A busca por novos rótulos, com novas regiões e castas te
propõe novas experiências sensoriais, te estimula a desbravar as novas
histórias, caso você tenha simpatia por elas. A mim, em especial, a história
não traz apenas o prazer por ela só, mas tem tido um peso preponderante para a
escolha dos vinhos.
Embora quase tudo isso seja fato, algo que venho defendendo e
textualizando em muitos dos meus textos, faço questão sim de afirmar e
reafirmar, pois o meu momento de degustação tem sido muito especial, pois a
adega tem refletido, dentro do possível, essa diversidade que fomenta tais
degustações.
E já que falamos nisso, tem uma região portuguesa que eu
estou, a cada dia que passa a cada rótulo degustado, se revelando
maravilhosamente. Uma região tradicional, importante para o cenário
vitivinícola português, mas que no Brasil, ainda não atingiu, penso a
representatividade que ostenta em seu país: falo da Bairrada.
E eu não posso deixar de contar uma história e a forma como
conheci a região. Eu estava assistindo a um programa de televisão, no antigo
Canal Globosat, chamado “Um Brinde ao Vinho”. Eles fizeram um especial, uma
temporada nas principais regiões portuguesas e a Bairrada estava na rota da
equipe deste programa televisivo.
Eu fiquei maravilhado com a sua história, os seus rótulos e
decidi sair à busca de um vinho, de um rótulo dessa região. Depois de alguns
meses do programa de televisão eu descobri alguns rótulos, descobri um grande
produtor da Bairrada que descortinou os vinhos da Bairrada aqui no Brasil e com
um ótimo custo, com valores muito atrativos, que é a Adega de Cantanhede.
Mas o rótulo de hoje é de outro produtor, também tradicional na região, a Caves Primavera, e será um branco, um bom branco que tem um apelo regionalista muito forte, não caracterizado pela obviedade da região, mas pelas castas, pelas variedades que o compõe: Bical e Arinto. Quer algo mais regional que ter um branco lusitano, da Bairrada, com as castas mais famosas deste país?
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio da Bairrada, Portugal, e se chama Casal Mor, um branco
composto pelas castas Bical (60%) e Arinto (40%) da safra 2020. Lembrando que
eu já degustei a “versão tinta” deste rótulo e tive uma bela impressão, o Casal Mor Reserva da safra 2017. Antes de falar do vinho, vamos, para variar, às
histórias da gloriosa Bairrada!
Bairrada
Localizada na região central de Portugal e se estendendo até
o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a
região vinícola da Bairrada, cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a
compõe (barro) tem clima temperado bastante favorável às vinhas.
A Bairrada é uma daquelas regiões portuguesas com grande
personalidade. Apesar de sua longa história vínica, a certificação da região é
recente. A Denominação de Origem Controlada (DOC Bairrada) para vinhos tintos e
brancos é de 1979 e para espumantes de 1991. A Região Demarcada da Bairrada
possui também uma Indicação Geográfica: IG Beira Atlântico.
António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de produção de
vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais tarde,
fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover os
vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho.
O primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho
espumante em 1890. E foi com os espumantes que a região conquistou o mundo.
Frutados, com um toque mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se
referencias e, até hoje, fazem da Bairrada uma das maiores regiões produtoras
de espumantes de Portugal. Com o passar do tempo, as criações tintas ganharam
espaço.
Muito por conta do que os produtores têm feito com a Baga,
casta autóctone da região. O grande responsável pelo fortalecimento
internacional da região é o engenheiro Luís Pato. Conhecido como o "Mr. Baga",
Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo para conseguir um vinho
autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva Baga, uma das principais
uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos
que compõe.
Demonstrando muita classe e estrutura, a variedade da casta
de tintos é única no seu valor e possui um fantástico potencial de
envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após sua
fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta
variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga
era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente
ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís
Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta
variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.
A localização da DOC Bairrada e suas características de clima
e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito
em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e
outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local
onde a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades.
Delimitada a Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano
Atlântico e a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por
planalto de baixa altitude.
O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas
poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico
moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano
Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes,
suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área
se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A
variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.
O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas autorizadas e
recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei descreve as
diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e espumantes. Para
a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as castas recomendadas
são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e Tinta-Pinheira. No conjunto
ou separadamente, deverão representar 80% do vinhedo, não podendo a casta Baga
representar menos de 50%. As castas autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro,
Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e Trincadeira.
Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes
(também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha,
no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as
autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais
devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical,
Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa,
Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jaen, Moreto,
Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira.
