Bordeaux, na França, definitivamente é um universo à parte. E
como tal ainda tem muito a se explorar. As propostas e características
desenhadas por infindáveis terroirs parecem deduzir ao enófilo uma ignorância
retumbante, haja vista que, a cada nova degustação de um vinho bordalês nos
sentencia o óbvio: temos tanto a descobrir, tantas sub-regiões, tantos
vilarejos, tantas terras, tantas culturas intrínsecas e escondidas dentro de
uma garrafa e decretadas por rótulos.
Há os encorpados e complexos que garantem longevidade, há os
adocicados, há também os frutados e de boa acidez que lhe garante descontração
e simplicidade ao degustar, são tantas as propostas que nos entregam uma
diversidade, um leque de opções em todos os aspectos, dos sensoriais aos
monetários.
Mas há quem diga, diante dessa riqueza de propostas, que
Bordeaux que é Bordeaux que se preze tem de ser caro, amadeirado. O status de
uma região que é vitrine, referência para o mundo vitivinícola acaba virando
alvo de grife, sinônimo de poder econômico. Não devemos negligenciar os
clássicos dos clássicos, afinal atingiu esse ápice por merecimentos, por honra
e a benção de uma terra abastada pela natureza, tudo parece conspirar a favor
naquelas terras.
Tudo é tão meticulosamente complexo que eu não deveria sequer
ousar, talvez, entrar no mérito das discussões do status, dos valores, das
propostas, confesso-lhes, caros leitores, que tenho medo de falar, de tecer
quaisquer comentários acerca de uma região que parece um país, diante da sua
importância para o universo vinífero e que suscita a doce utopia de todo e
qualquer enófilo quer almeja, deseja ter em sua taça, em sua mesa, em sua
história.
Mas como todo clichê que fomenta a nossa vida, o vinho bom é
aquele que você degusta e gosta eu comprei, em um site especializado de venda
de vinhos, um Bordeaux a um preço arrebatador, aquele que mesmeriza, sabe? Te
envolve, te faz perder a noção? Um valor incrível, e ainda no frete grátis, na
bagatela de R$ 35! É claro que o “inseto” do juízo de valor pré-concebido
povoou a minha mente e as perguntas surgem: Será que é bom? Será gato por
lebre? Será o vinho ruim?
Mas aí surge o argumento da proposta, um alento mais do que
pertinente que nos faz ter o direito de degustar um Bordeaux que
definitivamente contemple as necessidades e desejos de todos os enófilos.
Parafraseando aquele presidente: “Sim, é possível!” É possível degustar um bom
Bordeaux em todos os seus estágios de propostas e ainda assim entregar
tipicidade, expressar o caráter daquela terra.
Então sem mais delongas apresento o vinho que degustei e
gostei que vem da emblemática Bordeaux e se chama Château Pinet la Houssaie
Bordeaux composto pelo clássico corte Merlot (60%), Cabernet Sauvignon (30%) e
Malbec (10%) da safra 2018. E como já disse, são tantos detalhes, fragmentos
que faz um todo que vale e muito a pena textualizar a história dessa região
mágica. Com vocês: Bordeaux.
Bordeaux
Não é de hoje que Bordeaux é referência no mundo do vinho.
Desde a Idade Média, a região tem atraído olhares de outras partes do mundo,
principalmente da Inglaterra, que a incorporou à rota mercantilista – isso num
tempo em que a maioria das denominações francesas eram praticamente desconhecidas
fora do país.
Vamos começar pensando na fama que Bordeaux tem: vinhos
elegantes, estruturados, bem feitos. Talvez os mais “franceses” da França.
Comprar um Bordeaux é, na maioria das vezes, a certeza de um vinho correto, de
um vinho que vai evoluir na guarda, de um vinho complexo, a cara do Velho
Mundo.
Posicionada no litoral sudoeste da França, Bordeaux é uma
região entremeada pelos rios Dordogne e Garone, que, ao se encontrarem, dão
origem ao Gironde (maior e mais influente que os demais). Seu próprio nome faz
referência aos rios (Bordeaux deriva da expressão francesa “au bord de l’eau”,
que significa “ao longo das águas”).
maiores atributos de Bordeaux. Além de amenizar o clima da
região, as águas provêm o melhor ambiente para o desenvolvimento das videiras. De
tão extensa que é Bordeaux, a denominação está mais para um conjunto de várias
denominações e terroirs. Um antigo ditado de Bordeaux diz que os melhores
vinhedos “podem ver o rio”, regiões onde o solo é formado por cascalho e
pedras, perfeito para a drenagem da água. A maioria dos principais produtores
bordaleses está exatamente nessas localidades. É exatamente por isso que
Bordeaux deu tão certo no mundo dos vinhos – ali, as uvas crescem no clima, no
solo… No terroir ideal. Existem outras denominações até melhores? Claro que
sim, mas Bordeaux ainda é vista como um modelo a ser seguido para que tudo dê
certo no final.
