Nossa! Há quanto tempo eu não degustava um vinho de uma das
mais emblemáticas regiões demarcadas do planeta: o Douro! O Douro que nasce, em
termos vitivinícolas, no Rio Douro e que entrega os vinhos mais importantes do
mundo: os vinhos do Porto. O último vinho que degustei foi o Socalco Reserva da safra 2016 do Grupo Quinta do Gradil, da Parras Wines.
O Douro é a região demarcada mais antiga, talvez a mais
importante de Portugal, a mais badalada (embora eu ame o Alentejo) e hoje me
trará a alegria e o privilégio da degustação de um vinho depois de muito, muito
tempo mesmo.
E quando falamos nessa região, que abriga tantos rótulos
emblemáticos, importantes, como Barca Velha, por exemplo, associamos a vinhos
de alto valor, se tornando inacessível. Mas descobri que sim, podemos degustar
rótulos durienses a preços módicos, atraentes.
São os famosos vinhos, para muitos, afamados, de cooperativa.
São acessíveis e por que não bons? Hoje será o dia do grande teste, da prova de
fogo. Vinhos cooperativados, do Douro e a um preço “camarada”? Será que esses
quesitos “harmonizam”? Vejamos...
Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio, claro, do Douro, e se chama Adega Vila Real Reserva, um
tinto com o corte típico da região, que leva Tinta Roriz, Tinta Barroca,
Touriga Franca e Touriga Nacional e a safra é 2019. Para não perder o costume,
vamos de história, da rica história do Douro e a sua importância para Portugal.
O Douro e os seus solos
Nas encostas escarpadas, um rio banhava margens secas e inóspitas. Nele rolavam, noutros tempos, brilhantes pedrinhas que se descobriu serem d´ouro. Daí o nome dado a este rio: Douro. Aqui nasce a vinha e se produz o vinho, desde que os romanos, continuando e ampliando a ação nativa (moldavam os declives em socalcos) aproveitavam as povoações castrejas e dinamizavam o cultivo de cereais e da vinha nos terrenos de xisto, imprestáveis para outras culturas.
Foram encontrados na região vestígios de lagares e vasilhames
para vinhos do século III, chegando mesmo a estimar-se que a presença da uva na
região remonta há cerca de 4 mil anos.
Ao longo da história do Vinho do Porto, diversas crises surgiram entre produtores e comerciantes, opostos pela questão do que era o genuíno Vinho do Porto. Em 1756, o Primeiro-ministro Marquês de Pombal interveio, demarcando, no território duriense, os terrenos mais propícios e as quintas mais dotadas para o plantio das castas produtoras do vinho do Douro, tendo sido esta a primeira Região demarcada do mundo, através do alvará régio de instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, de 10 de setembro de 1756.
A designação “do Porto” provém da armazenagem e
comercialização, a partir do porto existente no estuário do rio Douro, entre a
cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. O vinho era transportado ao longo do rio,
pelos barcos rabelos, até aos armazéns de Vila Nova de Gaia, localização
privilegiada pela proximidade do Atlântico e pelas suas reduzidas amplitudes
térmicas, favorecendo o longo envelhecimento dos vinhos em cave.
Mas muito antes de qualquer presidente, rei ou imperador, o
Douro era uma terra sem governo, habitada por povos primitivos, os primeiros a
deixar seus vestígios na região. As pinturas rupestres do Vale do Côa são do
período Paleolítico, há cerca de 20 mil anos. A presença da uva no Douro
remonta há 4 mil anos (século XX a.C.), tendo sido encontradas sementes de uvas
carbonizadas em estações arqueológicas da região. Muitas das ruínas pré-romanas,
como o Castro de Cidadelhe, em Mesão Frio, datam dessa época.
Com a chegada dos romanos, no século I d.C., a agricultura
intensificou-se, algo possibilitado pela rede de estradas e pelas numerosas
pontes que o Império construiu. A uva começou a adquirir maior importância,
existindo vilas agrárias dedicadas exclusivamente à produção de vinho, como foi
comprovado na estação arqueológica do Alto da Fonte do Milho, no Peso da Régua.
A região continuou sendo ocupada continuamente. A partir do
século V as terras do Douro foram os suevos e visigodos, que acabaram por se
unir e cristianizar. Seguiram-se então os muçulmanos, depois do século VIII.
Isso só deixou de acontecer após a implantação do reino português, a 5 de
outubro de 1143 pelo Tratado de Zamora, quando se iniciou a construção da Sé de
Lamego, sob a proteção de D. Afonso Henriques (1109-1185), o primeiro rei
português, responsável pela independência deste país.
