Responsáveis por
adicionar complexidade e aromas aos vinhos, os barris de carvalho são
ferramentas importantíssimas para os enólogos. Aprenda a diferença entre eles e
as suas principais aplicações.
São muitos os fatores responsáveis pelo desenvolvimento de um
rótulo memorável. A escolha correta das uvas, o blend (ou a ausência dele), o período de maturação, e claro, a
decisão de maturar ou fermentar o vinho em barricas de carvalho.
Mas qual é a importância da madeira para o sabor da bebida? E
por qual motivo alguns vinhos são maturados em barricas francesas, americanas
ou até mesmo nas exóticas barricas do leste Europeu?
Para que servem as
barricas de carvalho?
A resposta mais simples e direta a esta questão é: nos dias
atuais, as barricas de carvalho servem para incrementar o vinho. Dando a eles
complexidade, que vem através dos toques e aromas característicos de cada
madeira.
Outra particularidade do carvalho está no fato dele possuir
poros por onde o vinho pode trocar oxigênio com o ambiente externo. Esse
fenômeno é denominado micro oxigenação, serve tanto para aliviar os taninos do
vinho (suavizando o sabor), quanto para maturar o vinho e garantir que ele
chegue ao estado perfeito de consumo.
A história da utilização dos barris de carvalho passa pela
própria história da humanidade. Existem provas de que os vinhos eram guardados
em ânforas de barro e porcelana em algumas partes da Ásia. Contudo, foi na
Europa que a utilização do carvalho ganhou forma – no princípio por pura
necessidade – e hoje por uma questão de gosto e padrão estético dos enólogos.
Quais são os tipos de
barris?
A tanoaria – a construção dos barris – é uma arte específica
em si mesma, portanto, seria leviano da nossa parte resumir a sua fabricação e
a sua aplicação em apenas algumas palavras. De todo modo, para não
sobrecarregar o leitor com informações em excesso, nós vamos dar uma breve
resumida dos principais barris para a fabricação dos vinhos.
Vale ressaltar que entre as características do carvalho está
a troca de tanino com o vinho. Isso significa que dependendo da intenção do
enólogo, a barrica poderá deixar o vinho “mais seco” ou mais aveludado, é claro
que aí estão inseridos o tempo da fermentação e a permanência do vinho dentro
da barrica.
Uma barrica de carvalho possui 12 características distintas
que vão influenciar diretamente o sabor da bebida. Estas doze características
estão divididas em 5 categorias. Vamos explicar aqui para ficar tudo bem claro.
1ª categoria: local de cultivo do carvalho. Essa categoria
está dividida em 3 itens:
França
Estados Unidos e Canadá
Leste Europeu
Detalhamento:
O carvalho francês é conhecido por ser uma peça de estrutura
maleável, com grande capacidade de absorção e oxigenação. Muito utilizado em
vinhos com sabor elegante e carácter estético relevante. Brancos e frutados são
os preferidos para essas barricas.
Já a construção das barricas americanas e canadenses garante
uma barrica mais robusta. O corte e o tratamento da madeira também fazem com
que o vinho seja encorpado e muito influenciado pelo tanino. Tintos e rótulos
de corpo forte são indicados para esse tipo de barrica.
Por fim, as barricas do leste Europeu possuem características
variadas. Graças a grande quantidade de tanoeiros na Rússia, Rep. Tcheca, entre
outros, é difícil resumir essa categoria em um perfil de paladar. Em geral, as
barricas do leste europeu são utilizadas para acrescentar sabores exóticos ao
vinho.
2ª categoria: processo de tosta da barrica. Na sua
construção, a barrica de carvalho pode passar por 3 formas de tosta distintas.
A tosta é a aproximação da madeira ao fogo para transformar as suas
características físicas, aumentando a resistência e diminuindo a absorção.
Tosta leve
Tosta média
Tosta intensa ou agressiva
Na tosta leve o carvalho não perde as suas características
principais, entrando em contato praticamente inalterado com a bebida.
A tosta média já aumenta a robustez da madeira e diminui a sua
absorção. Muitos poros são fechados pelo calor, o que faz uma barrica com micro
oxigenação reduzida. Aqui o vinho já começa a ganhar tons de tostado e gosto
acentuado.
Tosta intensa ou agressiva é o nome utilizado para o processo
onde o carvalho é completamente transformado pela fornalha. Sua oxigenação fica
completamente comprometida e a natureza da tosta faz com que a madeira
influencie diretamente o sabor do vinho com tons bem acentuados de tostado.
3ª categoria: número de utilizações da barrica de carvalho.
Como o nome sugere, a quantidade de vezes que uma barrica de carvalho foi
utilizada influência diretamente o resultado final do vinho.
Barris de primeira utilização
Barris de segunda utilização
Terceira utilização em diante.
Trata-se de uma categoria muito simples de ser explicada.
Como você já deve ter imaginado, a quantidade de vezes que um barril é
utilizado modifica as estruturas do carvalho.
A primeira utilização é perfeita, a madeira mantém-se com
suas qualidades originais e os poros estão livres para que o vinho possa
respirar. Na segunda utilização a madeira já está impregnada com os aromas e
sabores do vinho, o que certamente influenciará a bebida.
A partir da terceira utilização é possível que os poros já
estejam entupidos (o que dificulta a micro oxigenação) e o carvalho já estará
completamente dominado pelos aromas das utilizações anteriores.
É bom ressaltar que essa categorização não é feita com base
em juízo valor. Para um bom enólogo, as barricas de primeira utilização são tão
importantes quanto as barricas antigas e já muito utilizadas.
Tudo depende da
aplicação e da intenção do produtor.
4ª categoria: tamanho das barricas.
