Eis que, finalmente, ela me surge por inteiro! Falo de uma
casta que é o símbolo, a personificação de uma região que, tem pouco tempo, que
conheci e que, a cada rótulo, me deixo seduzir: Falo da casta Baga e da
Bairrada!
E quando falo que ela me surge por inteiro é na sua versão
varietal! Em várias experiências ela veio em corte, em blends, igualmente
sedutores em que ela protagonizou e entregou vinhos peculiares, diria
arrebatadores.
São definitivamente vinhos pouco usuais, pouco ortodoxos,
diria difíceis para aqueles que estão adentrando no universo do vinho ou ainda
aqueles que se entregam às zonas de conforto dos vinhos escancaradamente
frutados.
Mesmo que a Baga, em tempos contemporâneos, graças ao enólogo
e vinhateiro Luis Pato, conhecido como aquele que “domou” a Baga, a variedade
é, por si só, extremamente peculiar, diferente, por assim dizer.
Como? Não sei dizer, tecnicamente! Talvez é mais algo mais
orgânico ou pelo menos deveria ser os dois, mas a Baga traz, ainda hoje, algo
de selvagem, de rústico, que a caracterizou nos seus primórdios, traz contornos
de tabaco, de couro, de frutas secas e pretas. Em suma, uma casta pouco usual.
E quem abriu as cortinas, os meus olhos para a Baga, a
Bairrada e o Beira Atlântico, a região coadjuvante, mas não menos importante,
foi a Adega de Cantanhede. A Cantanhede me foi revelada, de uma forma quase
despretensiosa, por um de seus rótulos mais falados e premiados, o Marquês de Marialva Colheita Selecionada. Eu degustei a safra 2014 no ano de 2019! Achei
que estaria “avinagrado”, ruim! Enganei-me! Um senhor vinho! Vivo, pleno aos 5
anos! A Bairrada se revelara para mim com esse rótulo! A Baga se mostrava com a
sua incrível capacidade longeva!
O interesse pelos rótulos desse produtor, pelos vinhos da
Bairrada e do Beira Atlântico foi instantâneo. Para o Beira Atlântico foi um
pulo! E a linha Moinho de Sula me foi apresentada! O Colheita Selecionada
branco, o Reserva Arinto e mais recentemente o Colheita Selecionada tinto
degustado com 6 anos de safra e tendo a Baga predominante.
Então dessa vez a Baga será protagonista e o vinho escolhido
é da “família” Moinho de Sula. E este já está com seus oito anos de vida! Será
que resistiu? Será que está em sua plenitude? A Ansiedade me toma de assalto
nesse momento. O vinho ganha a liberdade com a retirada da rolha, o ritual traz
a textura inicial à degustação.
A taça finalmente é inundada pela poesia líquida e finalmente
o vinho que degustei e gostei veio do Beira Atlântico e se chama Moinho de Sula
Reserva da casta Baga (100%) da safra 2014. E como gostei! Todas as
características da Baga, que conheci, há pouco tempo, estão neste rótulo e
agora figurando solitariamente, mas ricamente.
Então sem mais delongas, antes de tecer maiores e melhores, sem
dúvida, comentários do vinho, contemos um pouco a história da Baga e da região
onde domina: Beira Atlântico.
Baga
A uva Baga, uma das principais uvas nativas de Portugal, é
capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos que compõe. Demonstrando muita
classe e estrutura, a variedade da casta de tintos é única no seu valor e
possui um fantástico potencial de envelhecimento, que atua com o vinho na
garrafa durante anos após sua fabricação.
A uva Baga é uma variedade amplamente utilizada na costa
central de Portugal, na elaboração de ótimos vinhos tintos. Particularmente na
região da Bairrada, a Baga é, sem dúvida, uma das uvas tintas mais cultivadas,
além de ser plantada também no Dão e em Ribatejo. Há quem diga que a casta
nasceu nas terras do Dão, inclusive alguns produtores locais mais tradicionais
defendem essa tese, mas foi nas terras da Bairrada que ganhou reputação, onde
ocupa mais de 90% dos vinhedos.
A Baga é conhecida tradicionalmente pela espessura de sua
pele, em proporção com o tamanho das pequenas bagas que o cacho apresenta. Além
disso, essa variedade é extremamente tânica, podendo ser notado o caráter
adstringente em alguns vinhos.
A Baga é uma uva pequena, com casca grossa, capaz de oferecer
classe e estrutura aos rótulos que compõem, que vão desde os tintos até os
rosés e espumantes. É exatamente o fato do fruto ser pequeno que faz com que os
vinhos da uva Baga tenham taninos em alta concentração e acidez acentuada.
No passado, a Baga era conhecida por ser empregada na
produção de vinhos rústicos, excessivamente ácidos e tânicos e de pouca
concentração. Porém, após a chegada do genial Luís Pato, conhecido como o
“revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta variedade, a casta da uva
Baga foi “domesticada”.