No século XIII, com a prosperidade comercial e econômica e ao
transporte para o Porto através do rio Douro, a produção destes néctares
continuou a se desenvolver. Em seguida veio o período das descobertas marítimas
(séculos XV e XVI) e houve um aumento da circulação no rio, uma vez que as
viagens requeriam grandes quantidades de vinhos fortes para saciar os
marinheiros.
Entre os séculos XVII e XIX, a Inglaterra passa a ser o
principal consumidor dos vinhos produzidos no Douro, o que resultou na
assinatura do Tratado de Methuen, em 1703. Nesse tratado, o Reino Unido
concedia direitos preferenciais aos vinhos portugueses, com a contrapartida de
Portugal permitir a entrada livre dos tecidos britânicos no mercado nacional.
Estimulada pela procura inglesa crescente e preços
altíssimos, a produção do Douro tenta se adaptar às novas exigências do
mercado. Mas, como acontece sempre que a demanda é muito grande, o negócio
rivaliza interesses, suscita fraudes e abusos. A qualidade dos vinhos cai por
conta de misturas inadequadas. Assim, a partir de meados do século XVIII as
exportações estagnam, enquanto a produção continua a crescer. Os preços caem e
os ingleses decidem não mais comprar vinhos, acusando os produtores de promover
adulterações.
Esta crise comercial conduzirá, por pressão dos interesses dos grandes vinhateiros do Douro junto ao governo do futuro Marquês de Pombal, à instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 10 de setembro de 1756. Com ela busca-se assegurar a qualidade do produto, evitando adulterações, equilibrar a produção e o comércio e estabilizar os preços.
Também nesta época acontece a demarcação de terras,
criando-se a primeira região vinícola regulamentada do mundo. O Douro
Vinhateiro é demarcado por 335 marcos de granito com a designação de Feitoria,
designação que referendava o vinho da melhor qualidade, único que podia ser
exportado para Inglaterra.
O século XIX, no Douro, foi marcado pelas doenças que se
abateram sobre as vinhas, como o oídio e a filoxera, contribuindo para o
desenvolvimento da viticultura na região, devido a inovações biológicas e
químicas, como forma de evitar essas doenças. Ainda no mesmo século, iniciou-se
a construção das linhas ferroviárias, que facilitaram a ligação entre o Porto e
a fronteira da Espanha.
A paisagem atual da região do Douro, caracterizada pelos
socalcos (plataformas cortadas nos morros), foi construída durante a década de
70, com a aplicação de novas técnicas de plantio da vinha, em patamares, com
muros de xisto delimitando cada nível. Esta alteração da paisagem pela
atividade humana contribuiu para que o Alto Douro Vinhateiro fosse considerado
Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO, em 2001.
DO Douro
A Região Demarcada do Douro situa-se no nordeste de Portugal,
na bacia hidrográfica do Douro e sua área é de 247.420 hectares, sendo que a
vinha ocupa 43.608 hectares, sendo que somente 26.000 hectares estão
autorizados a produzir vinhos do Porto.
O rio que lhe deu o nome nasce no alto da Sierra de Urbion, no interior da Espanha e se estende por 640 quilómetros até o seu encontro com o oceano Atlântico, cruzando a Região do Douro de leste a oeste. As vinhas são plantadas nas encostas em declive de 35° a 70° de inclinação, erguendo-se sobre o rio Douro e seus afluentes Corgo,Tavora, Pinhão, Tua, Torto, Côa e Sabor
A serra do Marão, que se eleva a 1500 metros no extremo oeste
da região, assinala a mudança dos planaltos saturados pelo ar úmido e frio do
Atlântico para um clima mediterrâneo montanhoso, quente e seco.
Originando sempre produções muito pequenas, o solo também
permite uma maior longevidade da vinha e uma qualidade muito elevada dos mostos
devido à conservação de umidade, adquirindo as uvas um maior teor de açucares e
cor.
A imensidão do xisto duriense é completada na sub-região do
Douro Superior com aflorações graníticas e no Baixo Corgo, com alguns solos de
aluvião, mais produtivos nesta sub-região.
Cerca de 95% de todo o Vinho do Porto é cultivado neste
xisto. Como existe apenas uma camada muito fina de terra argilosa, as vinhas
são plantadas partindo a pedra até uma profundidade de um metro, onde as
fissuras no xisto permitem que as raízes cheguem até 21 metros em busca de
água. O solo é muito ácido, devido a um nível alto de potássio, tem baixo nível
de cálcio e magnésio, apresenta excesso de alumínio, o que é tóxico para as
raízes.
