sábado, 12 de fevereiro de 2022

Socalco Reserva tinto 2016

 

Nossa! Há quanto tempo eu não degustava um vinho de uma das mais emblemáticas regiões demarcadas do planeta: o Douro! O Douro que nasce, em termos vitivinícolas, no Rio Douro e que entrega os vinhos mais importantes do mundo: os vinhos do Porto.

O Douro é a região demarcada mais antiga, talvez a mais importante de Portugal, a mais badalada (embora eu ame o Alentejo) hoje me trará a alegria e o privilégio da degustação de um vinho depois de muito, muito tempo mesmo.

E o nome do vinho traz um tipo de solo construído pelas mãos humanas, a perfeita harmonização entre a natureza que promove que entrega, com perfeição, as cepas, com as adaptações do solo pelo homem, em uma manifestação sinérgica e singular.

O vinho que degustei e gostei traz a elegância típica da região, a complexidade garantida pelos seus 6 anos de vida, bem como o seu estágio em barricas que também entregou toda a estrutura e o refinamento ao rótulo: Falo do Socalco Reserva composto pelas castas Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz e a safra é 2016.

E claro quando falamos em Douro, quando falamos em Portugal temos a tipicidade das castas, o tão famoso apelo regionalista e esse blend ou como costuma dizer os lusitanos, essa mistura é a personificação do Douro: a combinação da Touriga Franca e a Touriga Nacional corroboram a força do terroir Duriense, bem como as pedras, os solos pedregosos é a cara, o DNA do Douro.

Então é claro antes de falar do vinho, vamos de história, vamos de conhecimento e falar do Douro e dos seus tipos de vinhas, de solos, que se entrelaçam. Falando de socalcos é falar do Douro, dos seus vinhos, do seu terroir.

O Douro e os seus solos

Nas encostas escarpadas, um rio banhava margens secas e inóspitas. Nele rolavam, noutros tempos, brilhantes pedrinhas que se descobriu serem d´ouro. Daí o nome dado a este rio: Douro. Aqui nasce a vinha e se produz o vinho, desde que os romanos, continuando e ampliando a ação nativa (moldavam os declives em socalcos) aproveitavam as povoações castrejas e dinamizavam o cultivo de cereais e da vinha nos terrenos de xisto, imprestáveis para outras culturas. Foram encontrados na região vestígios de lagares e vasilhames para vinhos do século III, chegando mesmo a estimar-se que a presença da uva na região remonta há cerca de 4 mil anos.

Ao longo da história do Vinho do Porto, diversas crises surgiram entre produtores e comerciantes, opostos pela questão do que era o genuíno Vinho do Porto. Em 1756, o Primeiro-ministro Marquês de Pombal interveio, demarcando, no território duriense, os terrenos mais propícios e as quintas mais dotadas para o plantio das castas produtoras do vinho do Douro, tendo sido esta a primeira Região demarcada do mundo, através do alvará régio de instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, de 10 de Setembro de 1756.

Marco Pombalino

A designação “do Porto” provém da armazenagem e comercialização, a partir do porto existente no estuário do rio Douro, entre a cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. O vinho era transportado ao longo do rio, pelos barcos rabelos, até aos armazéns de Vila Nova de Gaia, localização privilegiada pela proximidade do Atlântico e pelas suas reduzidas amplitudes térmicas, favorecendo o longo envelhecimento dos vinhos em cave.

Mas Muito antes de qualquer presidente, rei ou imperador, o Douro era uma terra sem governo, habitada por povos primitivos, os primeiros a deixar seus vestígios na região. As pinturas rupestres do Vale do Côa são do período Paleolítico, há cerca de 20 mil anos. A presença da uva no Douro remonta há 4 mil anos (século XX a.C.), tendo sido encontradas sementes de uvas carbonizadas em estações arqueológicas da região. Muitas das ruínas pré-romanas, como o Castro de Cidadelhe, em Mesão Frio, datam dessa época.

Com a chegada dos romanos, no século I d.C., a agricultura intensificou-se, algo possibilitado pela rede de estradas e pelas numerosas pontes que o Império construiu. A uva começou a adquirir maior importância, existindo vilas agrárias dedicadas exclusivamente à produção de vinho, como foi comprovado na estação arqueológica do Alto da Fonte do Milho, no Peso da Régua.

A região continuou sendo ocupada continuamente. A partir do século V as terras do Douro foram os suevos e visigodos, que acabaram por se unir e cristianizar. Seguiram-se então os muçulmanos, depois do século VIII. Isso só deixou de acontecer após a implantação do reino português, a 5 de outubro de 1143 pelo Tratado de Zamora, quando iniciou-se a construção da Sé de Lamego, sob a proteção de D. Afonso Henriques (1109-1185), o primeiro rei português, responsável pela independência deste país.

No século XIII, com a prosperidade comercial e econômica e ao transporte para o Porto através do rio Douro, a produção destes néctares continuou a se desenvolver. Em seguida veio o período das descobertas marítimas (séculos XV e XVI) e houve um aumento da circulação no rio, uma vez que as viagens requeriam grandes quantidades de vinhos fortes para saciar os marinheiros.

Entre os séculos XVII e XIX, a Inglaterra passa a ser o principal consumidor dos vinhos produzidos no Douro, o que resultou na assinatura do Tratado de Methuen, em 1703. Nesse tratado, o Reino Unido concedia direitos preferenciais aos vinhos portugueses, com a contrapartida de Portugal permitir a entrada livre dos tecidos britânicos no mercado nacional.

Estimulada pela procura inglesa crescente e preços altíssimos, a produção do Douro tenta se adaptar às novas exigências do mercado. Mas, como acontece sempre que a demanda é muito grande, o negócio rivaliza interesses, suscita fraudes e abusos. A qualidade dos vinhos cai por conta de misturas inadequadas. Assim, a partir de meados do século XVIII as exportações estagnam, enquanto a produção continua a crescer. Os preços caem e os ingleses decidem não mais comprar vinhos, acusando os produtores de promover adulterações.