O cultivo da Baga é árduo e trabalhoso, demorando para que o
amadurecimento ocorra. A fruta desenvolve-se melhor quando plantada em solos
argilosos e necessita de uma excelente exposição ao sol durante o processo de
cultivo. Entretanto, após os devidos cuidados e maturação, a Baga produz
preciosos rótulos, podendo envelhecer na garrafa durante anos, garantindo
complexidade e elegância para seus exemplares, além de tornar os vinhos
concentrados, aromáticos e possuidores de uma coloração escura.
Conhecida também como Tinta da Bairrada, Tinta Poeirinha ou
Tinta Fina, a uva Baga atualmente é considerada uma das maiores uvas
portuguesas, com enorme complexidade, estrutura e classe, sendo muito apreciada
no mundo do vinho. A casta Baga dá origem a vinhos portugueses com muita
personalidade, altamente interessantes e únicos.
Beira Atlântico
A produção de vinho na região remonta ao tempo dos romanos,
fazendo disso prova os diversos lagares talhados nas rochas graníticas (lagares
antropomórficos), onde na época o vinho era produzido. Já nos reinados de D.
João I e de D. João III, respectivamente, foram tomadas medidas de proteção
para os vinhos desta área do país, dadas a sua qualidade e importância social e
econômica.
A tradição destes vinhos remonta ao reinado de D. Afonso
Henriques, que autorizou a plantação das vinhas na região, com a condição de
ser dada uma quarta parte do vinho produzido. Estendendo-se desde o Minho ate a
Alta Estremadura, e uma região de agricultura predominantemente intensiva e multicultural,
de pequena propriedade, aonde a vinha ocupa um lugar de destaque e a qualidade
dos seus vinhos justifica o reconhecimento da DOC "Bairrada".
Os solos são de diferentes épocas geológicas, predominando os
terrenos pobres que variam de arenosos a argilosos, encontrando-se também, com
frequência, franco-arenosos. A vinha e cultivada predominantemente em solos de
natureza argilosa e argilo-calcaria. Os Invernos são longos e frescos e os
Verões quentes, amenizados por ventos de Oeste e de Noroeste, que com maior
frequenta e intensidade se faz sentir nas regiões mais próximas do mar.
A região da Bairrada situa-se entre Agueda e Coimbra,
delimitada a Norte pelo rio Vouga, a Sul pelo rio Mondego, a Leste pelas serras
do Caramulo e Bucaco e a Oeste pelo oceano Atlântico. E uma região de orografia
maioritariamente plana, com vinhas que raramente ultrapassam os 120 metros de
altitude, que, devido a sua planura e a proximidade do oceano, goza de um clima
temperado por uma fortíssima influencia atlântica, com chuvas abundantes e
temperaturas médias comedidas. Os solos dividem-se preponderantemente entre os
terrenos argilo-calcários e as longas faixas arenosas, consagrando estilos bem
diversos consoantes à predominância de cada elemento.
Integrada numa faixa litoral submetida a uma fortíssima
densidade populacional, a propriedade rural encontra-se dividida em milhares de
pequenas parcelas, com dimensões medias de exploração que raramente ultrapassam
um hectare de vinha, favorecendo a presença de grandes adegas cooperativas e de
grandes empresas vinificadoras, a par de um conjunto de produtores
engarrafadores que muito dignificam a região.
As fronteiras oficiais da Bairrada foram estabelecidas em
1867, por Antônio Augusto de Aguiar, tendo sido das primeiras regiões nacionais
a adoptar e a explorar os vinhos espumantes, uma vez que na região, o clima
fresco, úmido e de forte ascendência marítima favorece a sua elaboração,
oferecendo uvas de baixa graduação alcoólica e acidez elevada, condição indispensável
para a elaboração dos vinhos espumantes.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho granada intenso e límpido, típico
da casta e talvez pelos seus oito anos de safra, com lágrimas finas, lentas e
abundantes.
No nariz traz ainda, apesar do tempo de safra, um
considerável aroma de frutas vermelhas e pretas bem maduras em perfeita
sinergia com as notas amadeiradas, graças aos nove meses de passagem por
barricas de carvalho, com toques de especiarias, diria um herbáceo, além de
leve tosta e defumado.
Na boca apresenta um corpo médio, com um bom volume de boca e
complexidade, mas elegante, redondo, equilibrado. A fruta madura protagoniza,
como no aspecto olfativo, bem como o amadeirado, que ainda entrega o chocolate,
a baunilha. Percebem-se também especiarias doces, terra molhada e tabaco. Tem
taninos macios e uma incrível acidez. Final longo e cheio.
A experiência foi incrível! A Baga de fato traz
personalidade! Essa é a palavra! E o vinho está no auge, no ápice com os seus
oito anos de vida. A plenitude de uma casta retratada com as suas mais fiéis
características e mesmo com a sua domesticação, se mostrou rústica, corpo
médio, estrutura marcante, mas macio, elegante como bom vinho de oito anos de
vida. Que a Baga se revele para todos dignos dela! Que a Baga se revele para
mim sempre que eu merecer! O seu apelo regional merece o mundo! Tem 13,5% de
teor alcoólico.
