Tenho desbravado, de forma incansável, “novos mundos” no
universo do vinho! Ah como é vasto, há muito a se descobrir nessa galáxia
selvagem e intocada. E diante de tantas castas novas, regiões improváveis,
terroirs únicos, produtores “undergrounds”, há ainda espaço para novas e gratas
descobertas e dentre elas os métodos e processos de vinificação, por exemplo.
Embora pareça e de certa forma é, algo meio técnico e que
requer, para entendimento, de pessoas tarimbadas, com expertise para tal, os
humildes e mortais enófilos, como eu, tem um aliado importante como a internet,
a grande rede, que nos permite ter acesso a inúmeras informações que,
independentemente de ser ou não fidedignas, podem nos inundar de u arcabouço teórico
satisfatório para ao menos entender minimamente alguns processos que,
evidentemente, impactam na degustação do nosso vinho de cada dia.
E a degustação de hoje promete! A degustação de hoje trará um
processo de vinificação novo para mim, embora já tenha visto o nome estampado
em alguns rótulos que, confesso, são bem caros, pelo menos para mim: APPASSIMENTO,
“pacificação” traduzindo livremente para o português. O termo é italiano, pois
nasceu nas terras férteis da Itália.
E falando em valores caros esse, em especial, eu encontrei,
claro, em um supermercado na faixa dos R$75,00 e, comparando com os valores
praticados no mercado, de vinhos com essa proposta, definitivamente esse era o
vinho a ser adquirido.
E a casta não deixa de ser um tanto quanto atípica também,
falo da Negroamaro. Embora muito popular nas terras italianas, sobretudo em
Puglia, a mesma ainda não está tão massificada no Brasil, como a Sangiovese e a
Primitivo, por exemplo. Então as novidades serão grandes e espero saborosas.
O vinho que degustei e gostei veio da emblemática região
italiana de Puglia e se chama Conte di Campiano da casta Negroamaro, um
“appassimento” da safra 2016.
E aqui cabe uma história, no mínimo pitoresca e poética
acerca do nome que ostenta o vinho e que foi extraído da página na internet do
produtor:
“Há muito tempo, um
Conde de terras muito distantes viajou em seu belo corcel pelas terras de Val
Tramigna e subiu ao planalto de Monte Crocetta. O Conde sentou-se numa pedra
para descansar um pouco e por acaso notou que a paisagem dali era esplêndida. A
luz do dia acariciava as colinas, banhava o perfil de um castelo, os telhados
inclinados das pequenas e escuras casas, os caminhos brancos e os terrenos
cultivados, e dispersava-se no vento leve que alcançava a quietude do céu. A
paisagem, o leve cheiro de mosto que lhe chegava às narinas, a serenidade que
sentia naquele momento, sugeriam que encontrasse naquelas terras a sua morada
definitiva. E foi assim que a partir desse dia para os locais ele ficou
conhecido como o CONDE DE CAMPIANO...”
E já que começamos com história, sigamos com ela, falando
sobre a região de Puglia, o processo de “appassimento” e também um breve
histórico da excelente Negroamaro.
Puglia: “A terra dos vinhos”
Essa região italiana está localizada no sul da Itália, região
que comumente chamamos de salto da bota, banhada pelo Mar Adriático e o Mar
Jônico. É uma região italiana com tradição vitivinícola onde parte da produção
do vinho era destinado ao norte para ser mesclado aos vinhos e vermute dessas regiões,
inclusive da França.
A introdução de videiras com técnicas eficientes de cultivo
foi feita na região de Puglia desde a época dos fenícios. Os gregos, no século
VIII a.C., deram continuidade ao cultivo da videira, porém a época de ouro foi
durante a conquista dos romanos, onde os vinhos de Puglia alcançaram ainda mais
fama por sua qualidade. Com a queda do Império Romano houve um declínio da
atividade vitivinícola, mas não com grande comprometimento.
No século XVII houve um resgate de variedades autóctones,
porém houve no final do século XIX, um outro baque na história da viticultura
de Puglia, quando a Filoxera atingiu os vinhedos europeus. Na sequência, a
recuperação dos vinhedos em Puglia foi marcada pelas replantações, dando preferência
à quantidade de produção, mas do que a qualidade.
Atualmente os produtores de Puglia vem desenvolvendo outras
estratégias apostando por exemplo, na diminuição da produção e buscando uma
maior qualidade para seus vinhos. Como fruto desse trabalho há atualmente
disponíveis no mercado, vinhos com qualidade.