Esta crise comercial conduzirá, por pressão dos interesses dos grandes vinhateiros do Douro junto ao governo do futuro Marquês de Pombal, à instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 10 de Setembro de 1756. Com ela busca-se assegurar a qualidade do produto, evitando adulterações, equilibrar a produção e o comércio e estabilizar os preços. Também nesta época acontece a demarcação de terras, criando-se a primeira região vinícola regulamentada do mundo. O Douro Vinhateiro é demarcado por 335 marcos de granito com a designação de Feitoria, designação que referendava o vinho da melhor qualidade, único que podia ser exportado para Inglaterra.

O século XIX, no Douro, foi marcado pelas doenças que se abateram sobre as vinhas, como o oídio e a filoxera, contribuindo para o desenvolvimento da viticultura na região, devido a inovações biológicas e químicas, como forma de evitar essas doenças. Ainda no mesmo século, iniciou-se a construção das linhas ferroviárias, que facilitaram a ligação entre o Porto e a fronteira da Espanha.

A paisagem atual da região do Douro, caracterizada pelos socalcos (plataformas cortadas nos morros), foi construída durante a década de 70, com a aplicação de novas técnicas de plantio da vinha, em patamares, com muros de xisto delimitando cada nível. Esta alteração da paisagem pela atividade humana contribuiu para que o Alto Douro Vinhateiro fosse considerado Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO, em 2001.

A Região Demarcada do Douro situa-se no nordeste de Portugal, na bacia hidrográfica do Douro e sua área é de 247.420 hectares, sendo que a vinha ocupa 43.608 hectares, sendo que somente 26.000 hectares estão autorizadas a produzir vinhos do Porto.

O rio que lhe deu o nome nasce no alto da Sierra de Urbion, no interior da Espanha e se estende por 640 quilómetros até o seu encontro com o oceano Atlântico, cruzando a Região do Douro de leste a oeste. As vinhas são plantadas nas encostas em declive de 35° a 70° de inclinação, erguendo-se sobre o rio Douro e seus afluentes Corgo,Tavora, Pinhão, Tua, Torto, Côa e Sabor.


Douro e seus afluentes

A serra do Marão, que se eleva a 1500 metros no extremo oeste da região, assinala a mudança dos planaltos saturados pelo ar úmido e frio do Atlântico para um clima mediterrâneo montanhoso, quente e seco.

Originando sempre produções muito pequenas, o solo também permite uma maior longevidade da vinha e uma qualidade muito elevada dos mostos devido à conservação de umidade, adquirindo as uvas um maior teor de açucares e cor.

A imensidão do xisto duriense é completada na sub-região do Douro Superior com aflorações graníticas e no Baixo Corgo, com alguns solos de aluvião, mais produtivos nesta sub-região.

Cerca de 95% de todo o Vinho do Porto é cultivado neste xisto. Como existe apenas uma camada muito fina de terra argilosa, as vinhas são plantadas partindo a pedra até uma profundidade de um metro, onde as fissuras no xisto permitem que as raízes cheguem até 21 metros em busca de água. O solo é muito ácido, devido a um nível alto de potássio, tem baixo nível de cálcio e magnésio, apresenta excesso de alumínio, o que é tóxico para as raízes.

O Terreno irregular, com altitudes, junto ao rio Douro que podem atingir entre os 60 e os 140 m, e noutras zonas atingindo mais de 1000 m e inclinações com mais de 30%, só podem ser preparadas para plantação através do nivelamento de socalcos ou terraços, com ferramentas de ferro pontiagudas ou dinamite e, mais recentemente, bulldozers e tratores.

Essas excepcionais adversidades tornam a Região Demarcada do Douro numa das regiões mais caras e difíceis de trabalhar do mundo, mas é nessa mesma adversidade que nasce um grande vinho.

O papel desempenhado pelo Homem foi fundamental na criação dos socalcos, que são uma característica de toda a região. Antes da crise filoxérica, praga que surgiu na região pela primeira vez em 1862, as plantações eram feitas em pequenos terraços irregulares (geios), com 1-2 filas de videiras, suportados por paredes de pedra. Os socalcos eram ‘ rasgados ‘ nas encostas, de baixo para cima, as paredes eram construídas com as pedras tiradas do terreno, a sua altura dependia da inclinação da parcela e a movimentação da terra para preparar o solo para a plantação era pequena. A densidade de plantação rondava as 3 000 – 3 500 plantas/ha. Estes pequenos terraços foram posteriormente abandonados e constituem hoje os designados ‘mortórios’.

Mortórios

Após a filoxera, foram feitos novos terraços, mais largos e inclinados, com ou sem paredes de suporte, permitindo maiores densidades de plantação (cerca de 6 000 plantas/ha). Surge também nesta altura a vinha plantada em declives naturais, segundo a inclinação do terreno. Nestes sistemas a mecanização é impossível pois não existem ou são escassas as estradas de acesso às vinhas e a inclinação lateral está associada a uma forte densidade de plantação. Este facto, traduzido pelos custos elevados que implica em termos de mão-de-obra, tem conduzido ao abandono gradual deste tipo de vinhas.

Socalcos

No fim dos anos 60 e início dos anos 70, um novo sistema surgiu na região. Trata-se dos patamares horizontais com taludes em terra, com 1-2 linhas de videiras e com densidades de plantação baixas, na ordem de 3 000 – 3 500 plantas/ha. Dado que necessita de parcelas de grande dimensão para a sua instalação, é um sistema que não está adequado a zonas de minifúndio.

Patamares

Mais recentemente, e como alternativa aos patamares, aparecem as vinhas plantadas segundo as linhas de maior declive do terreno (‘ Vinha ao Alto ‘). Com uma densidade de plantação semelhante à das vinhas tradicionais, na ordem das 4 500 – 5 000 plantas/ha, este sistema apresenta uma boa adaptação para pequenas parcelas, podendo ser o trabalho mecanizado pela utilização de guinchos ou, até declives na ordem dos 40%, por tracção direta, com tratores de rastos.

O micro-clima da Região Demarcada do Douro deve-se ao seu natural enquadramento, a norte com a serra do Alvão e a sul com a Serra de Montemuro, formando-se um anel com uma altitude média de 1000 m, que protegem os vinhedos dos ventos úmidos do Atlântico e frios do norte.

