quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Encosta do Forte Special Selection 2019

 

Com o vinho nos permitimos viajar para quaisquer lugares sem se quer sair do lugar! Embora seja uma frase meio clichê, piegas mesmo, a realidade se materializa quando nos colocamos a pesquisar o vinho que degustamos! Detalhes vão surgindo, que se complementam e a cada passo que damos uma teia de temas explodem diante dos seus olhos.

E já que estou falando de frases clichês, preciso completar com outra frase que, a cada resenha que construo, também está se adequando a pieguice: O universo do vinho é vasto e inexplorado. A cada rótulo degustado essa sensação se torna evidente!

E já que estou falando em viagens eu não posso negligenciar Portugal e suas regiões tão particulares e singulares apesar de tão pequeno, geograficamente falando e uma região, em especial, vem me acalentando a cada dia ou melhor, a cada rótulo degustado: Lisboa.

A capital do país também abriga uma gama de modernidade, não só sob o aspecto cosmopolita, mas também na concepção de seus vinhos. Arrojados, contemporâneos, mas que respeita o seu terroir, a identidade cultural de um povo e as mais íntimas características da sua terra. Poucos fazem isso como Portugal: aliar tradição e modernidade com equilíbrio.

E Lisboa sintetiza isso! Traz a história do terroir, mas absorve o novo e o novo vem da terra. O que quero dizer com isso? No vinho que degustarei hoje trará, em seu blend, castas francesas em sua profusão, a predominância é da Syrah, variedade que encontrou o seu lugar em Lisboa e a rainha das uvas tintas: a Cabernet Sauvignon, além da casta “exportação” de Portugal: a Touriga Nacional.

Não precisa dizer o quão animado estou para degustar esse vinho! E como, no início desse texto, eu mencionei a importância de se conhecer a região do vinho que estamos degustando esse rótulo traz uma novidade: O vinho é oriundo de uma região chamada Arruda dos Vinhos ou Vale Encantado. Tem sido espetacular ter a noção da sub-região arraigada no vinho que degustamos, pois, além de fomentar a busca pelo saber da região em si, traz aquele apelo regionalista.

Claro que vamos tecer, com requinte de detalhes, a história da região, de Lisboa e tudo o mais, mas antes preciso apresentar o vinho que degustei e gostei. Veio claro, de Lisboa e se chama Encosta do Forte Special Selection composto pelo blend Syrah (42%), Touriga Nacional (35%) e Cabernet Sauvignon (23%) da safra 2019. O Quinta São Sebastião, produtor do vinho, é uma novidade para mim, o primeiro que degustei, o Janela Branca Special Selection 2020, também surpreendeu pela qualidade e pelo conteúdo histórico.

Lisboa

A costa de Portugal é muito privilegiada para a produção vitivinícola graças à sua posição em relação ao Oceano Atlântico, à incidência de ventos, ao solo e ao relevo que constituem o local. Entre as principais áreas produtoras podemos citar a região dos vinhos de Lisboa, antigamente conhecida como Estremadura, famosa tanto por tintos encorpados como por brancos leves e aromáticos.

Tem mais de 30 hectares de cultivo com mais de 9 mil aptas à produção de Vinho Regional de Lisboa e Vinho com Denominação de Origem Controlada. O nome passou em 2009 para Lisboa de forma a diferenciar da região de mesmo nome na Espanha, também produtora de vinhos.

O litoral da IGP Lisboa corre para o sul de Beiras a partir da capital de Portugal, onde o rio Tejo encontra o Oceano Atlântico. Suas características geográficas proporcionam certa complexidade à região, pois está situada climaticamente em zona de transição dos ventos úmidos e estios, com solo de idades variadas, secos, encostas e maciços montanhosos se contrapõem a várzeas e terras de aluvião.

