Com o vinho nos permitimos viajar para quaisquer lugares sem
se quer sair do lugar! Embora seja uma frase meio clichê, piegas mesmo, a
realidade se materializa quando nos colocamos a pesquisar o vinho que
degustamos! Detalhes vão surgindo, que se complementam e a cada passo que damos
uma teia de temas explodem diante dos seus olhos.
E já que estou falando de frases clichês, preciso completar
com outra frase que, a cada resenha que construo, também está se adequando a
pieguice: O universo do vinho é vasto e inexplorado. A cada rótulo degustado
essa sensação se torna evidente!
E já que estou falando em viagens eu não posso negligenciar
Portugal e suas regiões tão particulares e singulares apesar de tão pequeno,
geograficamente falando e uma região, em especial, vem me acalentando a cada
dia ou melhor, a cada rótulo degustado: Lisboa.
A capital do país também abriga uma gama de modernidade, não
só sob o aspecto cosmopolita, mas também na concepção de seus vinhos.
Arrojados, contemporâneos, mas que respeita o seu terroir, a identidade
cultural de um povo e as mais íntimas características da sua terra. Poucos
fazem isso como Portugal: aliar tradição e modernidade com equilíbrio.
E Lisboa sintetiza isso! Traz a história do terroir, mas
absorve o novo e o novo vem da terra. O que quero dizer com isso? No vinho que
degustarei hoje trará, em seu blend, castas francesas em sua profusão, a
predominância é da Syrah, variedade que encontrou o seu lugar em Lisboa e a
rainha das uvas tintas: a Cabernet Sauvignon, além da casta “exportação” de
Portugal: a Touriga Nacional.
Não precisa dizer o quão animado estou para degustar esse
vinho! E como, no início desse texto, eu mencionei a importância de se conhecer
a região do vinho que estamos degustando esse rótulo traz uma novidade: O vinho
é oriundo de uma região chamada Arruda dos Vinhos ou Vale Encantado. Tem sido
espetacular ter a noção da sub-região arraigada no vinho que degustamos, pois,
além de fomentar a busca pelo saber da região em si, traz aquele apelo regionalista.
Claro que vamos tecer, com requinte de detalhes, a história
da região, de Lisboa e tudo o mais, mas antes preciso apresentar o vinho que
degustei e gostei. Veio claro, de Lisboa e se chama Encosta do Forte Special
Selection composto pelo blend Syrah (42%), Touriga Nacional (35%) e Cabernet
Sauvignon (23%) da safra 2019. O Quinta São Sebastião, produtor do vinho, é uma
novidade para mim, o primeiro que degustei, o Janela Branca Special Selection 2020, também surpreendeu pela qualidade e pelo conteúdo histórico.
Lisboa
A costa de Portugal é muito privilegiada para a produção vitivinícola graças à sua posição em relação ao Oceano Atlântico, à incidência de ventos, ao solo e ao relevo que constituem o local. Entre as principais áreas produtoras podemos citar a região dos vinhos de Lisboa, antigamente conhecida como Estremadura, famosa tanto por tintos encorpados como por brancos leves e aromáticos.
Tem mais de 30 hectares de cultivo com mais de 9 mil aptas à
produção de Vinho Regional de Lisboa e Vinho com Denominação de Origem
Controlada. O nome passou em 2009 para Lisboa de forma a diferenciar da região
de mesmo nome na Espanha, também produtora de vinhos.
O litoral da IGP Lisboa corre para o sul de Beiras a partir
da capital de Portugal, onde o rio Tejo encontra o Oceano Atlântico. Suas
características geográficas proporcionam certa complexidade à região, pois está
situada climaticamente em zona de transição dos ventos úmidos e estios, com
solo de idades variadas, secos, encostas e maciços montanhosos se contrapõem a
várzeas e terras de aluvião.