A alta qualidade dos vinhos da região está diretamente relacionada com as elevadas temperaturas do ar, moderada precipitação e substancial percentagem de insolação direta no solo, graças à exposição a sul das encostas: as videiras criadas junto à encosta do rio e afluentes sofrem uma incidência de raios solares propícia à boa maturação das uvas; os solos conservam menor umidade que em terrenos planos, adquirindo as uvas uma maior concentração de açucares e de cor.

A Região demarcada do Douro estende-se desde Barqueiros até Barca D Alva, quase na fronteira com Espanha, estando dividida em três sub-regiões naturalmente distintas, não só por fatores climáticos como também sócio – econômicos: a oeste o Baixo Corgo, no centro o Cima Corgo, coração da região demarcada do Douro, e a leste o Douro Superior.

O total das vinhas implantadas na Região demarcada do Douro é de 43.608 hectares, com a produção anual de 1,69 milhões de hectolitros, que corresponde a 26% da totalidade dos vinhos produzidos em Portugal.

Sub-regiões do Douro

A grande diversidade de castas existentes no Douro, adaptáveis a diferentes situações de clima, demonstra as excelentes condições para a cultura da vinha existentes na região. Portugal é um dos países do mundo com maior quantidade de castas autóctones (nativas) e, dentro de Portugal, o Douro é a região com maior diversidade.

São uvas que só se encontram em território português – pelo menos com os nomes que ali recebem. Entre as tintas, destacam-se Tinta Amarela, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional (a uva emblemática de Portugal) e Tinto Cão. As castas brancas predominantes são Malvasia Fina, Viosinho, Donzelinho e Gouveio.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, brilhante, com entornos violáceos, com lágrimas finas e de média persistência.

No nariz logo se percebe as notas de frutas vermelhas maduras como groselha e cereja, uma leve tosta, baunilha e um toque herbáceo, vegetal, de especiarias, diria também um discreto floral trazido pela Touriga Nacional.

Na boca traz certo protagonismo das frutas vermelhas maduras, como no aspecto olfativo, algo de adocicado, talvez especiarias doces, que faz dele suculento e até saboroso. Notas amadeiradas bem integradas, torrefação, café, graças aos 8 meses de passagem por barricas de carvalho, algo de pimenta, talvez. Taninos aveludados pelo tempo e acidez correta que ainda entrega algum frescor ao vinho. Final médio.

Um típico vinho do Douro, um reserva especial, um vinho que traz a marcante personalidade aliada a elegância, o refinamento conquistado devido aos seus seis anos de vida, bem como as suas mais fiéis características regionais, sim, é um típico vinho do Douro graças, sobretudo as suas castas, ao seu famoso blend, ao seu famoso corte com as “Tourigas” e a Tempranillo portuguesa, a Tinta Roriz. Um vinho redondo, versátil, gastronômico, saboroso, volumoso, mas equilibrado e intenso. A história escrita, assinada em seu rótulo entrega a tipicidade e o terroir do velho e eterno Douro. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Quinta do Gradil (Parras Wines):

A Parras Vinhos de Luís Vieira nasce no ano de 2010, atualmente com sede em Alcobaça, onde também está instalada a unidade de engarrafamento do grupo. Cinco anos depois, com a empresa consolidada e voltada para o mercado internacional, surge a necessidade de se fazer um reposicionamento de marca e “vesti-la” de outra forma, mais atual. É assim que no início de 2016 aparece a Parras Wines, mais jovem, mais flexível, e numa linguagem universal para que possa ser facilmente compreendida por todos, mesmo os que estão além-fronteiras.

Descendente de um pai e de um avô que sempre trabalharam com vinho, Luís Vieira é o único dono deste projeto. Aos cinco anos caiu num depósito de vinho e quase morreu afogado, não fosse um colaborador do avô na altura, que atualmente é seu, tê-lo salvo. Hoje, recorda com graça esse episódio e diz mesmo que simboliza o seu “batismo nestas andanças do vinho”. A empresa começa então a formar-se com terra própria na Região Vitivinícola de Lisboa, mais exatamente na freguesia do Vilar, Cadaval, com duzentos hectares de propriedade em extensão, sendo que 120 são hoje de vinha plantada.

Na mesma região do país, um bocadinho mais acima, na zona de Óbidos, a Parras Wines é também responsável pela exploração de 20 hectares de vinha que dão origem aos vinhos Casa das Gaeiras. Com sede em Alcobaça, nas antigas instalações de uma fábrica de faianças, deu-se início a uma nova área de negócio – uma Unidade de Engarrafamento de Bebidas, que hoje serve também de sede à Parras Wines e que se chama Goanvi. Cinco anos mais tarde, em 2010, constitui-se então a Parras Vinhos, hoje Parras Wines. Para além de terra na Região de Lisboa, o grupo começou paralelamente a produzir vinhos de outras regiões do país. Através de parcerias com produtores locais, a empresa consegue assim dar resposta às necessidades globais que iam surgindo do mercado, produzindo vinhos do Douro, Vinhos Verdes, Dão, Lisboa, Tejo, Península de Setúbal e Alentejo.

Mais informações acesse:

https://www.parras.wine/pt/

Referências:

“Enopira”: https://enopira.com.br/douro-2/

“Viva o Vinho”: https://www.vivaovinho.com.br/mundo-do-vinho/regioes-vinicolas/douro-produzindo-vinhos-ha-mais-de-2-mil-anos/

 





















sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Aurora Chardonnay Reserva 2018

 

Há um assunto recorrente e que, de alguma forma, gera certo burburinho por conta de polêmicas eventuais que surgem com cada questão levantada, que são os vinhos premiados ligados à qualidade.

Tem os prêmios de Suckling, de Parker, de grandes eventos e períodos oriundos de centros de excelência da vitivinicultura mundial que enaltece e coloca o vinho no pedestal, no apogeu de sua incontestável qualidade que faz deste um grande rótulo.

E daí os preços sobem a ponto de chegar ao ápice da ganância de cobrar verdadeiras fábulas monetárias para um vinho quando passa a ostentar um prêmio de conceituados formadores de opinião.