Em 2012 foi publicada a Portaria n.º 380/2012, que atualiza a lista de castas permitidas para e das portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Rufete, Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. Vinhos elaborados com castas que não estejam relacionadas na elaboração dos vinhos DOC Bairrada. Foi incluída recentemente uma autorização para o cultivo das castas internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Petit Verdot e Pinot Noir Decreto-Lei, não podem receber o selo de DOC Bairrada e são rotulados com o selo Vinho Regional Beira Atlântico.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha, claro, com discretos
reflexos esverdeados, com algumas lágrimas, finas e razoavelmente lentas.
No nariz é extremamente aromático, com o protagonismo da
fruta, das frutas brancas, de polpa branca e cítricas, tais como pera,
maçã-verde, melão, lima e abacaxi, com um delicado e agradável floral que me
traz a sensação de frescor.
Na boca é meio seco, leve, porém untuoso, com certa
cremosidade em boca, enchendo-a, talvez pelo tempo curto e parcial em barricas
de carvalho, cerca de 4 meses, com o processo de bâtonnage, que consiste na
movimentação do mosto (suco da uva) com o auxílio de um bastão — em francês,
chama-se bâton. A fruta revela, como no aspecto olfativo, o seu destaque, com
acidez equilibrada, trazendo frescura e um final de média persistência e com um
dulçor inusitado, mas saboroso, como o vinho se mostra.
Tem sido sempre um momento especial degustar vinhos da
Bairrada, tem sido especial desbravar, a cada rótulo, a sua magistral história,
as suas castas mais proeminentes, importantes e tão peculiares, graças as suas
marcantes personalidades, a sua longevidade etc. O Casal Mor branco trouxe o
melhor, dentro de sua proposta, das castas produzidas na Bairrada. A Bical,
extremamente popular nesta região, e a Arinto, talvez a variedade branca mais
cultivada em Portugal, dispensa maiores comentários. Um belo vinho. Tem 12,5%
de teor alcoólico.
Sobre a Caves Primavera:
As Caves Primavera foram fundadas em 1944 por dois irmãos,
Lucénio e Vital de Almeida. A empresa começou como Vinícola Primavera
chamava-se Vinícola precisamente porque não possuía uma cave, e as suas
primeiras instalações foram no centro da aldeia de Aguada de Baixo, a
sensivelmente 800 metros das instalações atuais.
A história das Caves Primavera só foi possível devido ao
esforço, dedicação e trabalho de dois grandes homens, os irmãos Lucénio e Vital
de Almeida. Os fundadores iniciaram a sua atividade desde muitos jovens.
Lucénio e Vital de Almeida eram homens sérios, confiantes, com enorme dedicação
e que faziam uma dupla fortíssima. Sempre motivados pelos seus sonhos,
conseguiram fazer com que o nome Primavera estivesse associado a algo mais do
que apenas a estação do ano. Foram homens de bem, únicos, humildes, benfeitores
da região, que nunca serão esquecidos.
Dois homens, Lucénio e Vital Rodrigues de Almeida foram e
serão sempre os principais responsáveis pelo sucesso das Caves Primavera. Foram
eles que levantaram voo e iniciaram um novo ciclo no mundo dos vinhos e deram
uma nova dimensão à expressão “aí vem a Primavera”.
Primeiramente a atividade centrou-se na produção de vinhos
tranquilos (inicialmente até era dedicada à produção de “pirolitos” que era uma
bebida não alcoólica, com uma esfera de vidro a servir de tampão). À medida que
foi crescendo, passou a diversificar a sua atividade e a necessitar de um
espaço maior. Em 1954 foram inauguradas as instalações atuais, e a empresa incorporou
a produção e comercialização de espumantes e licores.
A empresa passou então por uma fase de grande crescimento:
alargamento da cave e a automatização de processos nos anos 1970, onde a
empresa cresceu muito graças ao desenvolvimento das ex-colónias, tendo já uma
vertente exportadora que se acentuou a partir de 1975, com a independência dos
atuais Palops; modernização da empresa, com anos de grande fulgor comercial e
aposta nos produtos engarrafados nos anos 1980; inauguração do centro de
vinificação nos anos 1990, onde hoje é produzida a totalidade dos produtos
Bairrada e Beiras que é comercializado e onde decorre anualmente a vindima
entre Setembro e Outubro de cada ano.
Nos últimos anos foram realizadas pequenas alterações ao
layout da empresa, acrescentando inovações em áreas essenciais – laboratório,
zona de enchimento, equipamentos para degorgment, obtendo a certificação de
qualidade da norma ISO 9001 (primeira certificação em 1999, hoje em dia
certificados na norma ISSO 9001:2015), consolidando, com isso, o crescimento
nos mercados externos, com destaque para os mercados escandinavos. A exportação
representa atualmente cerca de 40% da nossa faturação total.
Mais informações acesse:
https://www.cavesprimavera.pt/
Referências:
Mistral: https://www.mistral.com.br/regiao/bairrada
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