Muitos tomam as suas decisões de escolher um vinho mediante
um valor baixo, aquele valor atrativo, bem baratinho que nos atrai, nos
hipnotiza que compramos sem olhar ou no máximo aquela casta de que apreciamos
geralmente aquelas muito famosas e que é fácil encontrar em qualquer ponto de
venda, como supermercados ou até em lojas especializadas. E comigo não era
diferente, admito, o valor baixo me atraia, aquela casta conhecida que não
tinha erro também, mas atualmente não são esses fatores que pesam na escolha de
um vinho.
Não sei dizer exatamente o motivo pelo qual o meu “radar”
mudou, mas hoje tenho dado um grande valor a escolher determinados vinhos cujas
castas são pouco populares ou pouquíssimas conhecidas ou de uma região menos
badalada, menos famosa. Diante disso, em tese, o risco de ser ter uma decepção
pode ser avassaladora e degustar um vinho que não esperava, afinal como
negligenciar um vinho da região de Bordeaux, na França, Alentejo, em Portugal,
Serra Gaúcha, no Brasil, por exemplo?
É claro que regiões como essas é quase irrecusável degustar
um vinho, são emblemáticas, tradicionais e especiais, mas será que temos de nos
render a uma zona de conforto que temos de admitir, ser um sério risco, é
rejeitar veementemente as outras regiões ou castas pelo simples fato não
conhece-las e sequer abrir a mente para conhece-las?
Como em vários aspectos da vida temos os tabus no universo do
vinho, mas eles estão aí para serem quebrados, rompidos, para que possamos nos
libertar e buscar novas experiências sensoriais. De um tempo para cá descobri,
quase que sem querer, uma região em Portugal chamada Beira Atlântico graças a
conhecida e famosa Bairrada que, geograficamente falando, é próxima a primeira
região. Degustei o primeiro vinho e gostei, degustei um segundo rótulo e
gostei. Pensei: Não é possível, essa região tem algo de especial, vamos buscar,
garimpar novos rótulos, novas experiências. E encontrei.
O vinho que degustei e gostei veio, claro, da Região do Beira
Atlântico, e se chama Moinho de Sula Colheita Selecionada, um branco composto
pelas autóctones castas Bical (40%), Maria-Gomes (40%), mais conhecida como
Fernão Pires e a famosa Arinto (20%) da safra 2017. E como falei, de forma
entusiasmada da região do Beira Atlântico nada mais justo do que falar um pouco
sobre ela, sobre a sua história e um pouco também das castas Bical e
Maria-Gomes, Fernão Pires, as menos conhecidas que compõe esse belíssimo blend.
Beira Atlântico
A produção de vinho na região remonta ao tempo dos romanos,
fazendo disso prova os diversos lagares talhados nas rochas graníticas (lagares
antropomórficos), onde na época o vinho era produzido. Já nos reinados de D.
Joao I e de D. Joao III, respectivamente, foram tomadas medidas de proteção
para os vinhos desta área do país, dadas a sua qualidade e importância social e
econômica.
A tradição destes vinhos remonta ao reinado de D. Afonso
Henriques, que autorizou a plantação das vinhas na região, com a condição de
ser dada uma quarta parte do vinho produzido. Estendendo-se desde o Minho ate a
Alta Estremadura, e uma região de agricultura predominantemente intensiva e multicultural,
de pequena propriedade, aonde a vinha ocupa um lugar de destaque e a qualidade
dos seus vinhos justifica o reconhecimento da DOC "Bairrada".
Os solos são de diferentes épocas geológicas, predominando os
terrenos pobres que variam de arenosos a argilosos, encontrando-se também, com
frequência, franco-arenosos. A vinha e cultivada predominantemente em solos de
natureza argilosa e argilo-calcaria. Os Invernos são longos e frescos e os
Verões quentes, amenizados por ventos de Oeste e de Noroeste, que com maior
frequenta e intensidade se faz sentir nas regiões mais próximas do mar.
A região da Bairrada situa-se entre Agueda e Coimbra,
delimitada a Norte pelo rio Vouga, a Sul pelo rio Mondego, a Leste pelas serras
do Caramulo e Bucaco e a Oeste pelo oceano Atlântico. E uma região de orografia
maioritariamente plana, com vinhas que raramente ultrapassam os 120 metros de
altitude, que, devido a sua planura e a proximidade do oceano, goza de um clima
temperado por uma fortíssima influencia atlântica, com chuvas abundantes e
temperaturas médias comedidas. Os solos dividem-se preponderantemente entre os
terrenos argilo-calcários e as longas faixas arenosas, consagrando estilos bem
diversos consoantes à predominância de cada elemento.