Ainda sofre influência direta da capital do país localizada
em um extremo da região. Uma de suas características determinantes é a grande
variedade de solos, como terras de aluvião (sedimentar), calcário secundário,
várzeas e maciços montanhosos, muitas vezes misturados. Cada um desses terrenos
pode proporcionar às uvas características completamente diferentes.
Esta região possui boas condições para produzir vinhos de
qualidade, todavia há cerca de quinze anos atrás a região de Lisboa era
essencialmente conhecida por produzir vinho em elevada quantidade e de pouca
qualidade. Assim, iniciou-se um processo de reestruturação nas vinhas e adegas.
Provavelmente a reestruturação mais importante realizou-se nas vinhas, uma vez
que as novas castas plantadas foram escolhidas em função da sua produção em
qualidade e não em quantidade. Hoje, os vinhos da Região de Lisboa são
conhecidos pela sua boa relação qualidade/preço.
A região concentrou-se na plantação das mais nobres castas
portuguesas e estrangeiras e em 1993 foi criada a categoria “Vinho Regional da
Estremadura”, hoje "Vinho Regional Lisboa". A nova categoria
incentivou os produtores a estudar as potencialidades de diferentes castas e,
neste momento, a maior parte dos vinhos produzidos na região de Lisboa são
regionais (a lei de vinhos DOC é muito restritiva na utilização de castas).
Entre as principais uvas cultivadas podemos citar as brancas
Arinto, Fernão Pires (ambos naturais de Portugal) e Malvasia, e as tintas,
Alicante Bouschet, Castelão, Touriga Nacional e Aragonez (como é chamada a
Tempranillo na região).
Acredita-se que a elaboração de vinhos seja uma atividade
desde o século 12, quando os monges da Ordem de Cister se estabeleceram na
região. Uma de suas principais funções era justamente a produção da bebida para
a celebração de missas.
A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de
Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa),
Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e
Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).
A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de
Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa),
Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e
Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).
As regiões de Colares, Carcavelos e Bucelas outrora muito
importantes, hoje têm praticamente um interesse histórico. A proximidade da
capital e a necessidade de urbanizar terrenos quase levou à extinção das vinhas
nestas Denominações de Origem.
A Denominação de Origem de Bucelas apenas produz vinhos
brancos e foi demarcada em 1911. Os seus vinhos, essencialmente elaborados a
partir da casta Arinto, foram muito apreciados no estrangeiro, especialmente
pela corte inglesa. Os vinhos brancos de Bucelas apresentam acidez equilibrada,
aromas florais e são capazes de conservar as suas qualidades durante anos.
Colares é uma Denominação de Origem que se situa na zona sul
da região de Lisboa. É muito próxima do mar e as suas vinhas são instaladas em
solos calcários ou assentes em areia. Os vinhos são essencialmente elaborados a
partir da casta Ramisco, todavia a produção desta região raramente atinge as 10
mil garrafas.
A zona central da região de Lisboa (Óbidos, Arruda, Torres
Vedras e Alenquer) recebeu a maioria dos investimentos na região: procedeu-se à
modernização das vinhas e apostou-se na plantação de novas castas. Hoje em dia,
os melhores vinhos DOC desta zona provêm de castas tintas como por exemplo, a
casta Castelão, a Aragonez (Tinta Roriz), a Touriga Nacional, a Tinta Miúda e a
Trincadeira que por vezes são lotadas com a Alicante Bouschet, a Touriga
Franca, a Cabernet Sauvignon e a Syrah, entre outras. Os vinhos brancos são
normalmente elaborados com as castas Arinto, Fernão Pires, Seara-Nova e Vital,
apesar da Chardonnay também ser cultivada em algumas zonas.
A região de Alenquer produz alguns dos mais prestigiados
vinhos DOC da região de Lisboa (tintos e brancos). Nesta zona as vinhas são
protegidas dos ventos atlânticos, favorecendo a maturação das uvas e a produção
de vinhos mais concentrados. Noutras zonas da região de Lisboa, os vinhos
tintos são aromáticos, elegantes, ricos em taninos e capazes de envelhecer
alguns anos em garrafa. Os vinhos brancos caracterizam-se pela sua frescura e
carácter citrino.