Na verdade, é sempre diferente. Mesmo com os rios, o clima da
localidade ainda é extremamente delicado, chegando a ponto de ser instável. É
justamente por isso que cada safra se diferencia das demais, algo que não se vê
na maior parte do Novo Mundo, onde os climas são estáveis.
O famoso corte bordalês
Apesar de vasta, Bordeaux cultiva poucas uvas. São elas
Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Malbec, Petit Verdot, Sauvignon
Blanc, Sémillon, Muscadelle e Ugni Blanc. Houve um tempo em que a Carménère
também brotava na região, porém foi extinta pela praga da filoxera que devastou
parte de Bordeaux (e da Europa inteira).
Não existe uma regra específica quanto às proporções usadas
no corte, e também nem todas as cepas precisam estar presentes. Cada uma delas
desempenha um papel no corte e contribui de alguma maneira para deixar o vinho
redondo, correto. Para se ter uma ideia, a maioria dos rótulos de Bordeaux nem
mencionam as uvas que levam.
O rio
Extensa, Bordeaux é formada por diversas comunas. E adivinhe
só? Cada uma se tornou uma denominação de origem (ou apelação, como chamam os
franceses). Para conseguirem estampar o nome da denominação de onde saíram, os
vinhos passam por longas e rigorosas avaliações.
Podemos dizer, de modo geral, que Bordeaux se divide em três
partes ao longo do rio Gironde: margem esquerda, margem direita e
Entre-Deux-Mers (“entre dois mares”, em francês). Daí, então, já dá para tirar
algumas conclusões: à direita do rio, predomina a Merlot, enquanto que à
esquerda, Cabernet Sauvignon; já Entre-Deux-Mers é conhecida por seus brancos. É
bom ter isso sempre em mente, afinal, os vinhos de Bordeaux não costumam
estampar a uva no rótulo, mas pela denominação já dá para saber!
O que sabe sobre a margem esquerda, tirando o fato de nela
predominar o cultivo da Cabernet Sauvignon? É onde estão alguns dos maiores
nomes de Bordeaux. São grandes as chances de já ter ouvido falar em alguns dos
rótulos e vinícolas de peso que de lá emergiram. As sub-regiões desse “pedaço”
de Bordeaux são: Médoc, Saint-Estèphe, Pauillac, Saint-Julien e Margaux.
Cruzar a margem do Gironde é como viajar para outra região.
As comunas à direita em nada lembram as da margem esquerda, com luxuosos
châteaux e vinhedos enormes. São mais modestas, menos conhecidas (com uma
exceção) e, além disso, quem domina a região é a Merlot, e não a Cabernet. As
suas sub-regiões desse pedaço são: Saint-Émilion e Pomerol.
Já em Entre-Deux-Mers, como o próprio nome diz, se encontra
entre os rios Dordogne e Garonne. É um tanto quanto marginalizada principalmente
quando comparada às demais denominações de Bordeaux. Nunca seus vinhos foram
classificados e a maioria dos tintos, inclusive, não segue as regras da
denominação Entre-Deux-Mers, se enquadrando apenas como Bordeaux ou Bordeaux
Superiéur. Lá, os brancos é que dominam. Feitos principalmente de blends de
Semillón, mas também de Sauvignon Blanc e Muscadelle, são florais com um toque
picante. E por não estagiarem em barrica, ganham leveza e frescor como nenhum
outro.
E como ler um rótulo de Bordeaux? Bordeaux
Superiéur, Cru, Grand Cru… O que é tudo isso? Que classificações são essas? Tudo começou em 1855
(antes mesmo da criação do conselho regulador), quando Napoleão III resolveu
organizar o Julgamento de Paris, que classificou os melhores vinhos à época. Esta
classificação não considerou toda Bordeaux, então algumas denominações,
sentindo-se inferiorizadas, criaram posteriormente as suas próprias
classificações. Premier Grand Cru, Grand Cru Classé, Grand Cru… E por aí vai!
