Melhor do que participar de festivais de degustação de vinhos
é participar de festivais que valorizam o vinho nacional. O vinho nacional tão
taxado, sobrecarregado com o tal Custo Brasil que, vilipendiado pelo poder
público, é encarado com vilão, aquela bebida alcoólica que vicia e não como
alimento que, cientificamente comprovado, traz benesses à saúde. Mas discussões
comportamentais, políticas e econômicas à parte falemos do vinho ou melhor dos
vinhos que degustei no já conhecido Festival Vinho na Vila, evento importante
no cenário enogastronômico, me proporcionou algumas das melhores degustações de
vinhos nacionais corroborando o que eu já estava percebendo há alguns anos: o
vinho brasileiro está crescendo em tipicidade, qualidade, sendo valorizado pelo
seu DNA, com a sua terra, criando de fato, finalmente, uma identidade própria.
Muitos degustei e gostei e o intuito era levar muitos, mas o entrave, o valor
(voltei com o inevitável assunto), me impedia de fazer as tão esperadas
aquisições. Pois é, um evento que privilegia os rótulos tupiniquins deveria ao
menos ter valores mais amigáveis para um ávido público que estava com uma
surpreendente audiência. E, quando estava andando de um estande a outro,
avistei um que não conhecia, talvez ouvido falar de uma forma bem distante em
algumas leituras. Essa vinícola se chamava Dal Pizzol. Claro, atraído pela
curiosidade, fui até o local. Não tinha tantas opções de rótulos, mas ainda
assim decidi degustar os disponíveis. Me surpreendi de cara com um Dal Pizzol
da emblemática casta oriunda de Portugal, a Touriga Nacional. Degustei e achei
maravilhoso: encorpado, com alguma complexidade, com notas de frutas vermelhas
maduras, mas equilibrado e harmonioso, pois trazia certo frescor. Mas, mais uma
vez, o entrave do valor fez com que eu não o levasse. Vi o outro, um Cabernet
Franc, casta que pouco degustei em minha vida e não me perguntem o motivo, não
sei dizer. O degustei e era maravilhoso também! Que vinho! E este estava com um
preço mais competitivo, atrativo. Pois é, degustar vinho no Brasil e tentar
abrir mão de muitos rótulos para degustar outros e continuar seguindo com as
nossas experiências.
Então, acho que já apresentei o vinho que degustei e gostei
que veio da tradicional região da Serra Gaúcha, o Dal Pizzol da casta Cabernet
Franc (100%) da safra 2016. E como disse que pouco degustei vinhos com a
Cabernet Franc acho mais do que conveniente e para manter a proposta dos meus
textos aqui neste diário virtual, que preza pela cultura da informação, falemos
um pouco dessa casta.
Cabernet Franc
A Cabernet Franc é ainda um pouco anônima e fica nos
bastidores em comparação a rainha das uvas tintas, a Cabernet Sauvignon, que
ajudou a criar. Esta é um cruzamento da Cabernet Franc com a Sauvignon Blanc. A Franc ficou na sombra de
sua filha, mas isso não significa que seja pouco importante, apenas, digamos,
colocou o seu lugar nos bastidores, deixando a sua criatura brilhar. Mas ainda
assim a Cabernet Franc é uma das mais ilustres uvas viníferas do mundo, fazendo
parte da badalada tríade que forma o corte clássico de Bordeaux (junto com a
Cabernet Sauvignon e Merlot). Inclusive, em alguns lugares da França, é a
principal casta cultivada, aparecendo frequentemente como monovarietal (como no
Vale do Loire). Quando usada em corte, muitas vezes ela representa a menor
proporção, mas é justamente essa pequena parcela que faz toda a diferença,
assim como um tempero faz toda a diferença num prato. Inclusive, o tempero não
é só metafórico, pois a uva se caracteriza pelo seu toque apimentado, notas de
tabaco, além de perfumes de violeta e cassis. Ela confere ao vinho mais
frescor, mais finesse, mais elegância, sendo definida por muitos como o lado
feminino da Cabernet Sauvignon. Normalmente ela é tão frutada quanto a Cabernet
Sauvignon, mas de cor mais pálida e corpo mais leve, menos tânica e mais suave,
e com uma nota herbácea mais viva. Vale lembrar que, muitas vezes, se torna a
“salvadora” dos tintos de Bordeaux: como ela matura mais cedo e, portanto, é
colhida antes da Cabernet Sauvignon, seu papel se torna fundamental quando, nas
semanas seguintes, chuvas e granizo podem acabar estragando a safra. Chamada
também de Bordó, Bouchet, Cabernet Gris, Breton, Bidure, Achéria (entre outros
nomes), ela se dá bem em climas continentais e frios e é plantada em várias
regiões vinícolas do planeta. Nem todo mundo sabe, por exemplo, que foi a
principal casta do Brasil até a década de 1980, quando o foco se mudou para
Merlot (e sucessivamente para Cabernet Sauvignon). Tem boa difusão também na
Itália, basta lembrar dos supertoscanos que empregam corte bordalês, mas é,
sobretudo no nordeste do país, particularmente no Friuli, onde se torna
destaque em belíssimos tintos. Ainda no Velho Mundo, tem um bom desempenho na
Hungria, Croácia e Romênia. Já no Novo Mundo, encontramos alguns válidos
exemplares no norte dos Estados Unidos (especialmente no estado de Washington),
e também no Canadá. Mas em ambos os casos ela é mais utilizada para “Ice Wine”,
o famoso vinho de sobremesa local (onde a uva é submissa a um processo de
congelamento natural). No Chile, a casta está sendo explorada com bons
resultados, e na Argentina, talvez esteja dando êxitos ainda melhores, com
alguns Cabernet Francs mais expressivos do que muitos Malbecs.