É claro que vinhos laureados com prêmios dados por especialistas merecem sim uma atenção e até mesmo um crédito pelos enófilos de plantão, mas sempre pensei, sempre compartilhei da opinião de que vinho não é medalha, tão pouco premiações e que a percepção tem de ser particular.

Degustamos vinhos e não prêmios e o vinho que não tem prêmio não significa que não seja bom. Mas são perspectivas de mercado, muita das vezes, e os prêmios são usados para catapultar as vendas, embora tenha o abuso dos revendedores quando super precificam alguns rótulos.

Mas não podemos negligenciar os prêmios e usá-los como um ponto, uma forma de fomento à escolha ou não em um momento de compra, por exemplo, de um rótulo. E Quando falo em não negligenciar os prêmios, não podemos fazer isso, de forma alguma, com os rótulos da Vinícola Cooperativa Aurora, uma das maiores empresas de vinhos do Brasil e do mundo que, além de fabricar, de produzir vinhos, produz dezenas, centenas de prêmios.

E os rótulos que ostentam os vinhos da Aurora não sofrem acréscimos nos seus valores, àqueles abusivos dos gananciosos. Praticam preços justos, entregando qualidade e tipicidade.

E quando eu falar de um vinho que degustei e gostei da Aurora, do seu preço, inicialmente, ficarão de queixo caído: R$ 29,90! Sim! Um valor de vinhos que, para muitos abastados aristocráticos, é valor de vinho “vagabundo”, que não presta sequer para cozinhar.

Falo do Aurora Chardonnay Reserva, brasileiro da região de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, na emblemática Serra Gaúcha, da safra 2018. Safra essa que serviu de ilustração do Guia 5StarWines – The Book, da Vinitaly, o maior evento de vinhos da Itália e que neste ano foi cancelado devido a pandemia. A avaliação dos vinhos, no entanto, foi reformulada e aconteceu seguindo às novas diretrizes de saúde e segurança estabelecidas para combater a propagação da covid-19.

As amostras foram enviadas aos juízes em seus respectivos países. As provas foram realizadas às cegas, por videoconferência. Os críticos pontuaram os vinhos e enviaram suas avaliações de forma remota, sob a supervisão de uma equipe sediada em Verona. O vinho da Aurora conquistou 90 pontos. Leia mais em: “Aurora Reserva Chardonnay é destaque em importante guia de vinhos na Itália”.

Mas antes de falar desse vinho, desse Chardonnay maravilhoso da Serra Gaúcha, falemos um pouco dessa região tradicional do Sul do Brasil que merece sempre linhas gerais que vai da história aos elogios incansáveis.

Serra Gaúcha

Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.

Serra Gaúcha

A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita, período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.

A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.

O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira. Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do Vale.

O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.

O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação de Origem Controlada) na região.

O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto, logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local. Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.

Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.

Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.

Bento Gonçalves

Em 1875 inicia a imigração italiana na Encosta Superior do Nordeste, originando as colônias de Dona Isabel, Conde D’Eu e Nova Palmira. A colônia de Dona Isabel originou a cidade de Bento Gonçalves. Conde D’Eu originou a cidade de Garibaldi. Nova Palmira se tornou a cidade de Caxias do Sul.

A Colônia Dona Isabel (Bento Gonçalves), criada em 1870, já era conhecida como “Região da Cruzinha” devido a uma cruz rústica cravada sobre a sepultura de um possível tropeiro ou traçador de lotes coloniais. Era época do escambo, da troca de mercadoria por mercadoria. A Colônia Dona Isabel sediava um pequeno comércio, no qual os tropeiros faziam paradas para descanso.

Bento Gonçalves antigo

Em 24 de dezembro de 1875, os núcleos do Planalto começaram a receber novos imigrantes. Em março de 1876, o Presidente do Estado José Antonio de Azevedo Castro anunciava a existência de 348 lotes medidos e demarcados e uma população de 790 pessoas, sendo 729 italianos. Os pioneiros, vindos do Tirol Austríaco e Vêneto chegaram à esplanada onde hoje está situada a Igreja Matriz Cristo Rei.

A troca, compra e venda de produtos era feita na sede da colônia, após longas caminhadas por estreitas picadas (trilhas abertas no meio da mata) demarcadas pelos próprios imigrantes. Entre os imigrantes havia ferreiros, sapateiros, marceneiros, alfaiates, carpinteiros, entre outros profissionais que estabeleceram seus negócios dentro de suas especialidades, atendendo às necessidades locais.

O surgimento das construções das casas, os instrumentos de trabalho e o mercado foram acompanhando o desenvolvimento de Colônia Dona Isabel e também as exigências que se apresentavam. Frente ao desenvolvimento, as condições das estradas foram melhorando e surgiram as primeiras carretas. Em cinco anos, houve um acréscimo de quatro mil habitantes, entre nascimentos e novos imigrantes.

Em 1881, inicia a abertura da primeira estrada de rodagem, ligando a Colônia Dona Isabel a São João de Montenegro (hoje Montenegro). O início do povoamento foi marcado por inúmeras dificuldades. Em 1877 a Colônia Dona Isabel sediava três casas comerciais, duas padarias, uma fábrica de chapéus e um total de 40 casas comerciais, que ofereciam serviços e produtos diversos em todo o território da colônia.

O desmembramento da Colônia Dona Isabel do município de Montenegro foi oficializado pelo ‘Acto’ 474, de 11 de outubro de 1890, assinado por Cândido Costa, o que constituiu o município de Bento Gonçalves. O nome foi dado em homenagem ao general Bento Gonçalves da Silva, chefe da Revolução Farroupilha, ocorrida no Rio Grande do Sul de 1835 a 1845.

Bento Gonçalves deu seu primeiro impulso de progresso com a vinda da agência do Banco Nacional do Comércio e Banco de Pelotas. Entre os anos de 1919 e 1927, foi feita a instalação da luz elétrica e da estação transformadora e da rede de distribuição. Na foto a raça Walter Galassi em 1922, quando era chamada de Praça Centenário. O local foi inaugurado durante as comemorações do centenário da independência do Brasil.

