Dizem por aí que tudo que é bom merece repetição, merece um
“bis”! Talvez faça sentido, afinal, se é bom, por que não repetir as
experiências? Mas será que no universo do vinho essa afirmação tão carregada de
aceitação é válida?
Quando falamos em repetir um rótulo, independente de safra ou
de novos momentos, pode incorrer no risco famigerado da “zona de conforto” e
seus travestidos males. Nos ancoramos do prazer de degustar aquele rótulo,
aquela casta, aquele produtor, aquela região de que tanto gostamos e nos
tornamos subservientes a eles.
E temos também de levar em consideração a gama, o leque de
opções que temos de rótulos, de castas, de regiões que ainda não degustamos,
não é à toa que chamamos de universo do vinho, porque precisaríamos de várias
vidas para degustar a infinidade de vinhos que temos espalhados pelo mundo.
E devemos, enquanto enófilos, nos permitir garimpar, conhecer
novos rótulos, ter experiências sensoriais que nos arrebata e nos faça
aprender, viajar em generosas taças de vinhos por culturas e histórias que
somente um líquido como o vinho pode proporcionar.
Mas não é pecado (o que é pecado para o vinho?) seguir o
caminho de uma história de um rótulo que, de alguma forma, está marcado na sua
história, por exemplo? Tudo é válido quando se degusta vinho, porque o mais
importante é tê-lo em nossa taça, inundando as nossas vidas de celebração.
E tem um rótulo, em especial, que me marcou, não apenas por
ele, mas pela vinícola que, por muitas vezes, teci elogios pelo apelo
sentimental e importância em minha vida de enófilo, em minha caminhada.
E esse rótulo, atualmente, assumiu contornos de afirmação de
qualidade, de sucesso, no Brasil, seja pelo próprio rótulo, como pela casta e
pela vinícola que vem se afirmando, definitivamente, como uma das melhores do
Brasil e quiçá do mundo: falo da Miolo Wine Group! Falo da Campanha Gaúcha e
também da Tannat.
É notório que a Campanha vem se notabilizando, construindo
sua identidade, apoderando de seu terroir e a Tannat, creio, vem se tornando a
casta mais importante dessa região, junto com a Cabernet Franc e mesmo que
degustando um rótulo que seja um velho conhecido meu, degusta-lo hoje, com esse
atual e favorável cenário, é maravilhoso.
E decidi degusta-lo jovem, cheio de vivacidade, as frutas
gritando ao olfato e paladar, com taninos pronunciados e acidez plena. E não é
que ele continua especial, sobretudo pelo custo X benefício??
Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei veio da
Campanha Gaúcha, do Brasil, e se chama Miolo Tannat Reserva da safra 2020. Estou
animado para falar dele e digo que continua fantástico, mas, para variar
precisamos contar um pouco da história da Campanha Gaúcha.
Campanha Gaúcha
Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí,
forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da
Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani
representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele
estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.
A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela
Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro lado do Rio
Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade
original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia
que ganha novas utilidades.
No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias
ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de
insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a
garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de
vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.
As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e
tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom
clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região
hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura
brasileira.
Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura,
a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram
exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos
no Brasil.
A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha
Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a
vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na
Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.
E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de
vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade
recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto
jornal Correio do Sul de Bagé.
IP Campanha Gaúcha
O ano de 2020 ficará marcado na história dos vinhos da Campanha Gaúcha, como o ano em que a região recebeu a Indicação de Procedência (IP), além, é claro, da excepcional safra. A IP é a comprovação da qualidade da uva que é produzida neste território, que pela combinação de clima, solo, relevo e a cultura local compõe o terroir da Campanha Gaúcha.
O selo, fornecido pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (Inpi), atesta não só qualidade, como também um caráter único do
produto local e que deve impulsionar o desenvolvimento dos negócios relacionados
ao vinho e também ao enoturismo na região.
Segunda maior região produtora de vinhos finos do país,
responsável por 31% da produção nacional, com 1.560 hectares de área plantados
com vinhedos de vitis vinífera e mais de 5,6 milhões de litros vinificados em
2019, a Campanha Gaúcha se estende por uma área de 44.365 km2 no extremo sul do
Brasil, fazendo fronteira com o Uruguai e a Argentina. Hoje existem 18
vinícolas produtoras de vinhos finos em operação na região, sendo que 15 delas
são consideradas pequenas, pois produzem menos de 500 mil litros. Muitos desses
produtores já trabalhavam com agropecuária.
A área da IP Campanha Gaúcha está localizada entre as
coordenadas 29º e 32º de Latitude Sul, sendo contornada pelas regiões da Serra
do Sudeste, Depressão Central e Missões e pelos limites de fronteira com a
Argentina e o Uruguai.
Detalhes da IP:
1- A área geográfica delimitada totaliza 44.365 km2.
2- A área da IP abrange, em todo ou em parte, 14 municípios da
região: Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Candiota, Dom Pedrito, Hulha
Negra, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do
Livramento e Uruguaiana.
3- Para a elaboração dos vinhos, 100% das uvas devem ser
produzidas na área delimitada.
