sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Chateau Saint Pons de Mauchiens Neratius Syrah e Grenache 2018

 

Sempre ouvi, por parte dos “influenciadores” do universo do vinho, que os rótulos franceses, sobretudo de sua mais emblemática e famosa região, Bordeaux, para serem bons, de qualidade, precisam ser caros.

Como sou um homem de extrema humildade e, diante da enorme sapiência desses especialistas, prefiro não entrar nos pormenores, embora acredite piamente que é possível sim, degustar bons rótulos desse país, com preços mais convidativos para a maioria da população brasileira.

Mas convivi com essa “máxima” durante muitos anos, degustando pouquíssimos rótulos franceses, principalmente no período em que estava começando a adentrar no vasto universo do vinho em que não tinha, digamos, maturado, a percepção de que qualidade não precisa andar de mãos dadas com dinheiro, muito dinheiro.

Afinal essa é uma visão míope e arrogante de que vinho bom é vinho caro, porque para alguns aristocratas do vinho, tal bebida serve para ditar regras de etiqueta social. E poucos rótulos deixei de degustar, por um longo tempo, principalmente de Bordeaux, por conta dessa situação.

Então com o passar dos tempos e com o desbravar de informações que desmistificasse tal “máxima” busquei rótulos de Bordeaux com ótimos preços e que pudesse me trazer um retorno satisfatório no que tange à degustação.

Mas com isso descobri outra região da França muito importante para a viticultura local e que atualmente é uma das maiores produtoras de vinho por volume deste país e que, ao longo dos anos, vem se notabilizando, crescendo em qualidade. Falo do Languedoc-Roussillon.

Percebi valores extremamente atraentes e rótulos surpreendentemente bons! Fui degustando rótulo por rótulo e gostando de cada um, independente da proposta e da casta. O último inclusive, foi maravilhosa a degustação, o Antodie, um varietal da Viognier, da safra 2020.

E como o interesse foi crescendo cada vez mais, nada mais natural do que garimpar novos rótulos, ter novas experiências e, mais uma vez, me vi enamorado por outro rótulo que descobri e que, para variar, me surpreendeu positivamente. O vinho que degustei e gostei veio, claro, do Languedoc-Roussillon, e se chama Neratius, composto por um blend tradicional da região, Grenache e Syrah, da safra 2018.

Château Saint Pons de Mauchiens

O Château Saint Pons de Mauchiens não é apenas uma vinícola, é uma ode à majestosidade do vinho francês, situada na venerada região vinícola de Languedoc-Roussillon.

Esta região é um verdadeiro tesouro para os apreciadores de vinho, uma tapeçaria de vinhedos que criam as mais divinas bebidas, como o excepcionalmente rico e complexo Neratius.

Languedoc-Roussillon

Languedoc-Roussillon é uma região francesa localizada na costa do país. Ela faz fronteira com a Espanha e é também chamada apenas de Languedoc. Na Idade Média, os povos que ocupavam o território da França atual tinham duas maneiras de dizer "sim": os do Norte diziam "oïl" e os do Sul diziam "oc".

Dessa forma, o Norte era conhecido como a terra da Língua do Oïl e, o Sul, a terra da Língua do Oc ("Langue d'Oc"). Esse segundo nome persistiu e o território mediterrâneo entre Perpignan e Montpellier, no sul da França, incluindo Narbonne e Carcassone, é até hoje denominado Languedoc.

Languedoc-Roussillon

Durante séculos essa região ensolarada, voltada em forma de anfiteatro para o Mar Mediterrâneo, dedicou-se à produção de volumes enormes de vinhos de mesa populares e baratos, os quais eram servidos em copos, nos bares, ou em jarras de vidro ("pichés"), nos restaurantes franceses, a preço de banana.

Até recentemente, nos anos 1970 e início dos 1980, o Languedoc ainda produzia, na maior parte, vinhos propostos para o consumo massivo. Do ponto de vista vitivinícola, isso era impulsionado pela facilidade com que a uva Carignan, que não se inclui entre as melhores, é cultivada e amadurece nas planícies quentes do anfiteatro mediterrâneo. Ela ocupava grande área de cultivo e sua utilização não conhecia limites.

O prestígio veio depois, por volta dos anos 1980, quando os produtores elevaram a qualidade, chegando a exemplares de tipos variados, com destaque para tintos frutados e robustos, com excelente relação custo e benefício, o melhor da França.

No entanto, passados mais de trinta anos, poucas regiões vinícolas do mundo são tão excitantes para vinhos tintos robustos e frutados a preços convidativos como o Languedoc. Nesse período, vinicultores pioneiros ajudaram a elevar a qualidade para novos níveis. As uvas Syrah, Grenache e Mourvèdre ocuparam o lugar da Carignan e a procura pela qualidade reduziu a primazia dos vinhos populares.

Um cauteloso processo de subdivisão de Languedoc-Roussillon em terroirs reconhecidamente distintos está em andamento há alguns anos, originando as apelações Clairette du Languedoc, La Clape, Picpoul de Pinet, entre outras. Algumas encontram-se bem estabelecidas, com anos de certificação, outras estão conquistando aos poucos seus espaços perante o mundo do vinho.

As cidades de maior destaque do Languedoc são Nîmes, Montpellier, Sète e Bézier e as do Roussillon são Narbonne, Carcassone, Minervois, Saint-Hilaire e Limoux. Essas duas regiões produzem principalmente vinhos tintos, seguidos dos brancos espumantes, brancos doces, brancos tranquilos secos e rosés.

Tradicionalmente, a Carignan é a uva de destaque, mas atualmente muitas outras têm brilhado. Grenache, Mourvèdre, Syrah, Merlot, Cinsault e Cabernet Sauvignon, entres as tintas. Picpoul, Muscat, Maccabéo, Clairette, Rollet, Bouboulenc, Sauvignon Blanc, Viognier, Marsanne e Chardonnay, entre as brancas.