E 1924 foi fundado o Hospital Dr. Bartholomeu Tacchini. Na época o Dr. Barthomoleu Tacchini, médico vindo da Itália, era um dos principais médicos do Estado, com enorme prestígio especialmente junto à população de origem italiana. Em 1950, a população era de 22.600 habitantes. As principais atividades econômicas eram as do setor agrícola. Contudo, começaram a surgir várias indústrias, como de acordeões, laticínios, móveis, curtume, fábrica de sulfato e vinícolas.

Em 1967 Bento Gonçalves passa por uma grande transformação, considerada um marco histórico. Com a colaboração de dinâmicas lideranças e a ajuda de toda a comunidade, surge a I Fenavinho, a Festa Nacional do Vinho. O município foi visitado pela primeira vez por um Presidente da República, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco visitou Bento Gonçalves e a I Fenavinho no dia 25 de fevereiro de 1967. O principal produto e a força da economia de Bento Gonçalves foram divulgados em todo o Brasil, tornando a cidade conhecida nacional e internacionalmente. O município descobre a sua vocação para o turismo de negócios e começa a sediar eventos de grande porte.

A cidade de Bento Gonçalves é conhecida como a ‘Capital Brasileira da Uva e do Vinho’, é reconhecida pela força de sua economia e como um importante pólo industrial e turístico do sul do Brasil.

Além de ser uma cidade com perfil empreendedor e povo trabalhador, a cidade se destaca na área turístia. Atividades ligadas à área do enoturismo, turismo de negócios e de eventos oferece cada vez mais opções ao visitante. A cidade oferece uma diversidade de rotas turísticas . Os indicadores de desenvolvimento e renda da cidade colocam Bento Gonçalves em destaque no Estado e no país quanto à qualidade de vida.

A cidade de Bento Gonçalves é um polo moveleiro e vitivinícola conhecido nacional e internacionalmente. Dentro do segmento indústria, o setor moveleiro é a grande força da economia. No segmento turístico são inúmeros os atrativos ligados à uva e ao vinho, o que torna Bento Gonçalves uma cidade de visita obrigatória na conhecida Região Turística “Uva e Vinho” situado na Serra Gaúcha.

Bento Gonçalves é pioneira no Brasil no desenvolvimento do Enoturismo. A cada ano Bento Gonçalves vem se consolidando como destino turístico nacional. O Vale dos Vinhedos é o principal destino enoturístico do Brasil, sendo o roteiro mais visitado desde 2008. Foi a primeira região do país reconhecida como Indicação Geográfica, obtendo para seus produtos a Indicação de Procedência, e a seguir a Denominação de Origem ‘Vale dos Vinhedos’ para os vinhos e espumantes ali produzidos. O Vale dos Vinhedos integra oficialmente o patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio Grande do Sul desde 29 de junho de 2012 (Projeto de Lei 44/2012).

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo tom amarelo brilhante tendendo para o dourado e reflexos esverdeados, além de algumas finas lágrimas em pequena intensidade.

No nariz explode em aromas frutados, com frutas de polpa branca e cítricas, tais como maçã-verde, pera, maracujá e abacaxi.

Na boca tem média estrutura, graças ao seu sabor amanteigado, um toque untuoso que traz um bom volume de boca e com discretas notas tostadas, de baunilha, graças aos 3 meses de passagem por barricas de carvalho em pleno equilíbrio com o frutado com uma acidez correta que atenua seu frescor. Final longo!

Prêmios, reconhecimento, qualidade, preços justos! Todos esses predicados são inerentes ao Aurora Reserva Chardonnay 2018, mas, mais importante ainda é o deleite sensorial que esse vinho me provocou! Foi de fato um arrebatamento aos meus sentidos esse Chardonnay brasileiro. Aos Chardonnays brasileiros que vêm entregando, de forma indelével, maravilhas. Mas esse Chardonnay da Aurora traz uma intensidade de aromas e sabores frutados, de amanteigado, de untuosidade, de tosta graças ao curto tempo de passagem por barricas de carvalho, dando-lhe arrojo, certa complexidade e versatilidade. Um grande vinho, antes de qualquer prêmio! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Cooperativa Aurora:

A Vinícola Aurora é um sonho compartilhado por imigrantes que enfrentaram os mais diversos problemas quando chegaram ao Rio Grande do Sul. Com a veia colaborativa, a empresa cresceu e se tornou um dos expoentes do vinho gaúcho. A história da cooperativa começou em 1931, quando famílias de produtores de uvas do município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, com pouco dinheiro, mas com muita vontade de prosperar, reuniram-se para lançar a pedra fundamental da empresa.

Na primeira colheita, foram contabilizados 317 mil quilos de uva. Hoje, quase 85 anos depois, a empresa processa mais 60 toneladas da fruta e tem 1.100 famílias associadas. A biografia da Aurora, desde as suas raízes, é permeada por números de sucesso. No cerne da vinícola há solidariedade entre os pares, se no início do século os imigrantes italianos se uniram para produzir com maior força e formar uma rede de ajuda mútua, hoje, não é diferente. É nesse universo, da produção em sociedade, que a Revista Sabores adentra para desmitificar as oito décadas da empresa.

No Centro de Bento Gonçalves, local que abriga a histórica Cantina da empresa. De longe é possível ver a grande movimentação, não só de trabalhadores de vinícola, mas, principalmente, de turistas. Pioneira em abrir as portas aos visitantes, a cada ano, a Aurora recebe 150 mil pessoas em suas instalações. É uma multidão de curiosos querendo saber como são produzidos os 232 rótulos da empresa.

Ao percorrer os corredores da vinícola, o visitante conhece em detalhes todas as etapas para a elaboração de um vinho. Desde as esteiras que recebem as uvas na época de colheita, até as pipas gigantes com mais de 50 anos de uso. Não só os produtos alcoólicos que movimentam a cooperativa. A linha de produção ainda tem coolers e suco de uvas. O suco da marca Casa de Bento, produzido pela vinícola, é um dos mais vendidos da empresa. Do total de uvas processadas, 60% viram suco.

