Atualmente o cenário para os enófilos brasileiros é
desanimador. Desanimador no que tange aos preços que sobem de uma forma abusiva
e, em alguns momentos, de maneira injustificável. Mas o custo Brasil é deveras
alto e a carga tributária que incide sobre o mercado da bebida de Baco é
devastador. Políticas para alavancar o setor são mencionadas pelo Poder Público
não são efetivadas e nós, pobres mortais trabalhadores apreciadores no néctar,
ainda sofre e muito com os valores. Como democratizar a cultura do vinho neste
país com um panorama desolador desses?
Mas não quero, a priori, entrar no mérito da discussão que é
urgente e necessária e a mencionei apenas como fator ilustrativo para falar
sobre alguns vinhos, de alguns países que, há 20 anos, por exemplo, eram
praticamente inviáveis nas gôndolas dos principais supermercados das grandes
cidades brasileiras. Mas há 20 anos o Bruno, enófilo, ainda estava muito cru no
universo dos vinhos, os contatos com o vinho ainda estavam sendo edificados e,
precisava de uma “litragem” maior.
O fato é que, independente da falta ou excesso de experiência
no universo dos vinhos, é que, por exemplo, o panorama do e-commerce no Brasil,
há 20 anos, era incipiente, tomando como parâmetro as inúmeras opções que temos
no mercado em dias atuais e, consequentemente, mais rótulos são ofertados.
Lembro-me que era, no passado, praticamente impossível encontrar alguns vinhos
de algumas nacionalidades inclusive a uruguaia. Ah como era difícil encontrar
vinhos uruguaios. Talvez, pela minha pouca “litragem” eu não sabia onde e como
procurar, talvez estivesse procurando nos lugares errados, mas o fato é que era
uma dificuldade atroz encontrar um rótulo do nosso pequeno vizinho.
Atualmente e isso eu posso dizer, sem medo, de que o
panorama, a oferta de rótulos de vinhos uruguaios é muito melhor do que alguns
anos atrás. Hoje eu posso dizer que aprecio os rótulos de um determinado
produtor do Uruguai ou aprecio vinhos de uma região em especial desse país. E
isso se deve muito a popularização do país e de seus produtos nacionais e o
vinho está entre eles. O vinho uruguaio é, diferentemente do Brasil, priorizado
como um produto de exportação do nome do país, uma marca que não se dissocia da
cultura dos uruguaios.
E a minha nova e agradável preferência daquelas terras vem de
sua capital, Montevidéu, os vinhos da Família Traversa. E, desde já,
compartilho aqui duas experiências maravilhosas que tive degustando o Traversa
Chardonnay da safra 2018 e o Traversa Roble Tannat e Merlot da safra 2016. E a
minha nova experiência sensorial vem da Família Traversa e o vinho que degustei
e gostei se chama Traversa Merlot da safra 2019. O meu primeiro Merlot (100%)
do Uruguai! Então falemos um pouco desse pequeno grande país e de seus feitos
viníferos.
Montevidéu
Montevidéu começou seu processo de fundação em 1723. O
Governador do Río de la Plata, Bruno Mauricio de Zabala, foi enviado pela coroa
espanhola para fundar esta cidade portuária e expulsar aos portugueses, que
tinham construído o Fuerte de Montevideu sobre a baia. Assim, as primeiras
famílias que povoaram “San Felipe y Santiago de Montevideo” foram de origem
espanhol, provenientes do grande centro colonial do Río de la Plata: Buenos
Aires. Pela sua condição de principal porto do Rio da Prata e Montevidéu teve
não teve bom relacionamento com a cidade vizinha.
Pedro Millán traçou o primeiro plano da cidade em 1726, ano
em que começaram a chegar os colonos das Ilhas Canarias. A antiga Ciudadela de
Montevidéu (edificada ao longo de uns quarenta anos) apresentava as
características típicas das cidades colônias da época: Uma Praça de Armas no
centro (Atual Praça Constitución o mais conhecida como Matriz) rodeada pela
Igreja (atual Catedral) e o edifício do governo (Cabildo). A pequena cidade
estava rodeada de muralhas das que hoje só ficam o portal de entrada, a simbólica
Puerta de la Ciudadela. Em 1807 se produziram as Invasões Inglesas, enfrentadas
e vencidas pelos orientais. Este fato deu a Montevidéu o status de “Muy Fiel y
Reconquistadora” e a converteu no bastião espanhol do Río de la Plata.