Por causa da boa adaptação de uma grande diversidade de uvas, há uma produção muito variada por lá. Os tintos Vin de Pays d’Oc são deliciosos e cheios de tipicidade. Os brancos são impressionantes, dos secos aos doces. Sem falar do precioso espumante Crémant de Limoux, de estilo similar ao champanhe.

Com exceção do seu extremo oeste, que tem alguma influência atlântica, o clima da região é essencialmente mediterrâneo, com chuvas escassas (geralmente caem em temporais localizados) e verões muito quentes. O maior problema para a viticultura é a seca. O Roussillon é a região mais ensolarada da França, com 325 dias de sol no ano e com os ventos quentes que no verão aceleram a maturação das uvas.

O solo da maior parte da região é do tipo aluvial, exceção feita das partes mais ao norte, afastadas do litoral, e mais a oeste, próxima aos Pirineus, onde os vinhedos estão a altitudes maiores e repousam em solos variados como cascalhoso com seixos, xistoso, arenoso e de pedra calcária.

A virada

No período de 1982 a 1993, sub-regiões como Faugères, Minervois e Limoux enquadram-se como Denominação de Origem Controlada. Corbières, o vinhedo mais amplo da França Meridional, corre atrás com tintos apimentados da Grenache.

Como a quantidade - mais que a qualidade - era a premissa para a maioria dos produtores, isso se constituiu em uma virada no mundo dos vinhos franceses. A melhoria começa timidamente com a vinícola Fortant de France, do empreendedor Robert Skalli. Ele desvia-se da tradição local voltando-se para varietais de Cabernet Sauvignon, Viognier e Chardonnay, mas limita-se a enquadrar seus produtos sob a denominação Vin de Pays d'Oc (vinho regional).

Para encontrar os melhores tintos temos que nos voltar para os terrenos mais elevados. Isso significa, principalmente, os Côteaux du Languedoc, que contam, por sua vez, com diversas subregiões na zona de colinas entre a planície costeira e o Maciço Central. Os melhores tintos do Coteaux são cortes com base na Syrah e na Mourvedre. Propriedades emergentes, como os Châteaux la Roque, de Flaugergues e Puydeval despontam internacionalmente e são recomendados nos EUA, em 2003, pela Wine Spectator.

Outras, com nomes pouco divulgados até então como, por exemplo, os Domaines d'Aupilhac, Magellan e St. Martin de la Garrigue recebem tratamento semelhante. Os vinhos de Gerard Bertrand recebem da revista americana pontuações acima de noventa na sua escala de zero a cem.

A descoberta do Languedoc na Califórnia chega a ponto de Robert Mondavi tentar instalar-se com uma vinícola na região na cidade de Aniane. A prefeitura local socialista, entretanto, rechaça essa possibilidade e não autoriza o empreendimento. No local, instala-se a Maison Nicolas.

Futuras gerações

De modo geral, pode-se confiar de forma consistente em que os tintos contemporâneos do Languedoc, Corbières, Coteaux du Languedoc, Fitou etc, são vinhos equilibrados, potentes e que seu frutado não se deixa suplantar por aromas amadeirados.

Tendo rompido com o passado, a possibilidade do Languedoc de elaborar vinhos de qualidade ainda mais elevada, reconhecidos internacionalmente, dependerá da dedicação da nova geração de vinhateiros ao se expandir pela diversidade de terroirs da região.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um rubi escuro, pouco translúcido, diria, com entornos granada, com lágrimas finas, espaçadas e lentas.

No nariz traz um aroma expressivo de frutas vermelhas e pretas maduras, algo de floral, de violeta, com notas picantes, as especiarias que a Syrah traz, como pimenta, por exemplo, com evidentes aromas terrosos, de terra molhada mesmo, além de couro e talvez tabaco.

Na boca é redondo, aveludado, mas traz alguma intensidade, arriscaria complexidade no paladar, um tanto quanto rústico, com as notas frutadas em profusão, com a terra molhada protagonizando, as especiarias, a pimenta, pimenta preta, com taninos presentes, mas domados pelos seus cinco anos de garrafa, com acidez correta e um final de média persistência.

Cada gole é uma experiência que envolve todos os seus sentidos, uma dança elegante de sabores que definitivamente clama por mais e mais. E o que torna este vinho ainda mais atraente e instigante é que ele vem de uma edição limitada, tornando cada garrafa especial nas degustações. Mais uma vez o Languedoc se revela um primor para os sentidos! Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a vinícola Les Vignerons de la Vicomté

O ambicioso projeto ecoagronômico, “Les Vignerons de la Vicomté”, surgiu em 2014 como parte de uma iniciativa maior denominada “Viticultura, Biodiversidade e Qualidade da Água na região de Hérault”. Inicialmente, a liderança do projeto foi conduzida pela Federação IGP Hérault, passando em 2016 para as mãos da Câmara de Agricultura.

Com foco em dois principais pilares, a “Les Vignerons de la Vicomté” se dedica a:

1-      Promover o uso de técnicas que diminuam a dependência de insumos, principalmente herbicidas, entre os cooperados.

2-      Encorajar as adegas, membros da Les Vignerons de la Vicomté, a produzirem cuvées oriundas de uma viticultura sustentável, que abrange desde práticas convencionais até biológicas.

Abrangendo 45 vilas rurais entre Gignac, ao norte, e Saint Pons de Mauchiens, ao sul, a iniciativa une 1.800 cooperados em 8.000 hectares de vinhedos, resultando na produção de 500.000 hectolitros de vinho por ano.

Os cooperados contam com uma série de ferramentas para auxiliar na transição para práticas mais sustentáveis. Ações como dias de treinamento, fornecimento de informações, conselhos personalizados e demonstrações, ajudam nesse processo. 

Um exemplo foi um evento organizado pela Câmara Hérault de Agricultura e a federação CUMA, com o propósito de apresentar uma série de soluções mecânicas para reduzir a necessidade de herbicidas. Este evento, realizado em Le Pouget, Plaine de l’Estang, atraiu mais de 200 viticultores, refletindo o crescente interesse pelo compromisso ecológico no setor.