Hoje, bem no coração de Bento Gonçalves, a Vinícola Aurora é a maior do Brasil. Mais de 1.100 famílias se associaram à cooperativa, sendo a produção orientada por técnicos que, diariamente, estão em contato com o produtor – fornecendo toda a assistência necessária. A equipe técnica se responsabiliza pelo acompanhamento permanente do processo industrial e pela qualidade final dos produtos, sempre com a atenção voltada para o desenvolvimento de uma tecnologia de ponta.

A conquista da posição que ocupa há mais de duas décadas foi possível graças à constante modernização de seu parque industrial, à alta tecnologia de suas unidades e aos rigorosos padrões exigidos nos processos de produção. O cuidado extremo com a rotina produtiva, observado a partir da plantação das mudas ao engarrafamento do produto, faz parte da receita de crescimento constante do empreendimento durante todos esses anos.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolaaurora.com.br/br

Referências:

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/os-segredos-da-merlot-cepa-mais-consistente-da-serra-gaucha_10653.html

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA

“Bento Tur”: https://bento.tur.br/nossa-historia-bento-goncalves/


 

 

 

 













sábado, 5 de fevereiro de 2022

Peruzzo Cabernet Sauvignon 2012

 

O que faz de um vinho especial? Nossa! Uma pergunta como essa, embora construída de uma forma simples e direta, requer uma reflexão muito apurada e detalhada em várias questões que passa por situações mercadológicas a sentimentais.

É tudo muito relativo! Um vinho pode ser especial da forma que lhe convém. O preço pode ser um peso, o momento pode ser um peso, um produtor que aprecia, uma casta que nunca degustou, uma região que não conhecia, a companhia, uma pessoa amada, especial. São tantas as expectativas que você imprime em um vinho que o torna especial.

A impressão que tenho é de que nada parece ser palpável, pois, apesar de valores, de rótulos emblemáticos que, em tese, pode fazer de um vinho especial, tudo é carregado de sentimentos e sentimento não se mensura, se sente, se vive.

E o que é especial, sobretudo no vasto universo dos vinhos, vai se adquirindo ao longo de sua trajetória nele. O que tem me proporcionado grandes e inesquecíveis momentos no vinho atualmente são os rótulos de guarda, os vinhos com vocação de guarda, os famosos vinhos velhos.

Já é um privilégio degusta-los pelo fato de ser certa “idade”. É tão raro degustar vinhos com essa proposta levando em conta de um cenário majoritariamente marcado por vinhos jovens, produzidos para serem degustados logo, os famosos “frutados”. E quando você degusta um vinho de idade brasileiro, o privilégio para aumentar, ganhar em representatividade.

E o vinho desta tradicional noite de sábado é, diria, especial, único. Um vinho que achei de forma totalmente inesperada e pouco planejada, talvez dessa forma seja melhor, sabe? Navegando pela internet, entre uma procura e outra, fui redirecionado para um link que mostrava um Cabernet Sauvignon da grande Campanha Gaúcha, que cresce e cresce a olhos e rótulos vistos, que neste ano completou 10 anos de idade, isso mesmo, uma década de garrafa!

Um Cabernet Sauvignon brasileiro que para alguns não tem caráter, não tem personalidade, que não expressa as características da cepa, as mais fiéis, entregou, não somente a fidelidade das características da casta, mas que passou incólume, vivo e pleno por 10 anos! Pois é, acho que precisamos rever os nossos conceitos de Cabernet Sauvignon do Brasil, sobretudo da Campanha Gaúcha.

E falando em conceito, já que mencionamos no sentimento, no estado de espírito que define o que é especial, não posso deixar de dizer, com todas as forças, de que o vinho que degustei e gostei veio, claro, da Campanha Gaúcha, no Brasil, e que se chama Peruzzo Cabernet Sauvignon da safra 2012.

E ainda no quesito “especial”, ainda tem a importância de se degustar um vinho de um pequeno/médio produtor que sim, precisamos valorizar e incentivar seu crescimento degustando seus vinhos. Há sim rótulos especiais e bem elaborados de pequenos e médios produtores. E a “corrente” que me levou a esse vinho foi a compra da mesma linha, só que o Cabernet Franc que também goza de certa idade, 2013, mas essa será alvo de uma nova história em breve. E por falar em história, antes de falar do Peruzzo Cabernet Sauvignon, vamos um pouco de história da Campanha Gaúcha.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

Campanha Gaúcha

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.

E agora finalmente o vinho!

Na taça entrega um vermelho rubi intenso, quase escuro, com bordas atijoladas denunciando seu tempo de vida, com lágrimas grossas, lentas e em grande intensidade.

No nariz explode os aromas terciários! Frutas pretas e secas são sentidas, tais como ameixa, amora, cereja negra e noz, com notas terrosas e de baunilha, talvez pela complexidade ou ainda pelos 3 meses de passagem por madeira (50% do lote).

Na boca é um vinho macio e elegante, o tempo foi generoso para com o vinho, porém entrega personalidade, sobretudo pela sua complexidade, enfim, revela-se equilibrado. A fruta preta madura se faz presente, notas ligeiramente amadeiradas, toques de chocolate, taninos maduros, mas polidos, acidez discreta e um final médio.

O conceito de vinho especial pode gerar discussões e reflexões complexas e repletas de detalhe, mas se torna simples quando o líquido inunda a taça e arrebata as novas experiências sensoriais. Essa é a parte palpável, o sentimento de deleite e prazer que se materializa, o que a gente mais espera, porque torna-se fácil definir tais conceitos e ele é somente nosso, o que é especial. O Peruzzo Cabernet Sauvignon 2012, no auge dos seus 10 anos de vida, revelou as características da casta, mas também de um vinho nesse estágio da vida: taninos macios, elegantes, embora apresente uma acidez discreta, mas que não impede a sua plenitude, é complexo, com alguma estrutura. Um vinho de caráter, de expressividade, vivo e audacioso. Que possamos nos permitir viver e degustar rótulos como esse, que “provoque” todos os nossos sentidos e nos proporcione prazer e nos coloque em um estágio de privilégio. Isso é ser especial. Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Peruzzo:

Motivados por um desejo antigo de produzir vinhos, associado com as oportunidades e perspectivas que a Região da Campanha oferece no mundo dos vinhos, a família Peruzzo, com muito entusiasmo decidiu investir no cultivo de uvas viníferas em sua propriedade localizada no município de Bagé/RS.