Acredite, são várias delas, todas com nomes muito parecidos. Mas três, as mais
importantes, são usadas até hoje.
Para o evento, os principais châteaux deveriam classificar
seus vinhos do melhor para o pior e, então, seriam degustados, avaliados e
distribuídos em cinco categorias. Com apenas um vinho classificado, a vinícola
já ganha um título vitalício! Funciona como um atestado garantia de qualidade,
e até os vinhos mais simples que da propriedade saem têm preços astronômicos. Ao
todo, 61 produtores foram classificados… E adivinhe só? A maioria deles está
justamente em Médoc – fora isso, os outros que entram estão em Sauternes,
Barsac e Graves.
Château-o-quê?
Difícil mesmo é encontrar sequer um rótulo de Bordeaux sem a
palavra “château”. O que parece ser uma mania local, na verdade, tem uma explicação
pra lá de plausível.
Como a maioria dos vinhedos estava localizada no entorno de
castelos (châteaux, em francês), as vinícolas acabaram sendo batizadas com seus
nomes. Hoje, nem todas as vinícolas tem castelos próprios, mas mesmo assim são
denominadas châteaux!
Mis en Bouteille au Château
Procure pela frase num rótulo e tenha a certeza de que as
uvas do vinho que vai beber foram cultivadas e vinificadas no próprio château.
Ao pé da letra, “Mis en Bouteille au Château” significa “engarrafado no
château”, ou seja, é quando todas as etapas de produção de um vinho passaram
aos cuidados do próprio vinicultor.
Por que preferir estes? Para conhecer a tipicidade de um
terroir específico (pode acreditar que cada um deles tem características completamente
únicas!).
E agora finalmente o vinho!
Na taça o vermelho rubi intenso sobressai, mas com algum
reflexo violáceo que traz à tona um reluzente brilho, com uma profusão de
lágrimas finas que teimam em se dissipar das paredes do copo.
No nariz traz as frutas vermelhas como protagonistas, “estrelando”
cerejas, ameixa e talvez framboesa, com um toque de couro, estrebaria, carpete,
algo de tabaco, talvez, arriscaria dizer ainda notas terrosas.
Na taça é seco, com alguma estrutura, marcante, mas macio e
fácil de degustar, um pouco alcoólico no início, mas que logo se equilibrou, porém
não escondeu a sua presença em toda a degustação, mas que, em momento algum,
agrediu. Tem bom volume de boca, sendo saboroso, frutado, com taninos presentes
e redondos com uma acidez vivaz e final longo e persistente.
Entre margens, terroirs, caráter expressivo, marcante
personalidade, maciez, elegância, a fruta que traz leveza, estrutura, não há
como não se sentir alegre, mesmo que por um súbito momento de alegria, por um
efêmero momento, quando se degusta um Bordeaux. E parece que valores, propostas,
status, grife parecem perecer diante de uma taça cheia de um vinho bordalês!
Claro que detalhes como esse delimita a proposta de um vinho, te mostra o que
está degustando. O meu Château Pinet la Houssaie Bordeaux, que traz a
predominância da Merlot, traz a maciez, o espírito frutado, com uma acidez
equilibrada que determina as características mais marcantes desta emblemática
cepa, mas que entrega também personalidade, expressividade graças aos seus
taninos firmes e ainda presentes pela sua jovialidade, mas sem agredir ao
paladar, sem contar com o apelo estético, visual, com o típico vermelho rubi.
Barato sim, mas significativo, pois personifica uma região tradicional,
importante, histórica e que nos brinda com vinhos de toda ordem, de tantos
terroirs que parece se tratar um mundo, de um universo que muito tem ainda a se
explorar. Tem 13% de teor alcoólico.
O Château Pinet la Houssaie
Localizada na cidade de Berson, a vinha de Chateau Pinet La
Houssaie faz fronteira com a Côtes de Bourg e gira em torno da cidade de Blaye
em uma paisagem de colinas que correm ao lado de uma vista para o estuário.
Desfrutando de um clima favorável, as vinhas florescem completamente.
Sobre a Maison Bouey:
A história da família Bouey no vinho enraizou-se na região de
Médoc, no momento em que eles adquiriram suas primeiras vinhas em 1821. A casa
comercial foi criada posteriormente, em 1958, por Roger Bouey e seus filhos
André e Serge e continuou se desenvolvendo até agora, mantendo seu caráter
familiar e independência. 2016 marca uma virada no seu desenvolvimento.