4- Os vinhedos são cultivados em espaldeiras, existindo
limites de produtividade e padrões de maturação das uvas para aumentar a
qualidade dos produtos.
5- Para a elaboração dos vinhos, são autorizadas 36 cultivares
de videira produzidas na região, todas elas de Vitis vinifera.
6- Os vinhos finos tranquilos brancos, rosados e tintos e os
espumantes naturais são os produtos autorizados na IP.
7- Os vinhos varietais são elaborados com no mínimo 85% da
respectiva variedade indicada no vinho varietal.
8- Os vinhos com indicação de safra têm em sua composição no
mínimo 85% da respectiva safra mencionada.
9- Os vinhos devem atender a padrões analíticos específicos da
IP associados à qualidade e devem ser aprovados em avaliação sensorial
realizada às cegas por comissão de degustação.
10- Para poder utilizar o signo distintivo da IP, os vinhos
devem ser produzidos de acordo com o Regulamento de Uso e devem passar pelos
controles que estão sob a gestão do Conselho Regulador da IP, para receber a
atestação de conformidade dos produtos.
11- Os vinhos chegam ao mercado consumidor com a identificação
do nome geográfico - Campanha Gaúcha, mais o qualificativo – Indicação de
Procedência.
E agora finalmente o vinho!
Na taça se desenvolve um lindo vermelho rubi intenso, quase escuro, com traços violáceos, sobretudo em seu entorno. Tem lágrimas finas, lentas e em profusão.
No nariz é extremamente aromático, rico, com destaque para as
frutas vermelhas maduras, tais como amora, framboesa e cereja, com as notas
amadeiradas bem integradas, que aporta um defumado, tabaco, carpete, diria um
mentolado interessante.
Na boca é intenso, de estrutura média, com personalidade
marcante e bom volume de boca, mas é redondo e equilibrado que o torna fácil de
degustar. As notas frutadas se fazem presente como no aspecto olfativo, com a
madeira em evidência, além de toques de tosta média, baunilha. Taninos estão
vivos, presentes, mas elegantes, com boa acidez e final longo de retrogosto
frutado.
É definitivo que a Campanha Gaúcha vem entregando, cada vez
mais e melhor, grandes rótulos da casta Tannat. Digo sem medo que Tannat vem se
tornando uma variedade tinta com grande representatividade em nosso país,
ganhando em tipicidade, ganhando em qualidade, sem aquela estúpida intenção de
outrora de ser o Chile ou copiar os Tannats uruguaios. E o Miolo Tannat Reserva
é o exemplo contundente de que o futuro é promissor e de que o passado teve
suas arestas bem cuidadas, sobretudo com essa linha de rótulos. Ah e quando
falei que essa era a minha segunda experiência com esse rótulo é de que eu já
havia degustado o Miolo Reserva Tannat 2015 e, mesmo que com uma “roupagem”
antiga, já demonstrava todo o seu potencial. Tânico, frutas pretas, acidez
vivaz, encorpado, redondo e equilibrado! Esse é o Miolo Tannat! Tem 13% de teor
alcoólico.
Sobre a Vinícola Miolo:
A paixão pelo mundo fascinante do vinho é facilmente
explicada pela história da família Miolo que, além de trabalhar na
vitivinicultura desde a chegada de Giuseppe no Brasil em 1897, inova ano após
ano. Uma das fundadoras do projeto Wines of Brasil, a Miolo Wine Group é a
maior exportadora de vinhos do Brasil e a mais reconhecida no mercado
internacional. A produção dentre as 4 vinícolas do grupo soma, em média, 10
milhões de litros por ano numa área cultivada de vinhedos próprios com aproximadamente
1.000 hectares.
A Miolo exporta para mais de 30 países de todos os
continentes. É o maior exportador de vinhos finos do Brasil. De 30 hectares em
1989, a Miolo cultiva hoje, 30 safras mais tarde, cerca de 950 hectares de
vinhedos em quatro terroirs brasileiros: Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha),
Seival/Candiota (Campanha Meridional), Almadén/Santana do Livramento (Campanha
Central) e Terranova/Casa Nova (Vale do São Francisco), sendo a única empresa
do setor genuinamente brasileira com atuação em quatro diferentes regiões
produtoras.
Com uma produção anual de cerca de 10 milhões de litros, é a
marca que detém o maior portfólio de rótulos verde amarelos, exibindo centenas
de prêmios conquistados no mundo inteiro. O pioneirismo na elaboração dos
vinhos se estendeu para o enoturismo, onde a marca gera experiência,
aproximando e formando novos apreciadores da bebida. Assim é no Vale dos
Vinhedos com o Wine Garden Miolo, assim é no Vale do São Francisco com o Vapor
do Vinho pelo Velho Chico, onde a Miolo transformou o sertão em vinhedo. Este
mesmo espírito empreendedor que fez da pequena vinícola familiar a maior
produtora de vinhos finos do Brasil em apenas 30 safras, é que move gerações e
aproxima quem sonha de quem quer fazer.
Mais informações acesse:
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA
“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/
“Exame”: https://exame.com/casual/vinhos-da-campanha-gaucha-ganham-indicacao-de-procedencia/
“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/ciclo-de-crescimento-da-uva/
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