sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Monte Carlo Chardonnay 2020

 

Eu já mencionei em um de meus textos de outros vinhos que degustei e gostei das minhas “viagens” para novas experiências sensoriais, mesmo com produtores, regiões ou castas já familiarizadas por mim, em minhas andanças enófilas.

Muito ainda se pode tirar de novidade em algo que, em tese, para você não seja novo. E tenho buscado essa condição, de trazer o novo no vasto e pouco explorado universo do vinho. Temos de nos permitir viver esses momentos e nunca deixar cair na tentação silenciosa da zona de conforto com os seus rótulos preferidos.

E uma região brasileira vem me ganhando de forma incondicional: São Roque, em São Paulo! E um bom amigo vem me proporcionando isso, me agraciando com rótulos de presente, o amigo Luciano Feliputti, proprietário da Pemarcano Vinhos, um e-commerce que enaltece os pequenos produtores da região de são Roque e afins.

A missão de falar de tais vinhos me traz a novidade e o saboroso desafio de analisar as suas nuances, as suas características, além, é claro, de estimular sempre o prazer pela degustação, a celebração pelo ritual e pela nobre simplicidade por tais atos.

E o rótulo de hoje traz São Roque representado pela rainha das uvas brancas: Chardonnay. Da mesma forma que a Merlot praticamente me iniciou no mundo dos vinhos, das cepas vitis viníferas, sendo a minha casta tinta preferida por muitos anos, a Chardonnay me fez perceber que vinho branco é bom e que merece atenção e espaço nas adegas dos brasileiros.

Sempre notei que os brancos foram e ainda são vistos com certo preconceito pelo enófilo no Brasil. Sempre percebi que existe uma visão pré-concebida, e sem razões muito fortes para tal percepção triste e equivocada.

Hoje o cenário está melhor, mais favorável para os brancos ditos “tranquilos” e os espumantes que é a porta de entrada para o vinho brasileiro no mundo, a nossa “marca”! Não há, contudo, razão para que tenhamos essa visão torta dos vinhos brancos. Eu tinha essa percepção que logo foi rompida graças a Chardonnay!

Um Chardonnay de São Roque, a terra do vinho, e de um pequeno produtor! Não é um discurso romântico, sem força, mas sim a condição necessária para que, de uma vez por todas, possamos enaltecer o pequeno produtor brasileiro que, sufocada pelo poderio financeiro das grandes indústrias e o lobby dos ditos “formadores de opinião” só torna tais produtores pequenos coadjuvantes em um tão esperado processo de disseminação da cultura do vinho neste país.

Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho que degustei e gostei que veio da cidade tradicional na produção de vinhos do Brasil, São Roque, e se chama Monte Carlo, claro da casta Chardonnay da safra 2020. Não é, portanto, a minha primeira vez com os vinhos da Vinícola Sorocamirim, eu degustei um rótulo da casta Seibel, o Classic Sorocamirim Seibel. Antes de tecer com requintes de detalhes o vinho, vamos, para não perder o costume, a história de São Roque e a sua importância para a vitivinicultura nacional.

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um lindo amarelo palha, translúcido, brilhante com discretos reflexos esverdeados e algumas lágrimas finas e lentas.

No nariz traz um aroma extremamente frutado, de frutas brancas e cítricas e um toque delicadamente floral que nos dá uma sensação de levez e frescor.

Na boca corrobora a refrescância e leveza, bem como as notas frutadas, com um leve dulçor que não é enjoativo, em virtude da fermentação interrompida pelo produtor, dando-lhe um paladar de um “demi-sec”. Traz uma untuosidade e cremosidade, uma madeira no fundo, graças aos 5 meses que passou em barricas de carvalho com um final persistente.

Mais uma vez e como sempre me sinto um privilegiado por degustar rótulos de São Roque e sempre com novidades, afinal há muito a se explorar na “terra do vinho”, uma região tradicional e mesmo com a queda de sua força vitivinícola, é sustentado pela sua história e produtores pequenos com ideias e determinação grandes em continuar a disseminar o terroir desta região e a força dos pequenos produtores. E por falar em produtores, estive conversando com os representantes da Vinícola Sorocamirim para buscar detalhes do Monte Carlo Chardonnay e eles me falaram que a fermentação dele foi interrompida, dando-lhe um paladar de um “demi-sec”. O que muito surpreendeu, mostrando leveza, sabor, mas entregando alguma personalidade e até mesmo complexidade, graças a curta passagem por barricas de carvalho. Que venham mais e mais gratas novidades de São Roque. Tem 11,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Sorocamirim:

A Vinícola Sorocamirim foi fundada no dia 27 de julho de 1956, com 58 anos de muitas conquistas e histórias, sendo considerada uma das vinícolas mais artesanais de toda a região de São Roque.

Seus vinhos são elaborados a partir de uvas selecionadas, garantindo um excelente sabor. Entre os vinhos mais apreciados estão o "Monte Carlo" tinto meio Seco, e o tinto seco, armazenados em barris de carvalho francês e americano.

Entre os clássicos estão a linha dos vinhos "Sorocamirim", tinto seco, licoroso rosado, e muitos outros. A vinícola está localizada em uma região serrana, com clima propício para fabricação de vinhos.

Toda a produção dos vinhos Sorocamirim é feita de maneira artesanal, com a combinação de processos de fabricação tradicionais.

Mais informações acesse:

https://www.facebook.com/Vinhos-Sorocamirim-742876082473899

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

 






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