A maior Denominação de Origem da região, Encostas d’Aire, foi
a última a sofrer as consequências da modernização. Apostou-se na plantação de
novas castas como a Baga ou Castelão e castas brancas como Arinto, Malvasia,
Fernão Pires, que partilham as terras com outras castas portuguesas e
internacionais, como por exemplo, a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Aragonez,
Touriga Nacional ou Trincadeira. O perfil dos vinhos começou a alterar-se:
ganharam mais cor, corpo e intensidade.
Arruda dos Vinhos: Vale Encantado
Vila e sede de concelho, Arruda dos Vinhos é centro de uma
importante região vinícola do Oeste português, a uma curta distância de 36
quilómetros da cidade de Lisboa. Não sendo certa a origem da povoação, tem-se
registo de eventos por lá ocorridos à data da fundação de Portugal, por
conquista aos mouros, tendo, no rescaldo, sido alicerçada uma extensão da Ordem
de Santiago.
Em Arruda, encontra-se uma harmonia perfeita entre o passado
e o presente, num equilíbrio urbano e rural, com monumentos centenários, como o
portal manuelino da Igreja Matriz, o Chafariz Pombalino, datado de 1789, ou
parte das obras militares que integram as Linhas Defensivas de Torres, de mãos
dadas com uma malha urbana moderna, profundamente alargada desde a década de 1980
até ao presente, de zonas industriais não poluentes e de última geração, como
centros de investigação na área farmacêutica ou vitivinícola.
Uma vila historicamente rica, com um elevado espírito de
comunidade e de pertença, onde mais de 15.000 habitantes chamam casa, Arruda
dos Vinhos, também conhecido como o “vale encantado” continua a explorar o seu
potencial nas mais variadas vertentes agrícolas, industriais, educativas e
culturais.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi de tonalidade escura,
quase profunda, com algum brilho e lágrimas densas, grossas, lentas e em
profusão denunciando a sua graduação alcoólica alta.
No nariz não é tão intenso, aromaticamente falando, mas notam-se
as frutas vermelhas maduras, mas com algum frescor, com toques de especiarias,
algo de couro e tabaco e um fundo herbáceo.
Na boca é extremamente saboroso, de leve para média
estrutura, graças também ao seu bom volume de boca, um vinho cheio, por ser
alcoólico, mas sem agredir, com as notas frutadas em evidência com chocolate e
baunilha bem discreto, provavelmente pelo pequeno parcial do vinho ter passado
por 12 meses em barricas de carvalho, com taninos envolventes, presentes, porém
equilibrados, acidez média e um final persistente.
História, tradição, contemporaneidade, uma mistura, uma
mescla que harmoniza bem em um vinho lisboeta, com pequenos pedaços de chão que
expressam o terroir dessa região, a tipicidade em estado de graça. As castas
que dão origem a este vinho vêm precisamente da encosta onde também se situa o
Forte de São Sebastião ou Forte do Cego, daí a origem do nome do vinho. E
falando do nome do vinho, no rótulo aparece a foto de um cão. Tentei buscar, em
minhas pesquisas, referências sobre essa ligação, da região com o animal e
infelizmente quase nada encontrei, mas o pouco localizado dá conta de que a
região tem muito cachorro, tornando-se, além, claro, da vitivinicultura, um
símbolo de Arruda dos Vinhos. Tem 13,5% de teor alcoólico.
Sobre a Quinta de São Sebastião:
O símbolo heráldico que inspira o cunho da Quinta de S.
Sebastião, conta a história de um mártir e Santo Cristão, que acreditou em
poder demover o Império Romano da perseguição aos cristãos.
Nascido em Roma e valente guerreiro, Sebastião ingressa no exército romano e chega ao comando da guarda pessoal do imperador – a Guarda Pretoriana. A sua conduta branda para com os prisioneiros cristãos, levou o imperador a julga-lo como traidor. Depois de executado por meio de flechas foi abandonado pelos soldados, para que sangrasse até a morte amarrado a uma árvore.