A topografia da região é praticamente plana com paisagens
belíssimas dos vinhedos. O clima é tipicamente mediterrâneo, quente, com sol
boa parte do ano, pouca chuva, com presença de uma brisa marítima dando
condições muito boas para a viticultura. O solo é argiloso e calcário com
presença de depósitos de ferro.
As principais regiões da Puglia são:
Foggia: ao norte, encontramos tanto vinhos brancos como
tintos bem simples produzidos a partir de Sangiovese, Trebbiano, Montepulciano,
Aglianico, Bombino Bianco e Nero, etc.
Bari e Taranto: localizada na zona mais central. Destacamos
os vinhos brancos mais encorpados de Verdeca.
Península de Salento: região onde são elaborados os vinhos
mais interesantes de Puglia. Nessa zona as videiras se beneficiam dos ventos
frescos provenientes do Mar Adriático e Jônico. As principais uvas dessa região
são a Negroamaro, Primitivo e Malvasia Nera.
As uvas são cultivadas em toda a região. Faz parte da tradição
local e o clima quente da região ainda ajuda, principalmente, as uvas roxas, já
que as uvas verdes precisam de uma temperatura mais baixa.
No entanto, a Puglia produz vinhos tintos, rosés e brancos,
especialmente de uvas nativas, como Bombino Bianco, Malvasia Bianca, Verdeca,
Fiano, Bianco d’Alessano, Moscato Bianco e Pampanuto. Embora, a Chardonnay não
seja nativa é a uva branca mais cultivada na região. O Negroamaro é a principal
uva do Salento. No entanto, o Salento é uma das zonas vinícolas italianas mais
importantes para a produção dos vinhos rosés. O Primitivo é a uva dominante na
Terra di Bari. Enquanto a Uva di Troia, também chamada Nero di Troia, é a uva
mais comum no norte da Puglia.
Quanto às Denominações de Origem a Puglia tem:
• 28 DOC (Denominação de Origem);
• 4 DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida);
• 6 IGP (Indicação Geográfica Protegida).
Appassimento: Passificação
Produtores das mais variadas regiões vinícolas, no Velho e
Novo Mundo, lançam mão de um processo natural de desidratação parcial das uvas,
chamado de pacificação, appassimento, em italiano.
O objetivo é atingir um nível mais alto de açúcar, assim como
maior concentração de aromas, cores e sabores, além de acrescentar uma tipicidade
indefectível a seus vinhos.
A passificação adiciona mais um estágio, de desidratação, no
processo que define a vitivinicultura destas regiões: terminada a colheita, há
ainda o tempo de ressequir.
Diante da atual valorização da “mínima intervenção humana” no
cultivo das vinhas e na produção do vinho, o processo de appassimento – cuja
tradição antecede o colapso do Império Romano, não deveria ser interpretado
senão como mera decisão humana pelo prosseguimento do ciclo natural da fruta.
A passificação das uvas é normalmente iniciada após a
colheita, e antecede o desengace, o esmagamento e a prensagem das uvas: os
cachos são levados a salas arejadas e são depositados em suportes de madeira
onde podem ficar secando por até 120 dias.
História
A técnica de passificação das uvas não é algo utilizado há
muitos anos. Há registros que, desde o primeiro século depois de Cristo, os
romanos deixavam que os frutos secassem para que perdessem líquido e
concentrassem seu dulçor.
Entretanto, os vinhos passito, da forma como conhecemos, só
surgiram recentemente, na região italiana da Valpolicella – e por um acidente.
Reza a lenda que, no início do século XX, um barril de vinhos Recioto della
Valpolicella (que tem por característica o sabor doce) teria sido esquecido
dentro da adega.
Ao abri-lo para conferir seu conteúdo, os produtores se
depararam com uma bebida mais seca, alcoólica e meio amarga. A partir daí,
começaram a buscar pelo melhor método para tentar repetir o feito.
Atualmente o método ainda preserva sua forma tradicional, mas
com algumas inovações. As uvas são colhidas no tempo certo de maturação e
colocadas em esteiras ou penduradas em varais para secar durante os meses de
outono. Assim, os cachos perdem cerca de 30% de água, concentrando açúcares e
muito sabor.
No passado, as uvas eram penduradas de cabeça para baixo nos
tetos dos celeiros ou das casas. Hoje, elas ficam em esteiras de palha ou de
bambu em salas específicas projetadas para isso. Para evitar que os cachos se
deteriorem, a circulação do ar é fundamental.