Os Vignerons de la Vicomté também estão investindo na criação de um cuvée “ambiental”. Este projeto, parte das Medidas Agroambientais e Climáticas no Vicomté, tem como objetivo desenvolver linhas de vinhos que adotem práticas de baixo consumo.

Os primeiros exemplares, oriundos da safra 2018, estão disponíveis para venda, incluindo uma seleção de Merlot, um IGP Vicomté d’Aumelas Cuvée tinto e uma seleção de Syrah.

Avançando em sua jornada de sustentabilidade, Les Vignerons de la Vicomté está em processo de obter a certificação HVE, reafirmando seu compromisso com a conservação ambiental e atendendo às demandas crescentes de consumidores preocupados com o meio ambiente.

Mais informações acesse:

https://www.cavescooperatives.com/les-vignerons-de-la-vicomte-le-pouget/

Referências:

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/languedoc-roussillon

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=FR14

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/o-vinho-de-languedoc_8053.html

“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/10/languedoc-roussillon/

“Center Gourmet”: https://centergourmet.com.br/chateau-saint-pons-de-mauchiens-neratius-languedoc-aop-2018/





terça-feira, 15 de agosto de 2023

Idolo Airén 2022

 

Um dos encantos que o mundo do vinho pode nos proporcionar, simples mortais enófilos, além da degustação em si, é claro, são as grandes novidades, novas experiências.

Novos rótulos, novas vinícolas, novas cepas que nos permite viajar a regiões diferentes, até então por nós desconhecidas, abrangendo o nosso leque de opções, nos fazendo fugir da sedutora, mas pouco salutar, zona de conforto.

O vinho nos suscita uma boa aula de geografia e de tradição e cultura vitivinífera, personificado em doses generosas de degustação, com as taças cheias. Mas como todo bom apreciador de vinho, não me limito a deixar o vinho tomar o nosso tempo no momento em que o degustamos, nós respiramos essa bebida nobre o tempo inteiro, lemos, buscamos a informação, tornando-o tangível em conhecimento.

E foi assim que descobri a curiosa história da casta branca, autóctone da Espanha, a Airén. Ela se materializou em minhas leituras por acaso e fui a busca de vinhos com essa casta. O meu primeiro rótulo foi o Señorio de los Llanos, da Bodega Los Llanos, que pertence a gigante J. García Carríon.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da região de Castilla La Mancha, a maior produtora, em volume, da Espanha e se chama Idolo, um 100% Airen da safra 2022. Então para não perder o costume vamos de história, vamos de Castilla La Mancha e de Airén.

Castilla La Mancha, a terra de Dom Quitoxe e os seus Moinhos de Vento

Bem ao centro da Espanha, país com a maior área de vinhas plantadas em todo o mundo e o terceiro maior mercado produtor de vinhos, está localizada a região vitivinícola de Castilla La Mancha. Um território com grande extensão de terra quase que completamente plana, sem grandes elevações.  É nessa macrorregião que se origina quase 50% do total de litros de vinho produzidos anualmente na Espanha.

O nome “La Mancha” tem origem na expressão “Mantxa” que em árabe significa “terra seca”, o que de fato caracteriza a região. Neste território, o clima continental ao extremo provoca grandes diferenças de temperaturas entre verão e inverno.

Nos dias quentes de verão os termômetros podem alcançar os 45°C, enquanto nas noites rigorosas de frio intenso do inverno, as temperaturas negativas podem chegar a até -15°C.

A irrigação torna-se muitas vezes essencial: além do baixo índice pluviométrico devido ao caráter continental e mediterrâneo do clima, o local se torna ainda mais seco graças ao seu microclima, que impede a entrada de correntes marítimas úmidas.

A ocorrência de sol por ano é de aproximadamente 3.000 horas. Esta macrorregião é composta por várias regiões menores, incluindo sete “Denominações de Origem”, das quais se pode destacar La Mancha e Valdepeñas.

Castilla La Mancha


As sub-regiões

La Mancha: é a principal região dentre elas, sendo considerada a maior DO da Espanha e a mais extensa zona vinícola do mundo.  O território abrange 182 municípios, distribuídos em quatro províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo. As principais uvas produzidas naquele solo são a uva branca Airen e a popular tinta espanhola Tempranillo, também conhecida localmente como Cencibel.

A DO La Mancha conta mais de 164.000 hectares de vinhedos plantados. Com isso, é a maior Denominação de Origem do país e a maior área vitivinícola contínua do mundo, abrangendo 182 municípios, divididos em quatro províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo.

Valdepeñas: localizada mais ao sul, mas com as mesmas condições climáticas, tem construído sua boa reputação graças à produção de vinhos de grande qualidade, normalmente varietais da uva Tempranillo ou blends desta com castas internacionais.

As castas mais cultivadas em Castilla de La Mancha são: Airén, Viúra, Sauvignon Blanc e Chardonnay entre as brancas e as tintas são: Tempranillo, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot e Grenache.

Classificação dos rótulos da DO de Castilla La Mancha:

Jóven: Categoria mais básica, sem passagem por madeira, para ser consumido preferencialmente no mesmo ano da colheita.

Tradicional: Sem passagem por madeira, porém com mais estrutura do que o Jóven.

Envelhecimento em barris de carvalho: Envelhecimento mínimo de 90 dias em barris de carvalho.

Crianza: Envelhecimento natural de dois anos, sendo, pelo menos, seis meses em barris de carvalho.

Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 12 meses em barris de carvalho e 24 meses em garrafa.

Gran Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 18 meses em barris de carvalho e 42 meses em garrafa.

Espumante: Produzidos a partir do método tradicional (segunda fermentação em garrafa), com no mínimo nove meses de autólise.

Airén

A Airén pode ser chamada de Forcallat, Manchega, Valdepeñas ou Lairén, é a mesma variedade, a mais utilizada na Espanha, que representa mais de 30% do total da uva e está localizada principalmente em Castilla La Mancha.