Ainda sofre influência direta da capital do país localizada em um extremo da região. Uma de suas características determinantes é a grande variedade de solos, como terras de aluvião (sedimentar), calcário secundário, várzeas e maciços montanhosos, muitas vezes misturados. Cada um desses terrenos pode proporcionar às uvas características completamente diferentes.

Lisboa

Esta região possui boas condições para produzir vinhos de qualidade, todavia há cerca de quinze anos atrás a região de Lisboa era essencialmente conhecida por produzir vinho em elevada quantidade e de pouca qualidade. Assim, iniciou-se um processo de reestruturação nas vinhas e adegas. Provavelmente a reestruturação mais importante realizou-se nas vinhas, uma vez que as novas castas plantadas foram escolhidas em função da sua produção em qualidade e não em quantidade. Hoje, os vinhos da Região de Lisboa são conhecidos pela sua boa relação qualidade/preço.

A região concentrou-se na plantação das mais nobres castas portuguesas e estrangeiras e em 1993 foi criada a categoria “Vinho Regional da Estremadura”, hoje "Vinho Regional Lisboa". A nova categoria incentivou os produtores a estudar as potencialidades de diferentes castas e, neste momento, a maior parte dos vinhos produzidos na região de Lisboa são regionais (a lei de vinhos DOC é muito restritiva na utilização de castas).

Entre as principais uvas cultivadas podemos citar as brancas Arinto, Fernão Pires (ambos naturais de Portugal) e Malvasia, e as tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Touriga Nacional e Aragonez (como é chamada a Tempranillo na região).

Acredita-se que a elaboração de vinhos seja uma atividade desde o século 12, quando os monges da Ordem de Cister se estabeleceram na região. Uma de suas principais funções era justamente a produção da bebida para a celebração de missas.

A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa), Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).

A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa), Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).

As regiões de Colares, Carcavelos e Bucelas outrora muito importantes, hoje têm praticamente um interesse histórico. A proximidade da capital e a necessidade de urbanizar terrenos quase levou à extinção das vinhas nestas Denominações de Origem.

A Denominação de Origem de Bucelas apenas produz vinhos brancos e foi demarcada em 1911. Os seus vinhos, essencialmente elaborados a partir da casta Arinto, foram muito apreciados no estrangeiro, especialmente pela corte inglesa. Os vinhos brancos de Bucelas apresentam acidez equilibrada, aromas florais e são capazes de conservar as suas qualidades durante anos.

Colares é uma Denominação de Origem que se situa na zona sul da região de Lisboa. É muito próxima do mar e as suas vinhas são instaladas em solos calcários ou assentes em areia. Os vinhos são essencialmente elaborados a partir da casta Ramisco, todavia a produção desta região raramente atinge as 10 mil garrafas.

A zona central da região de Lisboa (Óbidos, Arruda, Torres Vedras e Alenquer) recebeu a maioria dos investimentos na região: procedeu-se à modernização das vinhas e apostou-se na plantação de novas castas. Hoje em dia, os melhores vinhos DOC desta zona provêm de castas tintas como por exemplo, a casta Castelão, a Aragonez (Tinta Roriz), a Touriga Nacional, a Tinta Miúda e a Trincadeira que por vezes são lotadas com a Alicante Bouschet, a Touriga Franca, a Cabernet Sauvignon e a Syrah, entre outras. Os vinhos brancos são normalmente elaborados com as castas Arinto, Fernão Pires, Seara-Nova e Vital, apesar da Chardonnay também ser cultivada em algumas zonas.

A região de Alenquer produz alguns dos mais prestigiados vinhos DOC da região de Lisboa (tintos e brancos). Nesta zona as vinhas são protegidas dos ventos atlânticos, favorecendo a maturação das uvas e a produção de vinhos mais concentrados. Noutras zonas da região de Lisboa, os vinhos tintos são aromáticos, elegantes, ricos em taninos e capazes de envelhecer alguns anos em garrafa. Os vinhos brancos caracterizam-se pela sua frescura e carácter citrino.