Após uma carreira internacional em administração e finanças,
Patrick Bouey decidiu então, em 1989, se juntar a seu pai Serge e seu tio na
aventura da família, e assume totalmente as rédeas da empresa em 1991 com seu
irmão Jacques, o consultor artístico da casa. A empresa entra, dessa forma, em
uma nova era graças ao desenvolvimento das vendas em garrafas para a
distribuição em massa. Em 2005, Patrick deu à casa da família um novo nome:
Maison Bouey.
Com uma paixão pelo terroir e o desejo de produzir seus
próprios vinhos com uma abordagem de qualidade, a casa compra duas propriedades
no Médoc em 1998: o Château Lestruelle assim como o Château Maison Blanche,
ambos Crus Bourgeois. Patrick faz muitos trabalhos nas vinhas e nas adegas para
dar à casa os meios de sua ambição de se reconectar não só com o terroir mas
também com a qualidade.
Logo após, em 2009, Patrick Bouey transferiu todas as
instalações e escritórios em um único local em Ambarès, nos arredores de
Bordeaux. Foi uma nova alavanca para o desenvolvimento da empresa e então
Patrick lançou o “360 Plan”. Este plano se concentra em três diretrizes: subir
no mercado, desenvolver exportações, bem como um amplo plano de marketing e
comunicação.
A fim de destacar os notáveis terroirs da família no Médoc,
Patrick aumentou o portfólio de castelos em 2014 com o Château La France
Delhomme, Cru Bourgeois.
Este último incorpora a abordagem de premiumização da gama
‘Bouey Family Vineyards and Chateaus’. Posteriormente, em 2015, ele adicionou o
Château du Mont (Haut-Médoc) e o Crus Burguês Château La Ribaud e Château
Saint-Yzans. Desde 2007, Patrick trabalha com Stéphane Derenoncourt para todas
as propriedades da família. Tanto quanto houve a garantia de qualidade, tal
colaboração resultou na criação de coleções exclusivas de assinaturas como ‘Les
Parcelles’.
A Maison Bouey respeita a natureza e a vinha com agricultura
integrada. Mas a Maison Bouey não promove tanto a maneira como o vinho é
produzido, como a confiança no viticultor e a personalidade do terroir.
Portanto, a casa fez uma parceria estreita com os
viticultores cujo trabalho destaca a casa. Ele presta homenagem a eles com a
coleção “Retratos”, desse modo cada vinho leva a cara do viticultor que o
produziu. A essas coleções é adicionada a linha Grand Crus Classés. E muita
essência do que a casa faz de melhor, símbolo afinal do trabalho de excelência,
lançou a cuvée Villa des Crus com uma embalagem moderna e refinada, com cada
garrafa embrulhada em papel de seda e entregue em uma caixa de luxo.
Como resultado lógico da abordagem de premiumização, Patrick
Bouey desejava desenvolver a distribuição seletiva para um serviço de primeira
linha, clientes particulares e comitês de trabalhadores com a chegada de Benoît
Lesueur. Um sólido desenvolvimento das exportações permite aumentar os mercados
internacionais em cerca de sessenta países, que agora representam 60% do
faturamento.
Num espírito criativo, a casa lançou novos produtos e
conceitos como vinhos de prazer imediato, como ‘La Vache Rose’. Ademais, a
Maison Bouey também atravessa as fronteiras de Bordeaux lançando a coleção
Southwest que brinca com as notas de Malbec e Shiraz.
É claro, sem dúvida, que toda essa estratégia significa uma
maior comunicação com a imprensa e participação justa. No primeiro semestre,
Patrick Bouey esteve na capa de muitas revistas especializadas. Ele foi visto
nas maiores feiras dos últimos meses.
Agora, a casa é um ator moderno e dinâmico na cena de
Bordeaux, enquanto permanece como uma das últimas casas independentes e de propriedade
familiar do comércio.
Por fim, propriedades familiares, marcas exclusivas, Grands
Crus Classés, Maison Bouey se esforça para promover na França e em todo o mundo
um espírito baseado em talento, qualidade, confiança e paixão pelo vinho.
Mais informações acesse:
Referências:
“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/seja-um-craque/guia-definitivo-dos-vinhos-de-bordeaux/
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