Ao contrário do que muitos possam pensar, a casta mais cultivada em todo o mundo não é a Cabernet Sauvignon e nem a uva Merlot (que ocupa o segundo lugar) e sim a casta branca espanhola Airén, que possui mais de 280.000 hectares plantados em todo território mundial. Acredita-se que a cepa é uma das mais antigas utilizada na elaboração de vinhos brancos espanhóis.

Apesar de ser uma casta pouco conhecida por conta da grande parte de sua produção ser destinada a elaboração de destilados, sendo o principal ingrediente do reverenciado e conhecido Brandy Espanhol, a casta Airén pode originar vinhos brancos bastante originais e interessantes.

Airén

Sua maior área de cultivo encontra-se na Espanha, ocupando cerca de 32% dos vinhedos do país. Sendo uma variedade muito produtiva, a casta branca possui forte resistência a pragas, além de excelente facilidade de adaptação a climas bastante quentes e secos, características predominantes dos vinhedos onde a uva encontra-se em maior proporção, na região sul do país espanhol.

A cepa é encontrada principalmente em Castilla La Mancha, mas é cultivada também, em menores proporções, na região de Valencia, Madrid e em alguns locais de Andalucia.

Os vinhos elaborados a partir da Airén possuem coloração bastante clara, com leve presença de tons esverdeados. Os rótulos elaborados com a uva Airén são excelentes opções para serem degustados e apreciados sozinhos, entretanto, os originais e interessantes vinhos brancos acompanham muito bem mariscos, pescados e massas, exaltando os aromas que a cepa é capaz de proporcionar aos maravilhosos e agradáveis vinhos brancos espanhóis elaborados a partir de sua casta.

E agora finalmente o vinho!

Na taça um brilhante amarelo palha, límpido, com lágrimas médias e espaçadas.

No nariz aromas cítricos que lembram laranja, limão e maçã-verde. Algo de mineral que o torna, junto com o aspecto frutado pleno, muito frescor, com um discreto toque herbáceo.

Na boca é flagrante a leveza e o frescor, típico da variedade, com as notas frutadas protagonizando como no quesito olfativo, com uma acidez correta, leve e extremamente agradável e um final de média persistência.

Um vinho fresco, jovem e despretensioso, que carrega a expressão de um terroir com todas as suas características, mesclada a cultura e tradição de vinificação e os recursos tecnológicos que faz desse vinho simples, mas honesto, correto entregando mais do que valeu. Um vinho de excepcional custo X benefício. A Airén sempre teve uma história de subjugação, com produção de rótulos subvalorizados, mas com o advento da tecnologia de ponta nas vinícolas, rótulos dessa variedade tão importante para a história da Espanha, hoje podemos desfrutar de vinhos simples sim, mas saborosos e despretensiosos ideais para os dias quentes de nossas terras brasileiras. Tem 11,5% de teor alcoólico.

Sobre a Bodegas Yuntero:

Em 20 de março de 1954, a Cooperativa Jesús del Perdón foi fundada como resultado da necessidade de um grupo de 102 viticultores da região para produzir e comercializar os produtos obtidos em suas fazendas e defender-se da especulação a que foram submetidos. Inicialmente para moer 6.000.000 quilos.

Em 1960 ocorre a 1ª e 2ª expansão com a fusão por absorção da Cooperativa San Isidro e com a compra de mais terras. Em 1969 começam a engarrafar os seus primeiros vinhos.

Em 1974 são registradas as marcas Yuntero Pálido Manzanares e Yuntero Tinto Fino, um ano depois são feitas reformas na destilaria para poder carregar granéis com RENFE. Nesta década a adega integra-se na DO Mancha e os escritórios são transferidos para as instalações do armazém.

Em 1980, prosseguem as ampliações de armazéns com a construção de um novo jaraíz e a criação de uma seção de cereais. As exportações para a Europa e EUA iniciam-se com o lançamento dos vinhos em importantes cadeias alimentares.

Em 1990, ocorre a fusão por absorção com a Cooperativa El Porvenir. Em 1992, o primeiro vinho orgânico de Castilla La Mancha é feito sob a marca "Mundo de Yuntero". Inicia-se a mudança das cubas para inox e aumentando consideravelmente o estoque de barricas. No final desta década abre a loja de vinhos no centro da vila.

Na década de 2000 começa com uma nova fusão por absorção, com a Cooperativa El Progresso. Ocorre o grande crescimento da vinícola, adequando-a às necessidades do setor. Em 2004 celebraram os 50 anos da adega com um evento emblemático que contou com a presença de inúmeras figuras públicas.

Mais informações acesse:

https://yuntero.com/en/

Referências:

“La Mancha Wines”: https://lamanchawines.com/airen-la-nuestra/

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/airen

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/245-a-regiao-de-castilla-la-mancha-a-terra-de-dom-quixote

“Blog “Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/245-a-regiao-de-castilla-la-mancha-a-terra-de-dom-quixote#:~:text=Este%20livro%2C%20universalmente%20famoso%2C%20trata,no%20centro%2Fsudeste%20da%20Espanha.&text=Os%20primeiros%20escritos%20da%20cultura,vinhas%20foram%20introduzidas%20pelos%20romanos.

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinhos-dos-moinhos_4580.html

“Blog VinhoSite”: http://blog.vinhosite.com.br/la-mancha-maior-regiao-produtora-vinhos-espanha/






domingo, 13 de agosto de 2023

Salton Domênico Marselan (78%) e Tannat (22%) 2017

 

Definitivamente os vinhos da Salton fazem parte da minha história de simples e reles enófilo. Sempre costumo falar da Vinícola Miolo, mas a Salton tem o seu pedaço importante em minha vida afetiva e emocional com os vinhos.

Mas não apenas afetivo e emocional, mas também no quesito da qualidade, principalmente. Afinal é o que vale! A afeição e o carinho a um vinho e/ou produtor se constroem com a qualidade e a tipicidade de seus rótulos, afinal.

E faz algum tempo que não aprecio os rótulos da Salton e hoje o retorno às suas degustações será premiada com rótulos, ditos, “premium” da vinícola: a linha “Domênico”, que carrega o nome de seu fundador, então esperemos algo de bom, muito bom nessa nova linha de vinhos da gigante Salton.