À noite uma crente cristã, retirou o corpo de Sebastião para
dar-lhe sepultura, ao perceber que este ainda estava vivo, deu-lhe abrigo e
cuidados até estar restabelecido. Já recuperado, Sebastião quis continuar seu
processo de evangelização e com valentia apresentou-se de novo ao imperador,
censurando-o e pedindo-lhe que parasse com as injustiças cometidas contra os
cristãos.
Diocleciano ordenou que fosse espancado até a morte e lançado
no esgoto público impedindo que o corpo fosse venerado. Mas o corpo Sebastião
acabou por ser resgatado e sepultado secretamente por crentes cristãos.
Anos mais tarde, os seus restos mortais foram solenemente
transportados para a basílica onde se encontra até hoje. Nessa altura, a
terrível peste que assolava Roma simplesmente desapareceu no momento da
transladação. S. Sebastião passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste,
fome e guerra.
Esta crença alimentava a fé das gentes desta terra, que a
acreditavam abençoada e protegida. As romarias, agradecendo a fertilidade da
terra e o milagre de ter sido poupada das Pestes que assolaram o País, são
testemunho deste fato. A história de S. Sebastião inspirou o espírito lutador e
convicto das gentes desta terra, que do vinho faziam e fazem vida. É esta a
herança da Quinta de S. Sebastião, a crença e a paixão que os tempos
alimentaram de saber e rigor para contar uma nova história.
Hoje, a vida na quinta ainda reserva as tradições, os ritmos
e as rotinas que as vinhas ditam. E acreditar na produção de vinhos de
excelência não é só uma crença é uma vontade firmada de capacidade, conhecimento
e ambição de vida.
A conjugação dos fatores climáticos amenos, dos declives
soalheiros, da localização geográfica, da proximidade do mar, da proteção da
montanha, e claro das pessoas que todos os dias vivem e cuidam das terras e
vinhas da Quinta de São Sebastião, dão corpo ao renascer de vinhos com uma
frescura característica e uma identidade muito própria
Os Vales de diferentes exposições solares e distintos
declives de terras férteis, a influência do ar marítimo apaziguado pelas
montanhas e a presença de cursos de água, criam um microclima equilibrado,
perfeito para a produção do que de melhor se faz em Portugal. Formados por
calcários, margas, argolas e arenitos, os solos podem considerar-se produtivos,
em quase toda a área do conselho Arruda dos Vinhos.
A Quinta de São Sebastião apresenta um terroir ideal que
garante a qualidade das mais variadas castas e se, aos fatores naturais,
juntando o carinho e o respeito no cuidado que é dado, obtendo os frutos
perfeitos que abrem as portas à criação de vinhos exclusivos, servindo os mais
exigentes e rigorosos critérios de seleção.
Por isso, para os tintos, as escolhas da fruta recaíram sobre
um conjunto de castas nacionais e estrangeiras, as tintas francesas Syrah e
Merlot e as portuguesas Touriga Nacional e Tinta Roriz (Aragonês). Nas brancas
a opção foi para as variedades nacionais Arinto e Cercial. Embora em 2007 a
primeira vindima não tenha respondido às exigências, já em 2008 o resultado foi
o renascer de vinhos com uma forte identidade.
Mais informações acesse:
Referências:
“Blog Divvino”: https://www.divvino.com.br/blog/vinho-lisboa/
“Olhar Turístico”: https://www.olharturistico.com.br/regiao-dos-vinhos-de-lisboa/
“Belle Cave”:
https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-lisboa-saiba-mais-sobre-essa-regiao-produtora
“Infovini”: http://www.infovini.com/pagina.php?codNode=3901
“Freguesia de Arruda dos Vinhos”: https://www.jf-arruda.pt/freguesia/historia#:~:text=Uma%20vila%20historicamente%20rica%2C%20com,%2C%20industriais%2C%20educativas%20e%20culturais.
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