Integrada numa faixa litoral submetida a uma fortíssima
densidade populacional, a propriedade rural encontra-se dividida em milhares de
pequenas parcelas, com dimensões medias de exploração que raramente ultrapassam
um hectare de vinha, favorecendo a presença de grandes adegas cooperativas e de
grandes empresas vinificadoras, a par de um conjunto de produtores
engarrafadores que muito dignificam a região.
As fronteiras oficiais da Bairrada foram estabelecidas em
1867, por Antônio Augusto de Aguiar, tendo sido das primeiras regiões nacionais
a adoptar e a explorar os vinhos espumantes, uma vez que na região, o clima
fresco, úmido e de forte ascendência marítima favorece a sua elaboração,
oferecendo uvas de baixa graduação alcoólica e acidez elevada, condição
indispensável para a elaboração dos vinhos espumantes.
Bical
A Bical é uma uva branca de origem portuguesa utilizada na
elaboração de vinhos brancos e espumantes. Cultivada principalmente na região
de Beiras, especialmente na Bairrada e no Dão, no centro de Portugal, produz
vinhos de elevada acidez, podendo ser aproveitada em blends ou em vinhos varietais. É caracterizada por sabor frutado e
pode apresentar, em anos mais maduros, notas de frutas tropicais. Trata-se de
uma casta precoce com elevado teor alcoólico, que apresenta alta resistência à
podridão, mas tem como peculiaridade a alta sensibilidade ao oídio.
Também conhecida como Arinto de Alcobaça, Bical de Bairrada,
Pintado dos Pardais ou Pintado das Moscas, Barrado das Moscas e Borrado das
Moscas, devido à sua aparência nos vinhedos, a uva Bical é, junto com a uva
Maria Gomes, é uma das castas mais importantes desta região portuguesa da
Bairrada. Os vinhos elaborados com a casta Bical são bastante macios e muito
aromáticos, frescos e de boa estrutura. Respondem muito bem ao envelhecimento
em carvalho e ao contato estendido com as borras, resultando em ótimos vinhos.
Os melhores exemplares podem maturar por mais de dez anos, adquirindo
características próximas a vinhos elaborados com a Riesling. Esta uva também é
bastante utilizada em espumantes, muitas vezes misturada com as castas Arinto e
Cercial.
Uva bastante precoce, a Bical possui amadurecimento rápido
nos vinhedos e pode desenvolver alto teor alcoólico, principalmente se for
deixada na videira por um longo período. Quando apresenta acidez acima da
média, é utilizada na elaboração de espumantes ou em vinhos de corte com a
Arinto. Na região do Dão ela é conhecida como Borrado das Moscas, pois as uvas
maduras nos vinhedos apresentam pequenas manchas castanhas, que lembram muito o
desenho de moscas, mas que são apenas sardas na parte externa da fruta. Esta
característica faz com que se tenha a impressão de as uvas estarem levemente
irregulares.
Maria-Gomes ou Fernão Pires
Maria Gomes é uma variedade de pele clara conhecida
popularmente como uva Fernão Pires. Trata-se de uma variedade aromática e
cultivada, principalmente, em Portugal. A versátil uva Maria Gomes é utilizada
na elaboração de vinhos brancos secos e serve de base também para vinhos de
sobremesa e bons espumantes. Lima, laranja e raspas de limão são os três aromas
mais comuns encontrados nos vinhos Maria Gomes. Em alguns casos, os vinhos
apresentam também sabores de mel e bem minerais, com o decorrer do tempo em que
vão envelhecendo.
As vinhas da Maria Gomes se adaptam melhor quando são
cultivadas em regiões com temperaturas elevadas, principalmente, nas áreas
centrais e no sul de Portugal – Bairrada, Lisboa e Ribatejo. Os altos
rendimentos dessa variedade necessitam ser controlados pelo produtor, a fim de
que seus frutos apresentem complexos aromas e sabores. Além disso, as videiras
da Maria Gomes são sensíveis a geadas, sendo inadequada para o cultivo em
regiões frias. A maior parte dos vinhos produzidos a partir da Maria Gomes
apresenta excelente complexidade aromática, embora ocorram algumas complicações
por parte dos produtores, precisando que alguns cuidados sejam tomados durante
a vinificação para que seja produzido um bom vinho.