Curiosidades sobre o nome “Moinho de Sula”:
O Campo Militar da Batalha do Bussaco distribuiu-se por uma
extensa zona da Serra do Bussaco e duas áreas, correspondentes a dois locais de
combate distintos: o Campo de Santo António do Cântaro, situado abaixo da
cumeada da Serra; o Campo de Moura/Sula, que inclui os moinhos com o mesmo
nome, o Obelisco comemorativo da Batalha, erigido em 1873; e a Capela da
Vitória, originalmente das Almas, que serviu de enfermaria de campanha às
tropas da batalha.
Localizado na freguesia de Trezoi, no alto da Serra do
Bussaco, o moinho de Sula foi construído entre os séculos XVII e XVIII. Com uma
vista privilegiada sobre o vale de Mortágua, este lugar emblemático do Bussaco
serviu de posto de comando ao general Robert Craufurd, comandante das tropas
luso-britânicas que defendiam o flanco norte da Serra, em 1810.
A cerca de 2 km do moinho de Sula, encontra-se o Moinho da
Moura, moinho que foi albergue do posto de comando do Marechal André Massena,
comandante em chefe das forças francesas, na Batalha do Bussaco, travada a 27
de setembro de 1810.
Um agradecimento especial e carinhoso à Adega de Cantanhede
por gentilmente ceder o subsídio histórico de Moinho de Sula que entregue seu
nome ao vinho que degustei e gostei.
Sobre a Adega de Cantanhede:
Fundada em 1954 por um conjunto de 100 viticultores, a Adega
de Cantanhede conta hoje com 500 viticultores associados ativos e uma produção
anual de 6 a 7 milhões de quilos de uva, constituindo-se como o principal
produtor da Região Demarcada da Bairrada, representando cerca de 40% da
produção global da região. Hoje certifica cerca de 80% da sua produção, sendo
líder destacado nas vendas de vinhos DOC Bairrada DOC e Beira Atlântico IGP.
Reconhecendo a enorme competitividade existente no mercado
nacional e internacional, a evolução qualitativa dos seus vinhos é o resultado
da mais moderna tecnologia, com foco na qualidade e segurança alimentar (Adega
Certificada pela norma ISO 9001:2015, e mais recentemente pela IFS Food 6.1.),
mas também da promoção das castas Portuguesas, que sempre guiou a sua
estratégia, particularmente das variedades tradicionais da Bairrada – Baga,
Bical e Maria Gomes – mas também de outras castas
Portuguesas que encontram na Bairrada um Terroir de eleição,
como sejam a Touriga Nacional, Aragonez e Arinto, pois acredita que no
inequívoco potencial de diferenciação e singularidade que este património
confere aos seus vinhos.
O seu portfólio inclui uma ampla gama de produtos. Em tinto,
branco e rose os seus vinhos vão desde os vinhos de mesa até vinhos Premium a
que acresce uma vasta gama de espumantes produzidos exclusivamente pelo Método
Clássico, bem como Aguardentes e Vinhos Fortificados. É um portfólio que,
graças à sua diversidade e versatilidade, é capaz de atender a diferentes
segmentos de mercado, com diferentes graus de exigência em qualidade, que resulta
na presença dos seus produtos em mais de 20 mercados.
A sua notoriedade enquanto produtor, bem como dos seus vinhos
e das suas marcas, vem sendo confirmada e sustentadamente reforçada pelos
prémios que vem acumulando no seu palmarés, o que resulta em mais de 750
distinções atribuídas nos mais prestigiados concursos nacionais e
internacionais, com destaque para Mundus Vini – Alemanha, Concours Mondial de
Bruxelles, Selections Mondiales du Vins - Canada, Effervescents du Monde –
França, Berliner Wein Trophy – Alemanha e Japan Wine Challenge, sendo por
diversas ocasiões o único produtor da Bairrada com vinhos premiados nesses
concursos e, por isso, hoje um dos mais galardoados produtores da região. Em
2015 integrou o TOP 100 dos Melhores Produtores Mundiais, pela WAWWJ –
Associação Mundial dos Jornalistas e Críticos de Vinho e Bebidas Espirituosas.
Nos últimos 8 anos foi eleita “Melhor Adega Cooperativa” em Portugal por 3
vezes pela imprensa especializada.
Mais informações acesse:
Referências:
“Divinho”: https://www.divinho.com.br/uva/baga/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/baga
“Vinci”: https://www.vinci.com.br/c/tipo-de-uva/baga
“Winepedia”: https://www.wine.com.br/winepedia/sommelier-wine/serie-uvas-baga/
“Região de Coimbra”: https://visitregiaodecoimbra.pt/cultura-e-patrimonio/roteiros-de-3-dias/terras-ferteis-de-ilustres-guerras/mortagua/moinho-de-sula/#
“Soulwines”: https://www.soulwines.com.br/uvas-de-vinhos/baga
“IVV”: https://www.ivv.gov.pt/np4/503/
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