Além da linha “Domênico”, que vislumbra novidades na linha “Premium” da Salton, ela também visa privilegiar uma região que está em franca ascendência entre os terroirs brasileiros, a Campanha Gaúcha, tanto que faz questão de carregar seu nome no vinho.

Como falei a linha “Domênico” faz homenagem a Antônio Domênico Salton, imigrante que iniciou a história da empresa há mais de cem anos. Segundo Maurício Salton, presidente da Salton, esta é a primeira “marca-conceito” da Salton e vem sendo trabalhada pelos jovens enólogos da quarta geração da família. O que entusiasma, apesar do caráter “industrial” da vinícola, dado o seu tamanho no mercado, ela mostra que ainda é familiar, enaltecendo o seu passado.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, da Campanha Gaúcha e se chama Domênico Campanha, composto pelo inusitado e excelente corte de Marselan (76%) e Tannat (24%) da safra 2017. Para não perder o costume vamos também de histórias, vamos de Campanha Gaúcha.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os “hermanos” do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

Campanha Gaúcha

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

A mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.


IP (Indicação de Procedência) da Campanha Gaúcha

Em 2020 a Campanha Gaúcha ganhou reconhecimento de Indicação de Procedência (IP) para seus vinhos. Aprovada pelo Inpi na modalidade de I.P., a designação vem sendo utilizado pelas vinícolas da região a partir do ano de 2020 para os vinhos finos, tranquilos e espumantes, em garrafa.

A Indicação Geográfica (IG) foi o resultado de mais de 5 anos de pesquisa, discussões e estudos de um grupo interdisciplinar coordenados pela Embrapa Uva e Vinhos do Rio Grande do Sul.

Além disso, os vinhos devem ser elaborados a partir das 36 variedades de vitis viníferas permitidas pelo regulamento, plantados em sistema de condução em espaldeira e respeitando os limites máximos de produtividade por hectare e os padrões de qualidade das frutas que seguirão para a vinificação. Finalmente, os vinhos precisam ser avaliados e aprovados sensorialmente às cegas por uma comissão de especialistas.

Esta é uma delimitação localizada no bioma Pampa do estado do Rio Grande do Sul, região vitivinícola que começou a se fortalecer na década de 1980, ganhando novo impulso nos anos 2000, com o crescimento do número de produtores de uva e de vinho, expandindo a atividade para diversos municípios da região.

A área geográfica delimitada totaliza 44.365 km2. A IP abrange, em todo ou em parte, 14 municípios da região: Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana.

A Campanha Gaúcha está situada entre os paralelos 29º e 31º Sul e trata-se de uma zona ensolarada, com as temperaturas mais elevadas e o menor volume de chuvas entre as regiões produtoras do Sul do Brasil.

Ao mesmo tempo, as parreiras – predominantemente plantadas em sistema de espaldeira – foram estabelecidas em grandes extensões de planície (altitude entre 100 e 360 m.) com encostas de baixa declividade, o que favorece a mecanização das colheitas, reduz os custos e potencializa a escala produtiva. Uma característica importante é o solo basáltico e arenoso, com boa drenagem, que somada aos outros fatores propicia a ótima qualidade das uvas.

Esta foi uma conquista para a região, que pode refletir em uma garantia da qualidade de seus produtos. Fica a torcida para que, após muito tempo de consistência de qualidade e de uma real identificação da tipicidade, a Campanha Gaúcha possa ter o reconhecimento de uma Denominação de Origem (DO). Leia aqui na íntegra o regulamento de uso da IP da Campanha Gaúcha.

Na taça revela um lindo e brilhante rubi com entornos violáceos, com uma bela profusão de lágrimas finas e lentas que desenham as bordas do copo.

No nariz traz um aroma exuberante de frutas frescas, de frutas vermelhas com destaque para morangos, amoras, framboesas e groselhas, além de um floral, de violeta que corrobora a sua condição de frescor mesmo que aos seis anos de garrafa. Tem sutis notas de baunilha, especiarias e carvalho graças aos 21 meses em barricas de carvalho que o Tannat passou.

Na boca é extremamente elegante, seco, macio, redondo, mas com alguma estrutura e complexidade, tudo isso envolto em notas frutadas evidentes, quase que em compota, a fruta tem protagonismo como no olfativo. A madeira protagoniza trazendo a baunilha, o mentolado, o couro, com taninos bem sedosos, mas vivazes, bem como a sua acidez que, embora correta, equilibrada, é salivante, com um final guloso e persistente.

Não é apenas uma nomenclatura, algo que designa qualidade que fomenta interesses ou dita regras de etiqueta social, mas a tipicidade, a qualidade de um rótulo que expressa fielmente o terroir da Campanha Gaúcha e toda a sua ascendência, o prestígio de uma região. Definitivamente trata-se de um belíssimo vinho! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Salton:

Antônio Domênico Salton veio para o Brasil em 1878 e junto com seus filhos fundou em 1910 a vinícola que é reconhecida por ser a maior produtora brasileira de espumantes e top 3 entre as produtoras de vinho no Brasil!

Nos anos 1980 o forte da empresa era a produção e venda de conhaque. O vinho deixava a desejar e para mudar essa realidade foi contratado o enólogo Lucindo Copat, um dos fundadores da Vinícola Aurora. Novos equipamentos foram comprados e a produção foi modernizada.

Outro marco foi a criação em 1995 do projeto que resultaria em 2002 no Salton Talento e na nova unidade no distrito de Tuiuty, que trouxe tecnologia de ponta para a empresa. No ano de 2019 a empresa inaugurou a bela Enoteca Salton na capital paulista. Local que mais do que pronto para a compra de vinhos, serve como um ponto para degustar os sabores que a Salton tem.