As primeiras videiras foram plantadas em 2003, provenientes de mudas importadas de renomados viveiristas da França, Itália e Portugal. A vinícola foi inaugurada em 2008, com um processo de elaboração que incorpora modernas tecnologias.

Sua cave, localizada no subsolo da cantina, garante que os espumantes e vinhos amadureçam sob temperaturas constantes próximas dos 18 a 20º C. Além da produção de Vinhos, a propriedade da família Peruzzo também se dedica a criação de Ovinos e Bovinos.

Com muito entusiasmo, alegria e dedicação, a Vinícola Peruzzo trabalha na arte de criar seus vinhos e espumantes para fazer parte de momentos alegres, descontraídos, únicos e marcantes na vida de seus clientes.

Mais informações acesse:

https://www.vinicolaperuzzo.com.br/

Referências:

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/

 

 

 







sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Zanotto Gewürztraminer 2019

 

Algumas novidades giram em torno desse rótulo que degustarei hoje. É simplesmente uma maravilha quando a degustação, que já é um prazer à parte, vem recheada de novidades, afinal não podemos, diante de um universo tão vasto e ainda inexplorado como o do vinho, nos dar ao luxo de sustentar uma temível “zona de conforto”.

Primeiramente começa pelo produtor, pela vinícola. Eles são conhecidos por um vinho de mesa, talvez um dos mais vendidos atualmente chamado “Pérgola”. Jamais em pensei que seu produtor estava produzindo vinhos de castas vitis viníferas, e o que é melhor: despontando com alguns de seus rótulos ganhando credibilidade e prêmios.

Eu os conheci de forma totalmente despretensiosa em uma das minhas já famosas incursões aos supermercados, onde avistei um de seus rótulos, mas de início não os associei ao “dono do Pérgola”, para mim era mais um vinho que havia me interessado, afinal os valores também estavam competitivos, interessantes.

Estava observando os rótulos quando, mais detalhadamente, avistei o branco deste produtor e fiquei abismado com que vi: era um Gewürztraminer! Sim! Uma casta que não é muito difundida no Brasil apesar de ser relativamente conhecida por aqui e muito popular em países como Alemanha e Chile. E falando em Chile eu recomendo o da linha Adobe, dos vinhos orgânicos da Emiliana Vineyards, o Adobe Gewürztraminer!

Eu pensei já tomado pela animação mesclado à surpresa, nunca pensei encontrar um Gewürztraminer produzido no Brasil e melhor na região de Campos de Cima da Serra, que também vem despontando como uma das novas grandes vitrines da produção vitivinícola no Brasil com grandes vinhos.

Inclusive degustei alguns vinhos dessas bandas e recomendo o Fazenda Santa Rita Pinot Noir 2019. Mas esse Gewürztraminer seria meu mais novo investimento e o valor, como disse, estava competitivo, em torno dos R$ 45,00!

Levei comigo o vinho! Tantas novidades e alguns motivos, mais do que fortes, para degusta-lo. Demorei um pouco para abri-lo, ficou um tempo na adega, mas agora não há como esperar e a ansiedade teria um fim, com o início de sua degustação. A rolha se desprendeu, o aroma do vinho tentando se manifestar, emanando e provocando os meus sentidos.

E...voilá! Que vinho delicioso! O aroma desbanca e arrebata, a cor é linda!  O vinho que degustei e gostei veio da região brasileira de Campos de Cima da Serra, do Rio Grande do Sul, e se chama Zanotto da casta Gewürztraminer (100%) da safra 2019. Antes de tecer maiores e detalhados comentários do vinho falemos da região e da casta ainda não muito consumida em nossas terras.

Campos de Cima da Serra

Por muito tempo, a região dos Campos de Cima da Serra ficou à sombra da Serra Gaúcha. A predominância do cultivo de variedades híbridas e o clima frio e ventoso eram encarados como entraves para o desenvolvimento de grandes vinhedos. Atualmente, no entanto, o cenário é o oposto. A baixa temperatura e a incidência constante do vento foram transformadas em diferenciais, pois propiciam uma maturação mais longa e condições para que as uvas viníferas apresentem excelente sanidade. As iniciativas de empresários que se aventuraram em elaborar vinhos na região foram recompensadas com grandes rótulos, hoje nacionalmente conhecidos por sua qualidade.

A Vitivinicultura na região dos Campos de Cima da Serra é recente, iniciou com pesquisas realizadas pela Embrapa Uva e Vinho, que desde 2004 conduz experimentos nas áreas de viticultura e enologia na região, tem indicado condições favoráveis devido ao solo e o clima. Ainda em fase de crescimento, destacam-se municípios como Campestre da Serra, Monte Alegre dos Campos, Ipê e Vacaria. Até então, o que víamos eram esplêndidas maçãs, sobretudo plantadas em Vacaria: "maçãs da Serra Gaúcha para a sua mesa!", um slogan bem conhecido localmente.

Campos de Cima da Serra ao norte

Naturalmente tem naquelas terras, devido ao fato de ser um pouco mais frio, um terreno propício para ciclos vegetativos mais longos e aos vinhos com menor teor alcoólico, acidez mais alta e boa estabilidade de cor e bom perfil aromático (os dois últimos graças à boa amplitude térmica).

Recordando a teoria: a cada 100 metros de altitude a temperatura média decresce em torno de 0,5 graus e corresponde a um retardo de 2-3 dias no período de crescimento da planta. Isso, comparativamente, coloca a região de Campos de Cima mais próxima de um clima de Bordeaux, ao contrário da Serra Gaúcha. Mas, há uma boa insolação sem dúvidas! Aliás, turisticamente, dali pode-se iniciar, rumo ao litoral, a conhecida "Rota do Sol"!

Como os ciclos da planta são longos, há colheitas de uvas tardias como a Cabernet Sauvignon no mês de abril, fato que traduz uma maturação lenta e que associada à já citada amplitude térmica (com variações de 15 graus em média, entre dia-noite) propicia vinhos mais harmônicos, com bom equilíbrio geral entre corpo-álcool-acidez.