Os níveis de acidez da uva Maria Gomes podem diminuir
consideravelmente no final do crescimento, dando origem a vinhos pouco
complexos e “flácidos”, com tendência a serem simples. Apenas os melhores
exemplares podem envelhecer por alguns anos na garrafa. Na maior parte das
vezes, os vinhos de Portugal são combinações de duas ou mais uvas, e os vinhos
produzidos com a uva Maria Gomes não são exceção. A casta aparece nos rótulos
dos exemplares, normalmente, ao lado de outras cepas nativas de Portugal, como
a Arinto.
E agora finalmente o vinho!
Na taça tem um lindo, reluzente e brilhante amarelo palha com
discretas tonalidades esverdeadas.
No nariz explode em aromas frutados, de frutas brancas, como
pera, maçã verde, melão com toques citrinos e nuances tropicais que entregam um
frescor e leveza incríveis.
Na boca é fresco, leve, jovial, as notas frutadas aparecem
com grande destaque sem ser enjoativo, muito harmonioso e equilibrado, com uma
acidez correta e um final prolongado, persistente e de retrogosto frutado.
Novas regiões, castas autóctones, apelo regionalista,
tradições à flor da pele, novas experiências sensoriais, são todas essas
percepções que nos proporciona viagens maravilhosas ao vasto e inexplorado
universo do vinho. O Moinho de Sula, diante de sua nobre simplicidade, entrega
tudo isso e de forma incondicional e digo isso com toda a certeza, com toda a
excitação possível. E mostra que, podemos sim, romper com tabus e paradigmas no
conservador mundo do vinho que se esconde no óbvio da zona de conforto que nos
impede de degustar novos rótulos, novas castas e novas regiões. Um vinho jovem,
fresco, leve, saboroso, mas intenso e expressivo que, com a personalidade de sua
simplicidade entrega plenamente o que propõe. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Adega de Cantanhede:
Fundada em 1954 por um conjunto de 100 viticultores, a Adega
de Cantanhede conta hoje com 500 viticultores associados ativos e uma produção
anual de 6 a 7 milhões de quilos de uva, constituindo-se como o principal
produtor da Região Demarcada da Bairrada, representando cerca de 40% da
produção global da região. Hoje certifica cerca de 80% da sua produção, sendo
líder destacado nas vendas de vinhos DOC Bairrada DOC e Beira Atlântico IGP.
Reconhecendo a enorme competitividade existente no mercado
nacional e internacional, a evolução qualitativa dos seus vinhos é o resultado
da mais moderna tecnologia, com foco na qualidade e segurança alimentar (Adega
Certificada pela norma ISO 9001:2015, e mais recentemente pela IFS Food 6.1.),
mas também da promoção das castas Portuguesas, que sempre guiou a sua
estratégia, particularmente das variedades tradicionais da Bairrada – Baga,
Bical e Maria Gomes – mas também de outras castas Portuguesas que encontram na
Bairrada um Terroir de eleição, como sejam a Touriga Nacional, Aragonez e
Arinto, pois acredita que no inequívoco potencial de diferenciação e
singularidade que este património confere aos seus vinhos.
O seu portfólio inclui uma ampla gama de produtos. Em tinto,
branco e rose os seus vinhos vão desde os vinhos de mesa até vinhos Premium a
que acresce uma vasta gama de Espumantes produzidos exclusivamente pelo Método
Clássico, bem como Aguardentes e Vinhos Fortificados. É um portfólio que,
graças à sua diversidade e versatilidade, é capaz de atender a diferentes
segmentos de mercado, com diferentes graus de exigência em qualidade, que
resulta na presença dos seus produtos em mais de 20 mercados.
A sua notoriedade enquanto produtor, bem como dos seus vinhos
e das suas marcas, vem sendo confirmada e sustentadamente reforçada pelos
prémios que vem acumulando no seu palmarés, o que resulta em mais de 750
distinções atribuídas nos mais prestigiados concursos nacionais e internacionais,
com destaque para Mundus Vini – Alemanha, Concours Mondial de Bruxelles,
Selections Mondiales du Vins - Canada, Effervescents du Monde – França,
Berliner Wein Trophy – Alemanha e Japan Wine Challenge. sendo por diversas
ocasiões o único produtor da Bairrada com vinhos premiados nesses concursos e,
por isso, hoje um dos mais galardoados produtores da região. Em 2015 integrou o
TOP 100 dos Melhores Produtores Mundiais, pela WAWWJ – Associação Mundial dos
Jornalistas e Críticos de Vinho e Bebidas Espirituosas. Nos últimos 8 anos foi
eleita “Melhor Adega Cooperativa” em Portugal por 3 vezes pela imprensa
especializada.
Mais informações acesse:
Referências:
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/bical
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/maria-gomes
“IVV”: https://www.ivv.gov.pt/np4/503/
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