O Terreno irregular, com altitudes, junto ao rio Douro que
podem atingir entre os 60 e os 140 m, e noutras zonas atingindo mais de 1000 m
e inclinações com mais de 30%, só podem ser preparadas para plantação através
do nivelamento de socalcos ou terraços, com ferramentas de ferro pontiagudas ou
dinamite e, mais recentemente, bulldozers e tratores.
Essas excepcionais adversidades tornam a Região Demarcada do
Douro numa das regiões mais caras e difíceis de trabalhar do mundo, mas é nessa
mesma adversidade que nasce um grande vinho.
O papel desempenhado pelo Homem foi fundamental na criação dos socalcos, que são uma característica de toda a região. Antes da crise filoxérica, praga que surgiu na região pela primeira vez em 1862, as plantações eram feitas em pequenos terraços irregulares (geios), com 1-2 filas de videiras, suportados por paredes de pedra.
Os socalcos eram ‘ rasgados ‘ nas
encostas, de baixo para cima, as paredes eram construídas com as pedras tiradas
do terreno, a sua altura dependia da inclinação da parcela e a movimentação da
terra para preparar o solo para a plantação era pequena. A densidade de plantação
rondava as 3.000 – 3.500 plantas/ha. Estes pequenos terraços foram
posteriormente abandonados e constituem hoje os designados “moratórios”.
Após a filoxera, foram feitos novos terraços, mais largos e
inclinados, com ou sem paredes de suporte, permitindo maiores densidades de
plantação (cerca de 6 000 plantas/ha). Surge também nesta altura a vinha
plantada em declives naturais, segundo a inclinação do terreno.
Nestes sistemas a mecanização é impossível pois não existem
ou são escassas as estradas de acesso às vinhas e a inclinação lateral está
associada a uma forte densidade de plantação. Este facto, traduzido pelos
custos elevados que implica em termos de mão-de-obra, tem conduzido ao abandono
gradual deste tipo de vinhas.
No fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, um novo sistema
surgiu na região. Trata-se dos patamares horizontais com taludes em terra, com
1-2 linhas de videiras e com densidades de plantação baixas, na ordem de 3.000
– 3.500 plantas/ha. Dado que necessita de parcelas de grande dimensão para a
sua instalação, é um sistema que não está adequado a zonas de minifúndio.
Mais recentemente, e como alternativa aos patamares, aparecem
as vinhas plantadas segundo as linhas de maior declive do terreno (‘ Vinha ao
Alto ‘). Com uma densidade de plantação semelhante à das vinhas tradicionais,
na ordem das 4.500 – 5.000 plantas/ha, este sistema apresenta uma boa adaptação
para pequenas parcelas, podendo ser o trabalho mecanizado pela utilização de
guinchos ou, até declives na ordem dos 40%, por tração direta, com tratores de
rastos.
O micro-clima da Região Demarcada do Douro deve-se ao seu
natural enquadramento, a norte com a serra do Alvão e a sul com a Serra de
Montemuro, formando-se um anel com uma altitude média de 1000 m, que protegem
os vinhedos dos ventos úmidos do Atlântico e frios do norte.
A alta qualidade dos vinhos da região está diretamente
relacionada com as elevadas temperaturas do ar, moderada precipitação e
substancial percentagem de insolação direta no solo, graças à exposição a sul
das encostas: as videiras criadas junto à encosta do rio e afluentes sofrem uma
incidência de raios solares propícia à boa maturação das uvas; os solos
conservam menor umidade que em terrenos planos, adquirindo as uvas uma maior
concentração de açucares e de cor.
A Região demarcada do Douro estende-se desde Barqueiros até
Barca D Alva, quase na fronteira com Espanha, estando dividida em três
sub-regiões naturalmente distintas, não só por fatores climáticos como também
sócio – econômicos: a oeste o Baixo Corgo, no centro o Cima Corgo, coração da
região demarcada do Douro, e a leste o Douro Superior.
O total das vinhas implantadas na Região demarcada do Douro é
de 43.608 hectares, com a produção anual de 1,69 milhões de hectolitros, que
corresponde a 26% da totalidade dos vinhos produzidos em Portugal.
A grande diversidade de castas existentes no Douro,
adaptáveis a diferentes situações de clima, demonstra as excelentes condições
para a cultura da vinha existentes na região. Portugal é um dos países do mundo
com maior quantidade de castas autóctones (nativas) e, dentro de Portugal, o
Douro é a região com maior diversidade.