Montevidéu se manteve fiel a Espanha durante as Revoluções de Maio de 1810 em
Buenos Aires. Durante esse período, a coroa espanhola se instalou em
Montevidéu, o que significou o um grande crescimento para a cidade.
O departamento de Montevidéu se estabeleceu em 1816, como a
primeira divisão administrativa da Banda Oriental. Ao se declarar o novo Estado
Independente em 1828, Montevidéu foi estabelecido como capital, e a partir da
“Jura de la Constitución de 1830” começou a se projetar a “Nova Cidade” por
fora dos limites da Ciudadela. Contudo, a atual Ciudad Vieja foi durante muitas
décadas o centro econômico e cultural de Montevidéu. As grandes bandas
migratórias da Europa (principalmente espanhóis, mas também italianos, alemães,
franceses, húngaros, judeus e ingleses) deram ao Montevidéu de 1900 um ar
cosmopolita. A herança dos escravos africanos trazidos durante a época colonial
aportou o caráter multicultural da cidade, que se percebe até hoje. Ao longo do
século XX Montevidéu se expandiu sobre a baia para o leste, e também para o
norte, com numerosos centros de população afastadas do centro. A emblemática
Rambla de Montevidéu, principal cartão postal da cidade, foi construída em
1910. Outros monumentos significativos datam dos anos 20 e 30, como o Palacio
Legislativo e o Estádio Centenário.
O Uruguai era originalmente povoado pelos índios Charruas,
mas em 1680 os portugueses começaram a se assentar na região; os espanhóis
chegaram logo em seguida. As primeiras uvas viníferas foram cultivadas em
território uruguaio há mais de 250 anos. A produção de vinhos, entretanto, só
começou a ser realizada comercialmente na segunda metade do século XIX. Em
1870, Dom Pascal Harriague introduziu ao Uruguai várias castas de uva em busca
de uma que se adaptasse bem ao solo e clima da região. A Tannat foi a que se
saiu melhor na experiência e desde então, por causa do seu sucesso imediato e
duradouro no país, ela dá vida ao autêntico vinho uruguaio. Na década de 1970,
houve uma renovação na vitivinicultura do Uruguai; novas técnicas de plantio e
cultivo, bem como a introdução de novas variedades de uvas, possibilitaram um
desenvolvimento substancial à sua indústria de vinhos. Aliado a tudo isso, a
evolução dos vinhos uruguaios aconteceu por causa da paixão dos produtores e
apreciadores de lá pela bebida. A maneira artesanal e a relação respeitosa que
eles têm com as uvas que cultivam tornaram seus vinhos premiados e bastante
reconhecidos no mercado internacional.
Fortemente influenciado pelo Rio da Prata e Oceânico Atlântico, o Uruguai tem as suas principais regiões produtoras de vinhos na costa sul – Maldonado, Canelones e Colônia. Situado entre os paralelos 30 e 35, a exemplo de Chile, Argentina, Austrália e África do Sul, o país tem a possibilidade de elaborar vinhos que possuem a energia do Novo Mundo e o refinamento do Velho Mundo. É a terra do Tannat, sim, mas há muito mais por descobrir. O Uruguai é comparado com a região de Bordeaux, na França. Seu Rio da Prata é comumente equiparado ao estuário do Gironde. A maior região vitivinícola – Canelones – é dona de 60% da produção total. Fica bem no centro do país, ao sul, muito próxima da capital Montevidéu, que abriga 40% da população local com 3,4 milhões de moradores.
As demais regiões produtoras do sul do país ficam a menos de
duas horas da capital – à oeste, Colônia (pela Rota 1) e, à leste, Maldonado
(pela Rota 9). O Uruguai possui uma rota de vinho especial e aconchegante,
coordenada pela Associação de Turismo Enológico do Uruguai, que reúne muitas
bodegas familiares, com estrutura e história que fascinam seus visitantes. A
rota, batizada de “Os caminhos do vinho” passa por regiões de Montevidéu,
Canelones, Maldonado, Colônia e Rivera, cujas paisagens belas e exuberantes são
atrativos que complementam sua ótima gastronomia e seus vinhos finos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um lindo vermelho rubi intenso, mas com
brilhantes reflexos violáceos, com uma grande formação de finas lágrimas que
lindamente desenham as paredes do copo.