Na extensa lista de conquistas destes mais de 100 anos de história comemora o fato de ser familiar e 100% brasileira. Com a terceira geração à frente da empresa, tanto na Unidade em Bento Gonçalves quanto em São Paulo, revela em seus quadros a quarta geração Salton, que promete o mesmo empenho e dedicação com que a empresa foi comandada até agora.










sábado, 12 de agosto de 2023

Adega de Vila Real Reserva 2019

 

Nossa! Há quanto tempo eu não degustava um vinho de uma das mais emblemáticas regiões demarcadas do planeta: o Douro! O Douro que nasce, em termos vitivinícolas, no Rio Douro e que entrega os vinhos mais importantes do mundo: os vinhos do Porto. O último vinho que degustei foi o Socalco Reserva da safra 2016 do Grupo Quinta do Gradil, da Parras Wines.

O Douro é a região demarcada mais antiga, talvez a mais importante de Portugal, a mais badalada (embora eu ame o Alentejo) e hoje me trará a alegria e o privilégio da degustação de um vinho depois de muito, muito tempo mesmo.

E quando falamos nessa região, que abriga tantos rótulos emblemáticos, importantes, como Barca Velha, por exemplo, associamos a vinhos de alto valor, se tornando inacessível. Mas descobri que sim, podemos degustar rótulos durienses a preços módicos, atraentes.

São os famosos vinhos, para muitos, afamados, de cooperativa. São acessíveis e por que não bons? Hoje será o dia do grande teste, da prova de fogo. Vinhos cooperativados, do Douro e a um preço “camarada”? Será que esses quesitos “harmonizam”? Vejamos...

Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, claro, do Douro, e se chama Adega Vila Real Reserva, um tinto com o corte típico da região, que leva Tinta Roriz, Tinta Barroca, Touriga Franca e Touriga Nacional e a safra é 2019. Para não perder o costume, vamos de história, da rica história do Douro e a sua importância para Portugal.

O Douro e os seus solos

Nas encostas escarpadas, um rio banhava margens secas e inóspitas. Nele rolavam, noutros tempos, brilhantes pedrinhas que se descobriu serem d´ouro. Daí o nome dado a este rio: Douro. Aqui nasce a vinha e se produz o vinho, desde que os romanos, continuando e ampliando a ação nativa (moldavam os declives em socalcos) aproveitavam as povoações castrejas e dinamizavam o cultivo de cereais e da vinha nos terrenos de xisto, imprestáveis para outras culturas.

Foram encontrados na região vestígios de lagares e vasilhames para vinhos do século III, chegando mesmo a estimar-se que a presença da uva na região remonta há cerca de 4 mil anos.

Ao longo da história do Vinho do Porto, diversas crises surgiram entre produtores e comerciantes, opostos pela questão do que era o genuíno Vinho do Porto. Em 1756, o Primeiro-ministro Marquês de Pombal interveio, demarcando, no território duriense, os terrenos mais propícios e as quintas mais dotadas para o plantio das castas produtoras do vinho do Douro, tendo sido esta a primeira Região demarcada do mundo, através do alvará régio de instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, de 10 de setembro de 1756.

Marco Pombalino

A designação “do Porto” provém da armazenagem e comercialização, a partir do porto existente no estuário do rio Douro, entre a cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. O vinho era transportado ao longo do rio, pelos barcos rabelos, até aos armazéns de Vila Nova de Gaia, localização privilegiada pela proximidade do Atlântico e pelas suas reduzidas amplitudes térmicas, favorecendo o longo envelhecimento dos vinhos em cave.

Mas muito antes de qualquer presidente, rei ou imperador, o Douro era uma terra sem governo, habitada por povos primitivos, os primeiros a deixar seus vestígios na região. As pinturas rupestres do Vale do Côa são do período Paleolítico, há cerca de 20 mil anos. A presença da uva no Douro remonta há 4 mil anos (século XX a.C.), tendo sido encontradas sementes de uvas carbonizadas em estações arqueológicas da região. Muitas das ruínas pré-romanas, como o Castro de Cidadelhe, em Mesão Frio, datam dessa época.

Com a chegada dos romanos, no século I d.C., a agricultura intensificou-se, algo possibilitado pela rede de estradas e pelas numerosas pontes que o Império construiu. A uva começou a adquirir maior importância, existindo vilas agrárias dedicadas exclusivamente à produção de vinho, como foi comprovado na estação arqueológica do Alto da Fonte do Milho, no Peso da Régua.

A região continuou sendo ocupada continuamente. A partir do século V as terras do Douro foram os suevos e visigodos, que acabaram por se unir e cristianizar. Seguiram-se então os muçulmanos, depois do século VIII. Isso só deixou de acontecer após a implantação do reino português, a 5 de outubro de 1143 pelo Tratado de Zamora, quando se iniciou a construção da Sé de Lamego, sob a proteção de D. Afonso Henriques (1109-1185), o primeiro rei português, responsável pela independência deste país.

No século XIII, com a prosperidade comercial e econômica e ao transporte para o Porto através do rio Douro, a produção destes néctares continuou a se desenvolver. Em seguida veio o período das descobertas marítimas (séculos XV e XVI) e houve um aumento da circulação no rio, uma vez que as viagens requeriam grandes quantidades de vinhos fortes para saciar os marinheiros.

Entre os séculos XVII e XIX, a Inglaterra passa a ser o principal consumidor dos vinhos produzidos no Douro, o que resultou na assinatura do Tratado de Methuen, em 1703. Nesse tratado, o Reino Unido concedia direitos preferenciais aos vinhos portugueses, com a contrapartida de Portugal permitir a entrada livre dos tecidos britânicos no mercado nacional.

Estimulada pela procura inglesa crescente e preços altíssimos, a produção do Douro tenta se adaptar às novas exigências do mercado. Mas, como acontece sempre que a demanda é muito grande, o negócio rivaliza interesses, suscita fraudes e abusos. A qualidade dos vinhos cai por conta de misturas inadequadas. Assim, a partir de meados do século XVIII as exportações estagnam, enquanto a produção continua a crescer. Os preços caem e os ingleses decidem não mais comprar vinhos, acusando os produtores de promover adulterações.