Outra categoria simples. Basta ter consciência de um fator,
quanto menor a barrica, maior será o contato entre o vinho e a madeira, por
consequência, maior será a influência da barrica no sabor e nos aromas da
bebida.
É possível fazer um exercício de imaginação. Se você imaginar
um grande barril de vinho, poderá ver como a quantidade de líquido em contato
com a madeira é proporcionalmente menor do que se você imaginar um pequeno
barrilzinho repleto da bebida.
Relação entre quantidade total x quantidade em contato com o
carvalho é o que garante a influência da madeira no vinho.
5ª construção da barrica: Aqui nós temos basicamente duas
maneiras de construir uma barrica de carvalho:
Construção por corte: utilizada, sobretudo nas barricas
francesas. A madeira não passa por um processo de serragem e nem aplainamento
por laser. Toda a construção é feita com características “não industriais”,
quase artesanal.
Construção por serragem e industrial: diferente da construção
anterior, essa é feita com a utilização de serras, processos a laser para o
aplainamento da madeira e todo o aparato industrial possível. As barricas
americanas e canadenses são conhecidas por fazerem parte dessa forma de
construção.
Processo de produção, o
que é feito nas barricas afinal?
Agora você já compreende como cada barrica é construída e
quais são as suas principais características. Vamos falar sobre a produção do
vinho e como a barrica é utilizada para esse processo.
Entre tantos outros fatores, é preciso salientar que cada
produtor terá a suas maneiras e singularidades na fabricação de um rótulo. Até
por que se houvesse uma maneira específica de elaborar um vinho, nós não
teríamos uma variedade tão imensa de opções.
Vamos às principais utilizações:
Fermentação
É o processo onde o vinho é enriquecido com todos os
elementos que constituirão a bebida. Para tentar trazer isso para o cotidiano,
é como se o produtor estivesse fazendo um bolo. O processo de fermentação é
quando o vinho recebe os ingredientes.
A barrica é utilizada para a mistura do vinho e dos seus
ingredientes. Que variam bastante: baunilha, noz moscada, café, frutas, canela,
entre outros.
É claro que o processo de fermentação é muito mais complexo
do que apenas a adição dos ingredientes, de toda maneira seria loucura
tentarmos explicar o passo a passo de um processo de fermentação.
Maturação e armazenamento
Esse é o processo de descanso do vinho e onde a barrica de
carvalho é mais conhecida. Muitos rótulos famosos têm em sua descrição
“armazenado em barricas de carvalho”.
O armazenamento varia muito conforme o tempo de vida de cada
vinho. Nós temos um artigo que explica em detalhes esse tempo de vida e quais
são as características que compõem um vinho de guarda.
Para resumir, o vinho é colocado dentro da barrica
selecionada para adquirir sabores, tons e nuances. Essa transformação é
gradativa, podendo levar de meses até alguns anos. Alguns vinhos de guarda
especiais são armazenados por 24 anos em barricas de carvalho.
Por ser um processo demorado, os vinhos armazenados em
barricas de carvalho estão entre as bebidas mais requintadas que existem atualmente.
Deixando para trás até os famosos whiskys.
Blend e utilizações variadas
É claro que muitos produtores encontram suas próprias
maneiras de utilizar uma barrica de carvalho. Alguns gostam de fermentar o
vinho em um tipo específico para depois deixá-lo armazenado em outra barrica.
Já outros fazem verdadeiros blends entre diversas barricas,
garantindo com que cada uma delas dê ao vinho o teor exato das suas principais
qualidades. Começando uma produção em barricas de tostagem alta para dar ao
vinho sabor encorpado e depois armazenando ele em madeira menos agressiva.
Existem ainda os enólogos pouco experientes que se fazem
valer das barricas para “corrigir” erros no processo de fabricação de um vinho.
Uma vez que uma barrica bem construída e de madeira bem tratada garantem que o
sabor do vinho seja encorpado e receba teores agradáveis de tanino. A micro
oxigenação também é responsável por suavizar o vinho, o que para um produtor
inexperiente costuma ser o caminho certeiro.
Todos os vinhos
amadeirados foram produzidos em barricas de carvalho?
Essa é a parte onde nós teremos que falar o português bem
claro e talvez isso assuste um pouco o consumidor médio. Não, nem todos os
vinhos ditos amadeirados foram produzidos ou armazenados em barricas de
carvalho.
A tanoaria é um processo caro e complexo. Ou seja, barris de
carvalho são produtos caros, muitos produtores não possuem o dinheiro para esse
investimento. O que faz com que eles encontrem soluções.
Alguns produtores compram placas de carvalho (chamadas chips)
e deixam elas em contato com o vinho. Já outros preferem a utilização de lascas
que são misturadas à bebida e depois filtradas. Existe ainda um terceiro modo
que é a mistura de pó de carvalho ao vinho, esse material também será filtrado
depois.
Essas três maneiras de “amadeirar” um vinho são utilizadas no
mercado. A parte negativa é que ainda não existe nenhuma legislação que obrigue
o produtor a escrever no rótulo da bebida a forma como ele foi amadeirado. Se
foi estocado em carvalho ou através dos métodos “menos naturais”.
Outra má notícia está no fato de que tais práticas não deixam
traços marcantes na bebida. Apenas os especialistas mais experientes são
capazes de distinguir quando um vinho foi feito em barrica.
A única solução para evitar esse problema e comprar um
autêntico vinho em barrica é escolher um fornecedor de confiança e pesquisar
sempre sobre os rótulos e os produtores.
Contudo, é sempre bom lembrar que os vinhos processados dessa
maneira também têm o seu valor e todos eles passam por rigorosos controles de
qualidade em relação a filtragem da bebida. Ninguém corre o risco de tomar
vinho misturado com lascas de madeira.