Já dizia aquele velho ditado, já manjado: Quem espera sempre
alcança! Talvez esse conceito possa ser bem aplicado para os vinhos evoluídos,
afinal, alguns atingem a sua maturidade, o seu grande momento, o seu brilho,
com alguns anos de guarda. Mas há quem diga que isso pode ser subjetivo, haja
vista que alguns vinhos depreciem com o tempo e neste caso podemos levar em
consideração alguns fatores como a forma de armazenamento, por exemplo. Mas como
esse é um assunto deveras complexo, não entrarei no mérito, não agora pelo
menos, mas sim darei o protagonismo, é claro, ao rótulo, ao vinho, que é sempre
o artista do espetáculo da degustação.
E esse vinho eu aguardei pacientemente. Como sou um
apreciador dos vinhos evoluídos, decidi, quando o comprei, há cerca de dois
anos, em degusta-lo quando completasse exatamente 10 anos de safra. Degustar
vinhos assim, nessas condições, pode ser um risco, mas também uma honra, um
momento único, com o vinho no seu momento mais apoteótico e especial. Fui
tomado por um espírito de positividade e aguardei cada dia e cada hora para
degusta-lo e, com isso, pergunto: Quem disse que vinhos brasileiros não tem
potencial de guarda? O tempo, literalmente falando, dirá pela excelência dos
rótulos nacionais! E diz, com veemência, com a sua qualidade, tipicidade e
expressividade.
O vinho que degustei e gostei é tupiniquim, é brasileiro, é o
Salton Talento composto pelas castas Cabernet Sauvignon (50%), Merlot (30%) e
Tannat (20%) da safra 2011. As castas Cabernet Sauvignon e Tannat são oriundas
da Campanha Gaúcha e o Merlot veio da Serra Gaúcha. Sim! Um vinho que explora a
multiplicidade de duas regiões, de alguns terroirs, uma mescla de tipicidades. Sem
contar que já degustei a safra de 2009, minha primeira experiência com esse
rótulo.
Tudo conspirou para essa degustação: desde o primeiro contato
nas gôndolas dos supermercados, com um preço na faixa dos R$ 50,00, um ótimo
preço, até o derramar deste na minha taça. A vida, a longevidade conspira
sempre a favor e, claro, falo do vinho! Mas antes de falar no néctar, vamos
conhecer um pouco sobre as regiões de onde veio, emblemáticas regiões, diga-se
de passagem: Vamos da Serra e Campanha Gaúcha.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo
volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao
Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento
Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geo-climáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e
o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos
imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma
agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do
Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto,
logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local. Até
a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos vendiam
sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de vinho que
produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Atualmente,
a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não produtores de
vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de produtos
artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos Vinhedos
produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e processaram 14,3
milhões de kg de uvas viníferas.
Campanha Gaúcha
Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí,
forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da
Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani
representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele
estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul. A Campanha Gaúcha se espalha também
pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro
lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam
rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura
de tosquia que ganha novas utilidades.
No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias
ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de
insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a
garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de
vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.
As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e
tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom
clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região
hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura
brasileira.
Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura,
a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram
exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos
no Brasil.
A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha
Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a
vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na
Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.
E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de
vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade
recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto
jornal Correio do Sul de Bagé.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso e escuro, mas
mostrando uma tonalidade meio atijolada nas bordas, em seu entorno, revelando a
sua idade, o auge dos seus dez anos de vida, com lágrimas finas e abundantes
marcando nas paredes do copo.
No nariz entrega aromas, ainda evidentes e intensos, de
frutas negras e em compota, tais como ameixa, cereja e amora, com notas de
torrefação, café, tabaco e especiarias e toque amadeirado em evidência, graças
aos 12 meses de passagem por barricas de carvalho, mais 12 meses afinando em caves
subterrâneas da vinícola.
Na boca é elegante, equilibrado, excelente estrutura
mostrando marcante personalidade, as frutas negras, como no aspecto olfativo,
se mostra agradavelmente no paladar, com taninos presentes, mas domados e
sutis, com uma acidez ainda vivaz, o que faz do vinho pleno aos 10 anos de
idade. Tudo isso harmonizando maravilhosamente com o toque amadeirado, muito
bem integrado aos taninos, a acidez e o álcool, além do tabaco, do toque de
pimentão e de couro. Final persistente e prolongado.
O tempo dirá! Mais um ditado popular que se adequou
maravilhosamente ao Salton Talento. A vida, plena e intensa, pulsava dentro da
garrafa, ansiosa por sair e explodir as minhas impressões sensoriais, inundar a
minha taça do mais puro néctar, da poesia líquida que, a cada degustação, me
arrebatou por inteiro. O tempo disse, o vinho se expressou maduro, intenso, a
personalidade marcante, mostrou também delicadeza, elegância. A noção de
terroir, de tipicidade estava evidente a cada degustação e que, graças a sua
complexidade, aguça, ainda mais, o enófilo a explorar ainda mais o seu paladar.
A honra e o prazer são evidentes, a sensação é indescritível, o ritual se faz
necessário, todos os componentes de uma degustação, embora simples e direta, se
mostra maravilhosa e singular. Senti-me tão pequeno, tão feliz, tão vivo! Tem
13,5% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Salton:
Antônio Domenico Salton veio para o Brasil em 1878 e junto
com seus filhos fundou em 1910 a vinícola que é reconhecida por ser a maior
produtora brasileira de espumantes e top 3 entre as produtoras de vinho no
Brasil!
Nos anos 1980 o forte da empresa era a produção e venda de
conhaque. O vinho deixava a desejar e para mudar essa realidade foi contratado
o enólogo Lucindo Copat, um dos fundadores da Vinícola Aurora. Novos
equipamentos foram comprados e a produção foi modernizada.
Outro marco foi a criação em 1995 do projeto que resultaria
em 2002 no Salton Talento e na nova unidade no distrito de Tuiuty, que trouxe
tecnologia de ponta para a empresa. No ano de 2019 a empresa inaugurou a bela
Enoteca Salton na capital paulista. Local que mais do que pronto para a compra
de vinhos, serve como um ponto para degustar os sabores que a Salton tem.
Na extensa lista de conquistas destes mais de 100 anos de
história comemora o fato de ser familiar e 100% brasileira. Com a terceira
geração à frente da empresa, tanto na Unidade em Bento Gonçalves quanto em São
Paulo, revela em seus quadros a quarta geração Salton, que promete o mesmo
empenho e dedicação com que a empresa foi comandada até agora.
Mais informações acesse:
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/familia-salton-completa-110-anos-de-historia_12444.html
“Enovirtua”: https://www.enovirtua.com/enoturismo/vinicola-salton/
“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/
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