A maior Denominação de Origem da região, Encostas d’Aire, foi a última a sofrer as consequências da modernização. Apostou-se na plantação de novas castas como a Baga ou Castelão e castas brancas como Arinto, Malvasia, Fernão Pires, que partilham as terras com outras castas portuguesas e internacionais, como por exemplo, a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Aragonez, Touriga Nacional ou Trincadeira. O perfil dos vinhos começou a alterar-se: ganharam mais cor, corpo e intensidade.

Arruda dos Vinhos: Vale Encantado

Vila e sede de concelho, Arruda dos Vinhos é centro de uma importante região vinícola do Oeste português, a uma curta distância de 36 quilómetros da cidade de Lisboa. Não sendo certa a origem da povoação, tem-se registo de eventos por lá ocorridos à data da fundação de Portugal, por conquista aos mouros, tendo, no rescaldo, sido alicerçada uma extensão da Ordem de Santiago.

Arruda dos Vinhos

Em Arruda, encontra-se uma harmonia perfeita entre o passado e o presente, num equilíbrio urbano e rural, com monumentos centenários, como o portal manuelino da Igreja Matriz, o Chafariz Pombalino, datado de 1789, ou parte das obras militares que integram as Linhas Defensivas de Torres, de mãos dadas com uma malha urbana moderna, profundamente alargada desde a década de 1980 até ao presente, de zonas industriais não poluentes e de última geração, como centros de investigação na área farmacêutica ou vitivinícola.

Uma vila historicamente rica, com um elevado espírito de comunidade e de pertença, onde mais de 15.000 habitantes chamam casa, Arruda dos Vinhos, também conhecido como o “vale encantado” continua a explorar o seu potencial nas mais variadas vertentes agrícolas, industriais, educativas e culturais.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi de tonalidade escura, quase profunda, com algum brilho e lágrimas densas, grossas, lentas e em profusão denunciando a sua graduação alcoólica alta.

No nariz não é tão intenso, aromaticamente falando, mas notam-se as frutas vermelhas maduras, mas com algum frescor, com toques de especiarias, algo de couro e tabaco e um fundo herbáceo.

Na boca é extremamente saboroso, de leve para média estrutura, graças também ao seu bom volume de boca, um vinho cheio, por ser alcoólico, mas sem agredir, com as notas frutadas em evidência com chocolate e baunilha bem discreto, provavelmente pelo pequeno parcial do vinho ter passado por 12 meses em barricas de carvalho, com taninos envolventes, presentes, porém equilibrados, acidez média e um final persistente.

História, tradição, contemporaneidade, uma mistura, uma mescla que harmoniza bem em um vinho lisboeta, com pequenos pedaços de chão que expressam o terroir dessa região, a tipicidade em estado de graça. As castas que dão origem a este vinho vêm precisamente da encosta onde também se situa o Forte de São Sebastião ou Forte do Cego, daí a origem do nome do vinho. E falando do nome do vinho, no rótulo aparece a foto de um cão. Tentei buscar, em minhas pesquisas, referências sobre essa ligação, da região com o animal e infelizmente quase nada encontrei, mas o pouco localizado dá conta de que a região tem muito cachorro, tornando-se, além, claro, da vitivinicultura, um símbolo de Arruda dos Vinhos. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Quinta de São Sebastião:

O símbolo heráldico que inspira o cunho da Quinta de S. Sebastião, conta a história de um mártir e Santo Cristão, que acreditou em poder demover o Império Romano da perseguição aos cristãos.

Nascido em Roma e valente guerreiro, Sebastião ingressa no exército romano e chega ao comando da guarda pessoal do imperador – a Guarda Pretoriana. A sua conduta branda para com os prisioneiros cristãos, levou o imperador a julga-lo como traidor. Depois de executado por meio de flechas foi abandonado pelos soldados, para que sangrasse até a morte amarrado a uma árvore. 