São uvas que só se encontram em território português – pelo
menos com os nomes que ali recebem. Entre as tintas, destacam-se Tinta Amarela,
Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional (a uva
emblemática de Portugal) e Tinto Cão. As castas brancas predominantes são
Malvasia Fina, Viosinho, Donzelinho e Gouveio.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela uma cor rubi profundo, intenso, escuro com
discretos halos granada, com lágrimas finas, lentas e coloridos em profusão que
desenham as bordas do copo.
No nariz traz um mix de aromas de frutas vermelhas e pretas
bem maduras, com destaque para jabuticabas, amoras, ameixas pretas, algo de
frutas silvestres, com toques de especiarias doces, couro, tabaco, estrebaria,
com o carvalho bem integrado, graças aos doze meses em barricas, com um
discreto floral.
Na boca é envolvente, estruturado, mas entrega algo doce. É
cheio, volumoso, quente, mas macio e redondo, fácil de degustar, apesar de sua
marcante personalidade. As notas frutas, como no aspecto olfativo, ganha
protagonismo em completa sinergia com as notas amadeiradas, mais evidentes no
paladar, aportando baunilha e chocolate. Tem taninos nobres e domáveis, com
acidez correta e um final persistente.
Um típico vinho do Douro, um vinho que traz alguma
personalidade, aliada a elegância, o refinamento, a maciez e a facilidade de
degusta que o rótulo prima. Um vinho redondo, versátil, gastronômico, saboroso,
mas volumoso. Um vinho definitivamente equilibrado. Um caráter regional que
enaltece as características mais marcantes de uma região emblemática lusitana,
o Douro. Tem 14% de teor alcoólico.
Sobre a Adega Cooperativa de Vila Real:
Falar da Adega Cooperativa De Vila Real é falar de
competência e desenvolvimento. Competência porque consegue oferecer aos seus
associados um bom preço pelas uvas que compra, pagando a tempo e a horas. A adega
soube adaptar-se aos dias de hoje, com a ajuda e conhecimento do enólogo Rui
Madeira e seu presidente.
Rui Madeira tem, há algum tempo a esta parte, vindo a
desenvolver projectos na zona das Beiras e Trás-os-Montes e Douro. Exemplo
disso é o seu projeto em Figueira de Castelo Rodrigo, com os vinhos “Beyras”, o
trabalho na CARM, e a ajuda que presta ao nível da enologia na Adega
Cooperativa de Vila Real.
Fundada em 1955, com o objetivo de defender os interesses dos
pequenos viticultores da Região Demarcada do Douro, a Adega Cooperativa de Vila
Real viu, desde cedo, ser reconhecida a sua qualidade, pois logo na década de 1960,
os seus vinhos ganharam diversos prémios em concursos nacionais e
internacionais.
Durante o século XVI, no reinado de D. Sebastião, os vinhos
da “vylla de Vylla Reall e de seu Termo” beneficiaram de estatuto privilegiado,
em que por Alvará Régio se defendia a sua livre circulação e comercialização em
todo o Reino, ainda antes da delimitação da Região Demarcada do Douro.
Aqui se insere a Adega Cooperativa de Vila Real, que desde
1955 leva até ao consumidor o melhor do Vale do Rio Corgo – o Vinho, que deve
as suas características únicas à especificidade da região onde se encontram as
explorações dos seus associados.
De fato, as características edafoclimáticas do agreste Vale
do Corgo (um dos mais importantes afluentes do Rio Douro) permitem a obtenção
de vinhos com características únicas. A prova-lo estão as medalhas de ouro,
prata e bronze que, desde a sua formação, esta Adega tem arrecadado.
Como resposta à necessidade de modernização, a Adega
Cooperativa de Vila Real dispõe, desde 1992, de novas instalações que permitem
a obtenção de vinhos de ainda melhor qualidade. Uma cave subterrânea situado a
pouco mais de 50 metros da pista de aviação, onde estão quatorze tonéis em
castanho, que têm cerca de 150 pipas, com a capacidade de 550 litros. Tais
tonéis são peças artesanais datadas de 1939 e foram recuperadas das suas
antigas instalações, onde nasceu a Sogrape, a empresa que os estreou.
Mais informações acesse:
Referências:
“Enopira”: https://enopira.com.br/douro-2/
“Viva o Vinho”: https://www.vivaovinho.com.br/mundo-do-vinho/regioes-vinicolas/douro-produzindo-vinhos-ha-mais-de-2-mil-anos/
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/adega-cooperativa-de-vila-real-caves-vale-do-corgo/
“Avas Mafra Comunidades”: https://avasmafra.comunidades.net/adega-cooperativa-de-vila-real-crl
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