Já ouvi um grande crítico e especialista de vinhos dizer:
“Vinhos simples e básicos não requer uma grande análise”. Em tese até faz
sentido, um vinho simples para uma grande análise não “harmonizariam”. Mas o
que dizer de um vinho que, embora seja simples e básico, seja especial para
quem o degusta? Então, com todo o devido respeito ao nobre especialista, requer
sim, uma grande e entusiasmada análise, sem sombra de dúvida. Independente de
valores e proposta, todo vinho é especial se o enófilo gostar dele. Valor não
define se o vinho é bom ou ruim, são apenas propostas de vinhos distintas que
entregam sensações distintas em momentos distintos.
E o rótulo que degusto hoje e que já degustei em um passado
não muito distante, mas por um tempo suficiente para relembrar e querer
degusta-lo novamente, fez com que viesse à tona em meus pensamentos. E não é
pelo valor, não, até porque, ao longo desse tempo, o vinho aumentou
consideravelmente, mas porque ele me deixou uma marca, diria, sem exageros,
indelével, uma surpresa digna de arrebatamento. Precisava degusta-lo novamente,
sem essas atitudes de retrocesso ou a temida zona de conforto, mas para
perceber possíveis novas nuances, novas percepções. Quem sabe? Simples e básico
sim, mas especial, e quem sabe novas surpresas!
Então o vinho que degustei e gostei, duas vezes, veio das
Terras da Beira, da sub-região de Pinhel, o D. João I branco composto pela
típica casta portuguesa Síria e não safrado. E apesar da casta branca Síria ser
muito difundida e conhecida em terras lusitanas, mas no Brasil não é muito
comentada e muito consumida diria, a não ser em rótulos alentejanos, onde é
conhecida como Roupeiro. Essa é a minha segunda experiência com o rótulo, com o
surpreendente D. João I branco. E já que falei da Síria que, nas Terras de
Beira é conhecida como Codo, vamos a história dela!
Síria
Cultivada nas regiões do interior de Portugal, já foi a casta
branca mais plantada na região alentejana, onde é denominada Roupeiro, contudo,
verificou-se que as temperaturas demasiado elevadas do Alentejo não eram
benéficas para esta casta: os vinhos não tinham frescura, boa acidez e perdiam
os aromas rapidamente. Assim, desenvolveu-se o cultivo da Síria nas terras mais
altas e frescas da Beira Interior (nomeadamente na zona de Castelo Rodrigo) e
Dão (onde a casta é conhecida por Alvadurão, Côdega ou Crato Branco). A Síria é
uma casta muito produtiva de cachos e bagos pequenos. Apesar de ser bem
resistente ao oídio e ao míldio, é bastante sensível à podridão.
Seus vinhos podem apresentar, no aroma, especiarias leves e
folha de louro. Destacam-se, principalmente, as notas florais e frutas como laranja,
limão, pêssego e melão. Na maioria, de tonalidade clara, seus exemplares são
indicados para serem consumidos enquanto jovens, pois apresentam sua melhor
expressão. A acidez nos rótulos elaborados com essa uva pode ser de média para
alta. A Síria é a variedade mais plantada na região de Beira Interior,
localizada no interior do país, na faixa estreita que se estende de norte a
sul, na fronteira com a Espanha.
Beira Interior: As Terras da Beira
É na Beira Interior, identificada geograficamente como
prolongamento do sistema central ibérico e histórico e culturalmente pelas
matrizes testemunhadas nas suas aldeias medievais e cidadelas fortificadas que,
a Denominação de Origem Beira Interior foi criada a 2 de novembro de 1999,
resultado da aglutinação das regiões de Castelo Rodrigo, Cova da Beira e
Pinhel, que passaram a sub-regiões desde então. Tem um passado histórico
vitivinícola que remonta à fundação da nacionalidade portuguesa, está
localizada no interior centro de Portugal, tem cerca de 16 000 hectares de
vinhas e uma grande variedade de castas. Situada no interior centro/norte de
Portugal é a região vitivinícola mais alta de Portugal, com vinhas plantadas
entre os 300 e os 700 metros de altitude.
Os vinhos são muito influenciados pela montanha e a orologia
da região é dominada pelas serras da Estrela, Gardunha, Açor, Marofa e Malcata.
Os solos são de origem granítica (80%), na sua maioria, sendo os restantes
essencialmente de origem xistosa, existindo entre o granito e o xisto alguns
filões de quartzo. O clima da região é muito agreste, com temperaturas
negativas no Inverno e Verões muito quentes e secos. Os encepamentos mais
tradicionais são nas brancas a Síria, Fonte Cal, Malvasia, Arinto e Rabo de
Ovelha, e Malvasia e nas Tintas, a Rufete, Touriga Nacional, Touriga Franca e
Tinta Roriz, Trincadeira, Mourisco, Jaen e alfrocheiro.