O processo de appassimento é regulamentado pelo Consorzio
Tutela Vini Valpolicella, com regras e exigências rígidas. Os vinhos elaborados
com essa técnica, o Recioto e o Amarone, vêm de Valpolicella, no Vêneto. As
uvas utilizadas são Corvina, Rondinella e Molinara.
Além da Itália, algumas vinícolas dos Estados Unidos têm
implementando o appassimento como técnica de vinificação. Mas ainda de forma
experimental.
Negroamaro
A uva tinta Negroamaro tem acidez moderada e coloração densa.
Seu nome é a união de “black”, que em inglês significa “preto” e de “amaro”,
que em italiano quer dizer “amargo”. Essa variedade de uva garante taninos
médios e macios aos vinhos que origina, assim como aromas que remetem à canela,
cravo e pimenta da Jamaica.
Antigamente, a Negroamaro era utilizada para dar cor aos
vinhos produzidos no norte da Itália, hoje, essa uva origina vinhos tintos
profundos, intensos e de coloração arroxeada. Nativa da Península Salentida, a
tinta Negroamaro é amplamente cultivada na região da Puglia, importante área
vinícola italiana. A fim de garantir maior complexidade de aroma e paladar aos
vinhos, a uva Negroamaro é frequentemente utilizada em blend com as uvas
Malvasia, Nera, Montepulciano e Sangiovese.
O clima quente, com médias anuais elevadas, favorece o
cultivo da uva Negroamaro, garantindo à fruta excelente grau de maturação.
Adaptando-se facilmente à escassez de chuvas – comum em locais de clima
mediterrâneo – a Negroamaro pode ser encontrada também em vinhedos dos Estados
Unidos e Austrália, em regiões que apresentam condições climáticas similares às
da região da Puglia. A uva Negroamaro pode ser encontrada com diferentes
grafias, entre as quais estão Negro Amaro ou Neroamaro.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi intenso, profundo, mas com
reflexos granadas, talvez pelo tempo de vida do vinho, com seis anos, lágrimas
em profusão, lentas e grossas.
No nariz traz aromas medianos de frutas vermelhas bem maduras,
onde se destacam groselha, cereja e algo de ameixa cozida, com toques de
especiarias e discretas notas de baunilha.
Na boca é seco e estruturado, alguma complexidade, bom volume
de boca, garantido pelo alto teor alcoólico, mas bem integrado as notas
frutadas, que se revela discreta, como no aspecto olfativo, além de um curioso
toque de uva passa. Tem taninos maduros, mas macios, com acidez média e um
final persistente com algo de chocolate e avelãs.
Potente, único, expressivo, definitivamente um vinho de
caráter, mas elegante, graças aos seus 6 anos de garrafa. Um vinho que trouxe
as gratas novidades de um universo tão sedutor e inexplorado do vinho e que se
abre diante dos meus olhos e inunda a minha taça de forma avassaladora. Um
vinho para se guardar na memória, um vinho para abrir o mundo do “appassimento”
e da Itália que teima em insistir em nos surpreender positivamente. Avante com
mais e mais vinhos da velha bota. Tem 14% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Conte di Campiano:
Há muito tempo, um Conde de terras muito distantes viajou em
seu belo corcel pelas terras de Val Tramigna e subiu ao planalto de Monte
Crocetta.
O Conde sentou-se numa pedra para descansar um pouco e por
acaso notou que a paisagem dali era esplêndida.
A luz do dia acariciava as colinas, banhava o perfil de um
castelo, os telhados inclinados das pequenas e escuras casas, os caminhos
brancos e os terrenos cultivados, e dispersava-se no vento leve que alcançava a
quietude do céu.
A paisagem, o leve cheiro de mosto que lhe chegava às
narinas, a serenidade que sentia naquele momento, sugeriam que encontrasse
naquelas terras a sua morada definitiva.
E foi assim que a partir desse dia para os locais ele ficou
conhecido como o CONDE DE CAMPIANO...
Mais informações acesse:
https://www.contedicampiano.com/it
Referências:
“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-de-puglia-italia/
“Brasil na Puglia”: https://www.brasilnapuglia.com/os-vinhos-da-puglia/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/277-puglia-terra-de-muitos-vinhos
“Wineshop”: https://www.wineshop.it/it/blog/appassimento-delle-uve-significato-e-tecniche.html
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/passificacao-o-que-e-o-processo-que-da-mais-aroma-e-sabor-ao-vinho_13092.html
“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/08/voce-ja-ouviu-falar-em-appassimento/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/negroamaro
Nenhum comentário:
Postar um comentário