À noite uma crente cristã, retirou o corpo de Sebastião para dar-lhe sepultura, ao perceber que este ainda estava vivo, deu-lhe abrigo e cuidados até estar restabelecido. Já recuperado, Sebastião quis continuar seu processo de evangelização e com valentia apresentou-se de novo ao imperador, censurando-o e pedindo-lhe que parasse com as injustiças cometidas contra os cristãos.

Diocleciano ordenou que fosse espancado até a morte e lançado no esgoto público impedindo que o corpo fosse venerado. Mas o corpo Sebastião acabou por ser resgatado e sepultado secretamente por crentes cristãos.

Anos mais tarde, os seus restos mortais foram solenemente transportados para a basílica onde se encontra até hoje. Nessa altura, a terrível peste que assolava Roma simplesmente desapareceu no momento da transladação. S. Sebastião passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste, fome e guerra.

Esta crença alimentava a fé das gentes desta terra, que a acreditavam abençoada e protegida. As romarias, agradecendo a fertilidade da terra e o milagre de ter sido poupada das Pestes que assolaram o País, são testemunho deste fato. A história de S. Sebastião inspirou o espírito lutador e convicto das gentes desta terra, que do vinho faziam e fazem vida. É esta a herança da Quinta de S. Sebastião, a crença e a paixão que os tempos alimentaram de saber e rigor para contar uma nova história.

Hoje, a vida na quinta ainda reserva as tradições, os ritmos e as rotinas que as vinhas ditam. E acreditar na produção de vinhos de excelência não é só uma crença é uma vontade firmada de capacidade, conhecimento e ambição de vida.

A conjugação dos fatores climáticos amenos, dos declives soalheiros, da localização geográfica, da proximidade do mar, da proteção da montanha, e claro das pessoas que todos os dias vivem e cuidam das terras e vinhas da Quinta de São Sebastião, dão corpo ao renascer de vinhos com uma frescura característica e uma identidade muito própria

Os Vales de diferentes exposições solares e distintos declives de terras férteis, a influência do ar marítimo apaziguado pelas montanhas e a presença de cursos de água, criam um microclima equilibrado, perfeito para a produção do que de melhor se faz em Portugal. Formados por calcários, margas, argolas e arenitos, os solos podem considerar-se produtivos, em quase toda a área do conselho Arruda dos Vinhos.

A Quinta de São Sebastião apresenta um terroir ideal que garante a qualidade das mais variadas castas e se, aos fatores naturais, juntando o carinho e o respeito no cuidado que é dado, obtendo os frutos perfeitos que abrem as portas à criação de vinhos exclusivos, servindo os mais exigentes e rigorosos critérios de seleção.

Por isso, para os tintos, as escolhas da fruta recaíram sobre um conjunto de castas nacionais e estrangeiras, as tintas francesas Syrah e Merlot e as portuguesas Touriga Nacional e Tinta Roriz (Aragonês). Nas brancas a opção foi para as variedades nacionais Arinto e Cercial. Embora em 2007 a primeira vindima não tenha respondido às exigências, já em 2008 o resultado foi o renascer de vinhos com uma forte identidade.

Mais informações acesse:

https://quintassebastiao.com/

Referências:

“Blog Divvino”: https://www.divvino.com.br/blog/vinho-lisboa/

“Olhar Turístico”: https://www.olharturistico.com.br/regiao-dos-vinhos-de-lisboa/

“Belle Cave”: https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-lisboa-saiba-mais-sobre-essa-regiao-produtora

“Infovini”: http://www.infovini.com/pagina.php?codNode=3901

“Freguesia de Arruda dos Vinhos”: https://www.jf-arruda.pt/freguesia/historia#:~:text=Uma%20vila%20historicamente%20rica%2C%20com,%2C%20industriais%2C%20educativas%20e%20culturais.

 

 

 

 










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