No nariz mostra a exuberância perfumada de frutas vermelhas
que se destacam como morango, cereja e framboesa com delicadas e discretas
notas de especiarias, herbáceas. Destacam-se também as notas florais, de flores
vermelhas que dão ao vinho caráter aromático de expressividade.
Na boca também revelam seus predicados. Um vinho jovem,
portanto mostra todo o seu frescor, sendo aveludado e elegante, mas com alguma
marcante personalidade, sobretudo pela sua versatilidade nas harmonizações com
diversos tipos de comida. Seus taninos são polidos e delicados e a acidez é
muito equilibrada, na medida certa com um final persistente, prolongado e com
um curioso picante ou amargor com um retrogosto frutado.
O Uruguai, bem como Portugal, está na moda! O país vem
promovendo e construindo, de forma exemplar, o seu enoturismo e mesmo tão
pequeno se torna tão grandioso valorizando a sua cultura a projetando em seus
rótulos, em seus vinhos, tornando eloquente, catapultando os seus terroirs,
entregando vinhos de grande tipicidade em todas as suas escalas de proposta,
com vinhos surpreendentes e especiais. Um Merlot surpreendente e, mesmo sendo
um vinho simples, jovem e fácil de degustar, revelou uma marcante
personalidade, sendo expressivo e versátil, harmonioso e elegante. A Família
Traversa definitivamente, apesar de uma jovem vinícola, está em franca
expansão, investindo em uma forte política de marketing a começar pelos vários
rótulos diferentes que variam de acordo com o mercado que quer atingir, com
vinhos com preços justos (O meu Traversa Merlot custou, pasmem R$ 22,90), mesmo
com um panorama tão difícil para nós, brasileiros, e que entregam muito, muito
além do que valem! Tem 12,7% de teor alcoólico.
Sobre a Família Traversa:
Esta empresa com as suas vastas vinhas e fábricas de
processamento de vinho, conta com a presença constante da Família Traversa.
Sessenta anos de muito trabalho e três gerações que sustentam a qualidade dos
seus vinhos. Cada novo plantio e manutenção, processamento, embalagem e
distribuição de vinho, marketing e atendimento ao cliente são sempre
supervisionados por um membro da família. Assim somos e ambicionamos qualidade,
e este é o resultado do nosso trabalho. A história desta família é o legado de
bondade e esperança que, como no nosso caso, estamos unidos nas vinhas e há
três gerações.
Em 1904, Carlos Domingo Traversa veio para o Uruguai com seus
pais. Filho de imigrantes italianos, foi em sua juventude peão rural em
fazendas de vinhedos, e em 1937 com sua esposa, Maria Josefa Salort, conseguiu
comprar 5 hectares de terras em Montevidéu. Suas primeiras plantações de uvas
de morango e moscatel foram em pequena escala. Em 1956 fundou a adega com os
seus filhos, Dante, Luis e Armando, que hoje com os seus netos têm muito
orgulho de continuar o seu sonho.
A atitude constante de crescimento contínuo, com dedicação e
desenvolvimento levou e ainda leva a vinícola a ser um exemplo em todo o
Uruguai. Em mais de 240 hectares próprios, além de vinhedos de produtores cujas
safras são controladas diretamente pela empresa, obtendo assim uma grande
harmonia com os vinhos e as próprias uvas. As variedades plantadas são: Tannat,
Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc. As
uvas são processadas com maquinários e instalações da mais alta tecnologia.
Inicia-se com um rígido controle de produção, colheita no momento ideal,
plantio de leveduras selecionadas, controle de fermentação, aplicação a frio no
processo de elaboração, clarificações e degustação dos vinhos para definir
diferentes categorias de qualidade. Daí passa-se a armazenar em grandes
recipientes de grande tecnologia, como inox, tanques térmicos, ou em barricas de
carvalho americano e francês.
Mais informações acesse:
http://grupotraversa.com.uy/en/
Referências:
“Uruguai.org”: http://www.uruguai.org/a-historia-de-montevideu/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/uruguai-natural_9771.html
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