E agora o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha, bem claro, quase
transparente com o aparecimento de algumas lágrimas finas, mas que logo se
dissipa das paredes do copo.
No nariz surpreende pela estrutura aromática com notas de
frutas brancas como maçã verde, melão e pera, além de algo discretamente cítrico,
com destaque para o abacaxi. O toque floral entrega um vinho fresco e agradável.
Na boca é seco, fresco, leve, macio, com as frutas brancas em
evidência como no aspecto olfativo, com uma acidez leve para média, um vinho
com um belo volume de boca que o torna saboroso, com um final prolongado e
retrogosto frutado.
Um vinho coringa, fácil de degustar, simples, básico, mas
especial e surpreendente. Sim, ele continua surpreendendo os meus mais
simplórios sentidos de um humilde enófilo, mas muito feliz por ter degustado
novamente o bom e necessário D. João I branco que, há 4 anos atrás, descobri,
pelo mesmo especialista que diz que um vinho simples não requer uma grande
análise. Talvez esteja certo, mas por ser um vinho tão especial, a análise pode
ser grandiosa e singular, pois é arrebatador e, diante de sua simples proposta,
entrega muito além do que poderia se esperar. Ele harmonizou com um dia
ensolarado de outono. Leve, delicado e agradável. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Adega Cooperativa de Pinhel:
Desde tempos muito antigos que em Pinhel, e seu termo, se praticava a cultura da vinha e se produziam vinhos de alta qualidade; já nos princípios do ano 1500, o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedeu diversas regalias e privilégios em favor dos vinhos de Pinhel. Em 1942 e 1943, houve colheitas abundantes e não havia escoamento para a produção, foi então que a Junta Nacional do Vinho, recentemente criada, como organismo de Coordenação Económica, e que veio substituir a antiga Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal, instalou em Pinhel uma caldeira móvel de destilação, acionada por uma geradora locomóvel, em que foram destilados milhões de litros de vinho e que veio resolver a crise gravíssima, que afetava os lavradores da Região, que viviam exclusivamente do rendimento do vinho.
De todos os Organismos Corporativos, criados pelo Estado Novo, a Junta Nacional do Vinho, era o mais querido, pelos beneficias que trouxe a toda a região vitivinícola, por isso os vinicultores depositavam toda a confiança esperançados que o organismo, quando necessário, lhe resolvesse os problemas respeitantes ao vinho. Os vinhos desta área eram tão bons que as aguardentes vínicas resultantes da destilação ficavam de finíssima qualidade. Quando transportadas para os armazéns da Mealhada não eram misturadas com outras provenientes de outras áreas ficando em depósitos separados.
Em 1945, a Junta Nacional do Vinho iniciou a instalação de duas caldeiras fixas de destilação contínua, que trabalhavam de dia e de noite, só paravam cada 15 dias para limpeza. Como era pena destilar vinhos de tão boa qualidade, a Junta Nacional do Vinho, em colaboração com o Grémio da Lavoura de Pinhel, pensou na criação da Adega Cooperativa, nas suas próprias instalações que tinham sido compradas à Câmara Municipal de Pinhel e que tinham ficado devolutas pela saída das Forças Militares, ali aquarteladas, e que se tinham revoltado contra o Governo da Ditadura Militar.Em 1947, construíram-se 6 lagares em granito, no parque utilizado pelas viaturas militares e os tonéis foram montados nas cavalariças depois de devidamente adaptadas.
A primeira
laboração foi feita por processos artesanais, pois em Pinhel não havia energia
elétrica com potência suficiente e a mesma era desligada à meia-noite; às
próprias bombas de trasfega, eram movidas por motores de explosão. Foram 33
sócios, a entregar as uvas nesse ano na Adega; embora com bastantes
dificuldades, estava criada e posta a funcionar a Adega Cooperativa. Dos
primitivos 33 cooperantes, atingiu-se os 2.300 atuais.
Maiores informações acesse:
http://www.acpinhel.com/index.html
Referências:
“Além do Vinho”: https://alemdovinho.wordpress.com/tag/uva-siria/
“Wine”: https://www.wine.com.br/winepedia/sommelier-wine/serie-uvas-siria/
“Vinho Virtual”: https://www.vinhovirtual.com.br/uvas-207-S%C3%ADria
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