Esta crise comercial conduzirá, por pressão dos interesses dos grandes vinhateiros do Douro junto ao governo do futuro Marquês de Pombal, à instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 10 de setembro de 1756. Com ela busca-se assegurar a qualidade do produto, evitando adulterações, equilibrar a produção e o comércio e estabilizar os preços.

Marquês de Pombal

Também nesta época acontece a demarcação de terras, criando-se a primeira região vinícola regulamentada do mundo. O Douro Vinhateiro é demarcado por 335 marcos de granito com a designação de Feitoria, designação que referendava o vinho da melhor qualidade, único que podia ser exportado para Inglaterra.

O século XIX, no Douro, foi marcado pelas doenças que se abateram sobre as vinhas, como o oídio e a filoxera, contribuindo para o desenvolvimento da viticultura na região, devido a inovações biológicas e químicas, como forma de evitar essas doenças. Ainda no mesmo século, iniciou-se a construção das linhas ferroviárias, que facilitaram a ligação entre o Porto e a fronteira da Espanha.

A paisagem atual da região do Douro, caracterizada pelos socalcos (plataformas cortadas nos morros), foi construída durante a década de 70, com a aplicação de novas técnicas de plantio da vinha, em patamares, com muros de xisto delimitando cada nível. Esta alteração da paisagem pela atividade humana contribuiu para que o Alto Douro Vinhateiro fosse considerado Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO, em 2001.

DO Douro

A Região Demarcada do Douro situa-se no nordeste de Portugal, na bacia hidrográfica do Douro e sua área é de 247.420 hectares, sendo que a vinha ocupa 43.608 hectares, sendo que somente 26.000 hectares estão autorizados a produzir vinhos do Porto.

O rio que lhe deu o nome nasce no alto da Sierra de Urbion, no interior da Espanha e se estende por 640 quilómetros até o seu encontro com o oceano Atlântico, cruzando a Região do Douro de leste a oeste. As vinhas são plantadas nas encostas em declive de 35° a 70° de inclinação, erguendo-se sobre o rio Douro e seus afluentes Corgo,Tavora, Pinhão, Tua, Torto, Côa e Sabor


A serra do Marão, que se eleva a 1500 metros no extremo oeste da região, assinala a mudança dos planaltos saturados pelo ar úmido e frio do Atlântico para um clima mediterrâneo montanhoso, quente e seco.

Originando sempre produções muito pequenas, o solo também permite uma maior longevidade da vinha e uma qualidade muito elevada dos mostos devido à conservação de umidade, adquirindo as uvas um maior teor de açucares e cor.

A imensidão do xisto duriense é completada na sub-região do Douro Superior com aflorações graníticas e no Baixo Corgo, com alguns solos de aluvião, mais produtivos nesta sub-região.

Cerca de 95% de todo o Vinho do Porto é cultivado neste xisto. Como existe apenas uma camada muito fina de terra argilosa, as vinhas são plantadas partindo a pedra até uma profundidade de um metro, onde as fissuras no xisto permitem que as raízes cheguem até 21 metros em busca de água. O solo é muito ácido, devido a um nível alto de potássio, tem baixo nível de cálcio e magnésio, apresenta excesso de alumínio, o que é tóxico para as raízes.

O Terreno irregular, com altitudes, junto ao rio Douro que podem atingir entre os 60 e os 140 m, e noutras zonas atingindo mais de 1000 m e inclinações com mais de 30%, só podem ser preparadas para plantação através do nivelamento de socalcos ou terraços, com ferramentas de ferro pontiagudas ou dinamite e, mais recentemente, bulldozers e tratores.

Essas excepcionais adversidades tornam a Região Demarcada do Douro numa das regiões mais caras e difíceis de trabalhar do mundo, mas é nessa mesma adversidade que nasce um grande vinho.

O papel desempenhado pelo Homem foi fundamental na criação dos socalcos, que são uma característica de toda a região. Antes da crise filoxérica, praga que surgiu na região pela primeira vez em 1862, as plantações eram feitas em pequenos terraços irregulares (geios), com 1-2 filas de videiras, suportados por paredes de pedra. 

Os socalcos eram ‘ rasgados ‘ nas encostas, de baixo para cima, as paredes eram construídas com as pedras tiradas do terreno, a sua altura dependia da inclinação da parcela e a movimentação da terra para preparar o solo para a plantação era pequena. A densidade de plantação rondava as 3.000 – 3.500 plantas/ha. Estes pequenos terraços foram posteriormente abandonados e constituem hoje os designados “moratórios”.

Mortórios

Após a filoxera, foram feitos novos terraços, mais largos e inclinados, com ou sem paredes de suporte, permitindo maiores densidades de plantação (cerca de 6 000 plantas/ha). Surge também nesta altura a vinha plantada em declives naturais, segundo a inclinação do terreno.

Nestes sistemas a mecanização é impossível pois não existem ou são escassas as estradas de acesso às vinhas e a inclinação lateral está associada a uma forte densidade de plantação. Este facto, traduzido pelos custos elevados que implica em termos de mão-de-obra, tem conduzido ao abandono gradual deste tipo de vinhas.

Socalcos

No fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, um novo sistema surgiu na região. Trata-se dos patamares horizontais com taludes em terra, com 1-2 linhas de videiras e com densidades de plantação baixas, na ordem de 3.000 – 3.500 plantas/ha. Dado que necessita de parcelas de grande dimensão para a sua instalação, é um sistema que não está adequado a zonas de minifúndio.

Patamares

Mais recentemente, e como alternativa aos patamares, aparecem as vinhas plantadas segundo as linhas de maior declive do terreno (‘ Vinha ao Alto ‘). Com uma densidade de plantação semelhante à das vinhas tradicionais, na ordem das 4.500 – 5.000 plantas/ha, este sistema apresenta uma boa adaptação para pequenas parcelas, podendo ser o trabalho mecanizado pela utilização de guinchos ou, até declives na ordem dos 40%, por tração direta, com tratores de rastos.