E agora o vinho, o tão esperado vinho!
Na taça tem um belo vermelho rubi intenso com entornos
violáceos, bem brilhantes. Tem lágrimas finas e em média intensidade que logo
se dissipam das paredes do copo.
No nariz traz aromas intensos e agradáveis de frutas
vermelhas em compota, lembrando amoras e framboesas, talvez morango com um
delicado toque floral, como violetas, por exemplo.
Na boca é seco, fresco, leve, como todo bom Cabernet Franc
brasileiro, delicado, equilibrado, pois, mesmo leve, tem personalidade e um bom
volume de boca, sendo frutado, saboroso, com um final de média persistência com
um retrogosto frutado.
Um vinho diria inspirador, capaz não apenas de proporcionar
experiências agradáveis no quesito degustação, mas também suscitar discussões
culturais, políticas e econômicas que abriu esse humilde texto. Pois é são
alguns devaneios mais do que lúcidos, embora fuja um pouco da proposta da
discussão das características do vinho, mas quem disse que sou linear, padrão?
Mas já que as características foram mencionadas estendo as inspirações também
ao vinho propriamente dito: fresco, mas vivaz, com personalidade marcante.
Aromas intensos de frutas vermelhas, notas florais, a valorização da cepa, de
sua expressividade, das suas mais fiéis características graças a sua passagem
por tanques de aço inoxidável por 12 meses. Que possamos valorizar os vinhos
nacionais e entregar o nosso produto a quem de direito: aos brasileiros, sem
distinção de cor, raça, credo e poder monetário. Apesar de ser um discurso
romântico e, para alguns, utópico, precisamos criar uma cultura de degustação
no Brasil e não associar o vinho a status social e aristocratas que tem apenas
a intenção de distanciar o vinho brasileiro do brasileiro. Tem 13% de teor
alcoólico e harmoniza bem com massas, carnes grelhadas e queijos mais
gordurosos e estruturados, como o provolone, por exemplo, o que estou fazendo
neste momento.
Sobre a Vinícola Dal Pizzol:
Criada em 1974, a Vinícola Monte Lemos, mais conhecida por
Dal Pizzol, surgiu a partir de uma proposta diferenciada que privilegia a
produção controlada. Comandada pelos irmãos Antônio e Rinaldo Dal Pizzol, a
vinícola elabora anualmente 300 mil garrafas (225 mil litros) e tem como enólogo
responsável Dirceu Scottá. O controle de qualidade tem início no cultivo da
videira e, para isso, mantém parceria com produtores por meio de acompanhamento
técnico realizado por dois enólogos e um engenheiro agrônomo da vinícola. A
assessoria ocorre durante todo o processo, desde a variedade de uva a ser
implantada até a colheita. Cada produtor recebe uma cartilha de procedimentos e
práticas para o cultivo da videira. O material dá instruções, inclusive, sobre
o limite de produção por área, variedade e sistema de condução da parreira.
Essa parceria também contempla uma tabela de benefícios conforme a qualidade e
tratos culturais implementados no vinhedo para cada safra. A Dal Pizzol traz
consigo uma tradição na vitivinicultura que remonta ao Século XIX (1878),
quando os primeiros imigrantes da família chegaram ao Brasil. Sua história
expressa um talento natural e cheio de experiências, sabedoria e sensibilidade,
que lhe permitiu alcançar a qualidade dos vinhos que elabora, através do amor
no cultivo de castas nobres, do trato cuidadoso na arte do vinho e de um
atendimento personalizado a todos que se relacionam com a Dal Pizzol. A
vinícola faz parte da Rota Cantinas Históricas, distante 11 quilômetros do
centro de Bento Gonçalves/RS. O projeto é composto por propriedades rurais que
retratam a vida cotidiana dos imigrantes italianos que se instalaram nas
encostas de Faria Lemos e lá cultivam a videira e seus costumes há mais de 130
anos. O passeio possibilita vasto contato com moradores locais que adoram
partilhar dos seus saberes e fazeres, visita às cantinas com degustação de vinhos,
espumantes e sucos de uva. Os vinhos da Dal Pizzol podem ser encontrados no
mercado nacional em lojas, delicatessens, hotéis, bares, restaurantes e no
próprio varejo da vinícola, localizada no km 5,3 da ERS 431, distrito de Faria
Lemos, em Bento Gonçalves.
Mais informações acesse:
https://www.dalpizzol.com.br/home
Fonte de pesquisa sobre a Cabernet Franc
Portal “Clube dos Vinhos”, em: https://www.clubedosvinhos.com.br/a-cabernet-franc-ainda-dita-lei/
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