermelho rubi vivo, intenso, mas com
reflexos violáceos reluzentes, brilhantes, com lágrimas finas e em média
intensidade.
No nariz explodem os aromas de frutas vermelhas e negras e se
destacam amora preta, framboesas, cerejas, com notas florais, toques de
especiarias, algo talvez como pimenta e um discreto tostado, embora não passe
por barricas de carvalho.
Na boca é cheio, saboroso, com bom volume de boca, graças aos
4 meses de maturação sobre as suas borras finas entregando personalidade e
média estrutura, porém fácil de degustar, graças ao frutado tão característico
da Garnacha. Tem taninos presentes, mas polidos, baixa acidez e um final
prolongado de retrogosto frutado.
Um autêntico e verdadeiro exemplar da Garnacha e está
personificado neste belíssimo rótulo da Miguel Torres. Os aromas e o palato
trazem a sua essência o que há de mais genuíno na cepa produzida em toda a
Espanha, trazendo o caráter, a gênese de uma das mais populares e emblemáticas
da Espanha. Um exemplo de amor literal a terra, as verdadeiras características
dessa cepa e que foi produzido por Miguel Torres Carbó como um presente de dia
dos namorados para sua esposa, Margarita Riera, em fevereiro de 1956. A flecha
do amor atingiu em cheio o meu humilde coração enófilo. Um vinho altivo,
revigorante, jovem, intenso, as frutas no seu ápice, na plenitude de seu
momento, mostrando taninos vivos e presentes, acidez equilibrada, revelando
frescor. Um vinho de marcante personalidade, mas muito fácil de degustar. Que o
amor pelo vinho transmita prazer e momentos de celebração que somente o vinho
pode proporcionar! Tem 14,5% de teor alcoólico muito bem integrado ao conjunto
do vinho.
A Vinícola Miguel Torres, é uma empresa moderna que está em
constante renovação e expansão e que possui vinícolas nas principais regiões
produtoras da Espanha: Penedès, Priorato, Rioja, Ribera Del Duero, Rueda, Rías
Baixas e Toro. Também possui vinícolas no Chile e nos Estados Unidos
(Califórnia).
No Chile, foi a primeira vinícola europeia a se instalar no
Vale de Curicó no fim da década de 1970 e por isso liderou a modernização
vinícola daquele país. Miguel Torres possui hoje 1.700 hectares de vinhedos na
Cataluña e é a maior vinícola do país, entregando ao mercado 35 milhões de
litros de vinhos por ano, tendo rótulos como Coronas, Gran Coronas, Sangre de
Toro, Viña Sol, um dos mais vendidos e conhecidos. Miguel Agustin Torres, pai
de Miguel Torres Maczasseck, formado em enologia na França, começou a trabalhar
na empresa em 1961 e assumiu definitivamente o lugar do pai, Miguel Torres
Carbó, em 1991.
Representando a quarta geração da família, foi ele quem comandou a ampliação dos negócios na Espanha, há alguns anos, com novas vinhas em Rioja, Ribera del Duero, Rueda e no Priorato, Toro e Jumilla. Além disso, em 1994 comprou a vinícola de Jean Leon, mais em homenagem ao amigo espanhol que fez sucesso com um restaurante em Los Angeles, nos Estados Unidos, com quem mantinha amistosa rivalidade.
Jean Leon foi o primeiro a plantar Cabernet Sauvignon no
Penedés, logo seguido por Miguel Torres. Atualmente, a Miguel Torres emprega
milhares de trabalhadores, possui vinotecas em Shanghai, Barcelona e Santiago,
tem firme atuação nas redes sociais e tem por lema “Cuanto más cuidamos la
tierra, mejor vino conseguimos”. Exporta seus vinhos para mais de 150 países e
tem um objetivo a ser atingido até 2020: reduzir as emissões de CO2 de cada
garrafa produzida a partir de 2008, uma vez que o respeito ao meio ambiente, a
ecologia faz parte da estratégia da vinícola Torres no mundo todo.
Mais informações acesse:
https://www.torres.es/es/inicio
Referências:
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/catalunha
https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/grenache-garnacha
“Catalunya.com”: https://www.catalunya.com/do-catalunya-23-1-43?language=en
“Wikipedia”: https://en.wikipedia.org/wiki/Catalunya_(DO)
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/grenache-garnacha-ou-cannonau-conheca-os-diferentes-nomes-dessa-casta_12604.html
“Revista Galileu”: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2020/02/quem-foi-sao-valentim-o-bispo-inspirou-o-dia-dos-namorados-no-exterior.html
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