O micro-clima da Região Demarcada do Douro deve-se ao seu natural enquadramento, a norte com a serra do Alvão e a sul com a Serra de Montemuro, formando-se um anel com uma altitude média de 1000 m, que protegem os vinhedos dos ventos úmidos do Atlântico e frios do norte.

A alta qualidade dos vinhos da região está diretamente relacionada com as elevadas temperaturas do ar, moderada precipitação e substancial percentagem de insolação direta no solo, graças à exposição a sul das encostas: as videiras criadas junto à encosta do rio e afluentes sofrem uma incidência de raios solares propícia à boa maturação das uvas; os solos conservam menor umidade que em terrenos planos, adquirindo as uvas uma maior concentração de açucares e de cor.

A Região demarcada do Douro estende-se desde Barqueiros até Barca D Alva, quase na fronteira com Espanha, estando dividida em três sub-regiões naturalmente distintas, não só por fatores climáticos como também sócio – econômicos: a oeste o Baixo Corgo, no centro o Cima Corgo, coração da região demarcada do Douro, e a leste o Douro Superior.

O total das vinhas implantadas na Região demarcada do Douro é de 43.608 hectares, com a produção anual de 1,69 milhões de hectolitros, que corresponde a 26% da totalidade dos vinhos produzidos em Portugal.

A grande diversidade de castas existentes no Douro, adaptáveis a diferentes situações de clima, demonstra as excelentes condições para a cultura da vinha existentes na região. Portugal é um dos países do mundo com maior quantidade de castas autóctones (nativas) e, dentro de Portugal, o Douro é a região com maior diversidade.

São uvas que só se encontram em território português – pelo menos com os nomes que ali recebem. Entre as tintas, destacam-se Tinta Amarela, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional (a uva emblemática de Portugal) e Tinto Cão. As castas brancas predominantes são Malvasia Fina, Viosinho, Donzelinho e Gouveio.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela uma cor rubi profundo, intenso, escuro com discretos halos granada, com lágrimas finas, lentas e coloridos em profusão que desenham as bordas do copo.

No nariz traz um mix de aromas de frutas vermelhas e pretas bem maduras, com destaque para jabuticabas, amoras, ameixas pretas, algo de frutas silvestres, com toques de especiarias doces, couro, tabaco, estrebaria, com o carvalho bem integrado, graças aos doze meses em barricas, com um discreto floral.

Na boca é envolvente, estruturado, mas entrega algo doce. É cheio, volumoso, quente, mas macio e redondo, fácil de degustar, apesar de sua marcante personalidade. As notas frutas, como no aspecto olfativo, ganha protagonismo em completa sinergia com as notas amadeiradas, mais evidentes no paladar, aportando baunilha e chocolate. Tem taninos nobres e domáveis, com acidez correta e um final persistente.

Um típico vinho do Douro, um vinho que traz alguma personalidade, aliada a elegância, o refinamento, a maciez e a facilidade de degusta que o rótulo prima. Um vinho redondo, versátil, gastronômico, saboroso, mas volumoso. Um vinho definitivamente equilibrado. Um caráter regional que enaltece as características mais marcantes de uma região emblemática lusitana, o Douro. Tem 14% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Cooperativa de Vila Real:

Falar da Adega Cooperativa De Vila Real é falar de competência e desenvolvimento. Competência porque consegue oferecer aos seus associados um bom preço pelas uvas que compra, pagando a tempo e a horas. A adega soube adaptar-se aos dias de hoje, com a ajuda e conhecimento do enólogo Rui Madeira e seu presidente.

Rui Madeira tem, há algum tempo a esta parte, vindo a desenvolver projectos na zona das Beiras e Trás-os-Montes e Douro. Exemplo disso é o seu projeto em Figueira de Castelo Rodrigo, com os vinhos “Beyras”, o trabalho na CARM, e a ajuda que presta ao nível da enologia na Adega Cooperativa de Vila Real.

Fundada em 1955, com o objetivo de defender os interesses dos pequenos viticultores da Região Demarcada do Douro, a Adega Cooperativa de Vila Real viu, desde cedo, ser reconhecida a sua qualidade, pois logo na década de 1960, os seus vinhos ganharam diversos prémios em concursos nacionais e internacionais.

Durante o século XVI, no reinado de D. Sebastião, os vinhos da “vylla de Vylla Reall e de seu Termo” beneficiaram de estatuto privilegiado, em que por Alvará Régio se defendia a sua livre circulação e comercialização em todo o Reino, ainda antes da delimitação da Região Demarcada do Douro.

Aqui se insere a Adega Cooperativa de Vila Real, que desde 1955 leva até ao consumidor o melhor do Vale do Rio Corgo – o Vinho, que deve as suas características únicas à especificidade da região onde se encontram as explorações dos seus associados.

De fato, as características edafoclimáticas do agreste Vale do Corgo (um dos mais importantes afluentes do Rio Douro) permitem a obtenção de vinhos com características únicas. A prova-lo estão as medalhas de ouro, prata e bronze que, desde a sua formação, esta Adega tem arrecadado.

Como resposta à necessidade de modernização, a Adega Cooperativa de Vila Real dispõe, desde 1992, de novas instalações que permitem a obtenção de vinhos de ainda melhor qualidade. Uma cave subterrânea situado a pouco mais de 50 metros da pista de aviação, onde estão quatorze tonéis em castanho, que têm cerca de 150 pipas, com a capacidade de 550 litros. Tais tonéis são peças artesanais datadas de 1939 e foram recuperadas das suas antigas instalações, onde nasceu a Sogrape, a empresa que os estreou.

Mais informações acesse:

http://www.adegavilareal.com/pt/#

Referências:

“Enopira”: https://enopira.com.br/douro-2/

“Viva o Vinho”: https://www.vivaovinho.com.br/mundo-do-vinho/regioes-vinicolas/douro-produzindo-vinhos-ha-mais-de-2-mil-anos/

“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/adega-cooperativa-de-vila-real-caves-vale-do-corgo/

“Avas Mafra Comunidades”: https://avasmafra.comunidades.net/adega-cooperativa-de-vila-real-crl