Dentre as uvas principais temos as tintas Ancelotta, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Tannat e Pinot Noir. Esta última, tem tido bom destaque, sobretudo no munícipio de Muitos Capões. As brancas mais cultivadas são Chardonnay, Moscato Branco, Glera (Prosecco), Trebbiano e a de melhor potencial de qualidade, a Viognier.

As videiras estão situadas principalmente em três municípios: Vacaria, Muitos Capões e Monte Alegre dos Campos. As uvas Pinot Noir e Chardonnay (uvas utilizadas na elaboração de espumantes) são muito cultivadas na região que apresenta clima temperado, com boa amplitude térmica. Por conta das baixas temperaturas, as videiras têm um ciclo vegetativo mais longo, brotam mais tarde. Consequentemente, a colheita é mais tardia, quase no início do outono.

Pode-se resumir que a região de Campos de Cima da Serra aporta e acrescenta um toque a mais de sutilezas climáticas, permitindo a diversificação de estilos de vinhos do Rio Grande do Sul como um todo e, por sua bela paisagem natural, pode se tornar um novo polo turístico, a contrapartida lúdica no trabalho de informação e educação sobre vinhos aos consumidores.

Gewürztraminer, a casta aromática

A inconfundível casta Gewürztraminer é uma uva de aroma peculiar, que lembra lichia, rosas, manga e pode ser bastante apimentada. A origem do nome da casta é ainda muito discutida, para alguns estudiosos do mundo do vinho, o prefixo “gewürz” (especiaria em alemão), faz referência a grande variedade de aromas encontrados nos vinhos elaborados a partir da casta, já para alguns degustadores, o nome foi dado a cepa por conta de suas características bastante marcantes, o aroma e perfume que denota aos vinhos brancos.

A origem da uva Gewürztraminer ainda é passível de dúvidas. A teoria mais provável é que a cepa tenha se originado na Itália, no vilarejo de Traminer, entretanto, há suposições de que a casta tenha parentesco com a cepa Amineada Thessalia e tenha se originado ao norte da Grécia. Apesar de ser cultivada em países do Novo Mundo, Chile, Austrália, Estados Unidos e Nova Zelândia, a cepa obtém bastante sucesso nos vinhedos da Europa, sendo as da região da Alsácia (França) e de Pfalz (Alemanha) as melhores uvas da casta.

Com características físicas e sabores bastante marcantes, a uva Gewürztraminer é utilizada na elaboração de vinhos bastante diferentes entre si, a cepa pode originar vinhos que vão de brancos secos e bem encorpados até maravilhosos e doces vinhos de sobremesa. A uva Gewürztraminer possui difícil cultivo e por isso baixos rendimentos. Os vinhos elaborados com a casta possuem coloração intensa que varia entre um amarelo bem escuro e dourado com presença de acidez bastante delicada, característica que contribui para que a maioria dos exemplarem seja apreciada enquanto jovens. Muito dos rótulos elaborados na Alsácia Francesa possui maior taxa de acidez, podendo assim, os vinhos serem degustados com maior tempo de envelhecimento.

Possuindo aspecto aromático bastante elevado, os vinhos brancos secos elaborados com a cepa Gewürztraminer acompanham e harmonizam excelentemente bem com pratos que possuam bastante presença de condimentos, destacando-se a gastronomia tailandesa, chinesa e indiana. Já as versões mais adocicadas de vinhos brancos originários da casta, contrastam e criam um inesquecível sabor no paladar quando degustados juntamente com sobremesas que possuam frutas como base.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo com tons esverdeados, translúcido, límpido, mas brilhante, reluzente.

No nariz explodem aromas de frutas de polpas brancas como abacaxi, pera, maçã-verde, pêssego, maracujá e um discreto toque cítrico, com notas delicadas, mas evidentes de flores brancas.

Na boca tem estrutura leve para média, com as notas frutadas também em destaque como no aspecto olfativo. A acidez é equilibrada com um dulçor em pleno equilíbrio, que faz do vinho delicado e elegante. Tem um bom volume de boca, diria algo de untuosidade e um consequente final prolongado de retrogosto frutado.

Gratas novidades, novas experiências! A comprovação de que os vinhos brasileiros estão arrojados e expressivos, com tipicidade, respeitando o seu terroir. Ousando com castas que jamais vi produzir por aqui. A Gewürztraminer definitivamente me ganhou por completo. Preciso degustar mais dela. E o que dizer da linha Zanotto? Ótimo! Não se enganem não se limita, com o devido respeito, aos da linha “Pérgola”, é muito mais que isso! E não se enganem também que a tendência é mais do que positiva para o futuro deste produtor e seus rótulos e essa visibilidade inaugural é só o começo. Um vinho frutado, frutas brancas, uma explosão de aromas frutados, o destaque dessa casta, um toque cítrico mesclado a uma boa acidez que saliva. Um belo vinho que entregou além do que valeu e trouxe a refrescância tão necessária nos dias atuais de verão brasileiro. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Campestre:

Fundada há meio século, a Vinícola Campestre é uma empresa familiar empenhada em elaborar vinhos, sucos, coolers e espumantes de qualidade diferenciada. Esta constante meta é a pauta do aprendizado e do respeito a arte milenar de transformar o fruto em vida, pois o vinho, para a vinícola, é cultura, ciência e, é uma bebida que tem a magia de reunir pessoas, provocar conversas inteligentes e acima de tudo, cultivar amigos.

Métodos enológicos e tecnologia são nossos aliados na vinificação. Buscando cada vez mais satisfazer o consumidor com produtos naturais e com sabor e características da serra gaúcha. Os vinhos da Campestre conduzem a diferentes emoções; olfato e paladar, delicados toques de frutas vermelhas, cassis, mel e flores. Toda esta arte de transformação, é uma declaração muito firme, de amor e respeito ao produto e aos apreciadores.

Mais informações acesse:

https://www.vinicolacampestre.com.br/

Referências:

“Cafeviagem”: https://cafeviagem.com/vinhos-de-campos-de-cima-da-serra/

“ABS-SP”: https://www.abs-sp.com.br/noticias/n144/c/vinhos-do-brasil-parte-iv-campos-de-cima-da-serra

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/gewurztraminer