“Degustar” história e se deleitar com conhecimento é único. E
nada melhor que fazê-lo da forma mais prazerosa possível, não forçosamente. O
que eu quero dizer é que o vinho, o simples ato de abrir uma garrafa e servir a
sua taça de vinho, simples para alguns, pode se tornar um transborde de
aprendizado, de cultura, de um intenso processo cognitivo.
E seguindo para o simples, mas nobre caminho da degustação,
ter acesso aos rótulos com aquele aspecto regionalista traz também todo o
charme e o entusiasmo para que esse processo cultural, da busca pela história
seja prazerosa e interessante também, afinal, um complementa o outro, são
convergentes.
E a Itália, sem sombra de dúvida, te entrega tudo isso com
maestria. Regiões e os seus mais diversos terroirs, peculiaridades de todo o
tipo que faz de um país, embora pequeno, geograficamente falando, gigante e
significativo na sua representatividade histórica na vitivinicultura mundial.
Um vinho, de uma pequena comuna ou município, como é chamado
na Terra da Bota, na emblemática região do Vêneto, é muito importante e
relativamente conhecida e reverenciada no mundo, mas que, no meu humilde
“currículo” de enófilo, saiu poucas degustações, sempre me chamou a atenção e
quando avistei em um famoso site especializado de compras, a um atrativo valor,
me fez automaticamente comprar, principalmente pelo caráter frutado, simples,
jovial e muito direto, quase informal, ao se degustar. Falo do Bardolino.
Fazemos tanta questão de degustar vinhos voluptuosos,
carnudos e complexos que hoje decidi explorar na minha adega um vinho mais
frutado, elegante e saboroso, descomplicado de degustar. E achei, achei um que
completasse os meus anseios e, ao degusta-lo, abraçou todos os meus iniciais
desejos. O vinho que degustei e gostei veio da pequena e significativa região
de Bardolino, no Vêneto, Itália, e se chama La Sogara composto pelas
tradicionais castas da região Corvina (70%), Rondinella (20%), e Molinara (10%)
da safra 2018.
Bem já que falamos tão demasiadamente de história,
conhecimento e cultura, para não perder o costume vamos seguir, antes de falar
do vinho, com um pouco de, adivinhe, história! Do Vêneto, de Bardolino, das
suas castas típicas e de tudo o mais que merecer.
Vêneto
O nordeste da Itália deve menos à tradição e mais ao desenvolvimento
moderno que o restante do país. Mesmo assim as origens do vinho ali remontam à
antiguidade, quando os etruscos dominavam a região e praticavam a agricultura e
o cultivo da vinha, por volta de 600 anos a.C.
Sua história posterior é semelhante a muitas outras regiões
italianas: grande desenvolvimento com a dominação romana, quase destruição da
atividade vinícola com a invasão dos bárbaros e retomados na era medieval. No
Vêneto, esse renascimento se deu ao redor do ano 1.000, sob a proteção da Sereníssima
República di Venezia. Mais perto de nossos dias, a produção de vinhos na região
sofreu grande influência austríaca.
A propósito, não se pode falar do vinho do Vêneto sem que se
ressalte o importante papel desempenhado pela República de Veneza na atividade
mercantil européia. Com enormes vantagens naturais, debruçada sobre o Adriático
e voltada para o Oriente, desenvolveu um vibrante comércio de mercadorias – e
dentre elas o vinho estava em primeiro lugar – por todo o Mediterrâneo,
singrado por sua veloz frota de modernos barcos. Traziam para o Ocidente os
vinhos da Grécia e também os bons vinhos que o Oriente Médio (Síria, Líbano,
Palestina) produzia, sem se importar com o domínio militar muçulmano por esses
mares.
Outra grande contribuição veneziana para a vinicultura
aconteceu por volta do ano de 1300, quando resgataram a antiga arte romana de
fabricar vidros transparentes, que os venezianos buscaram na Síria e
implantaram na ilha de Murano. Assim, já no século XVI, apenas os vinhos de
excelente qualidade eram guardados em garrafas, prática que toda a Europa
imitou.
Verona, Veneza, Vicenza e Padova são as principais cidades do
Vêneto. A região vinícola de Veneza faz fronteira ao norte com a Áustria, à
nordeste com o Friuli-Venezia Giulia, à noroeste com o Trentino Alto-Ádige, à
oeste com a Lombardia e ao sul com a Emilia- Romagna. As altitudes variam desde
as bem elevadas, próximas aos Alpes, até as planícies que bordejam o mar
Adriático, sendo o terreno normalmente ondulado. Muitos lagos, como o de Garda,
são encontrados em sua área, além de rios, como o Pó e o Piave, propiciando
grande desenvolvimento agrícola. O clima é continental, no interior, e de
influência mediterrânea, nas regiões próximas ao mar e ao lago de Garda.
Bardolino DOC
Bardolino está localizado na margem oriental do Lago de
Garda, a 30 km de Verona, em uma área montanhosa espremida entre o lago a oeste
e a colina moraina que separa o lago do vale de Adige a leste e o Vale do Pó. O
território municipal tem uma área de 5.428 hectares dos quais cerca de 1.574
hectares de terras e 3.836 hectares de lago; administrativamente faz fronteira
ao norte com Garda, a leste com Costermano, Affi Cavaion e Pastrengo; ao sul
com Lazise; a oeste com a província de Brescia.
A origem da cidade é muito remota e certamente remonta à
civilização itálica de moradias; vestígios de uma aldeia habitada por pilhas
estão presentes em Cisano (bem como em outros municípios ao sul de Bardolino). O
nome deriva do lombardo "bardus" ou "Lombard". Para Bardus,
o sufixo olus é adicionado para Bardolus ao qual o segundo sufixo de relevância
é adicionado, inus [divus + inus = divinus ou deus]. Esse é o "pequeno
lugar dos lombardos".
Os vinhos de Bardolino são produzidos com as mesmas castas do
Valpolicella (Corvina, Molinara e Rondinella) sendo, no entanto, mais leve.
Simplicidade, frescor e boa fruta são suas principais características. A lei
permite a adição de até 15% de outras uvas regionais como a Negrara, Sangiovese,
Barbera, Rossignola e Garganega.
A região de plantio circunda a cidade de Bardolino, à beira
do belo lago de Garda, e pode ser de dois tipos: Bardolino Classico, elaborado
com uvas oriundas da zona clássica ou histórica, e o Bardolino Classico Superiore,
feito também com uvas da zona histórica, mas com teor alcoólico superior a
12,5%.
Outro vinho da região é o Novello, uma versão italiana do
Beaujolais Nouveau, elaborado também por maceração carbônica, é um vinho para
ser bebido ainda mais jovem do que o Bardolino, assim como seu congênere
francês.
As castas
Corvina
A Corvina é a principal uva usada no grandioso vinho tinto
Amarone della Valpolicella e no vinho Valpolicella, combinada com parcelas de
uva Rondinella e casta Mollinara. Uma uva autóctone da região de Verona é
particularmente indicada à passificação – processo em que as uvas são secas
para perderem água e aumentar a concentração de açúcar e proporção de matéria
seca. Os bagos da uva Corvina são de tamanho médio, ovais e de cor azulado
escuro, formando cachos na forma piramidal.
O seu nome, inclusive, foi conferido graças a sua cor escura.
Corvina em italiano significa corvo, a uva é “escura como as penas de um
corvo”. A uva Corvina confere aos vinhos produzidos com a casta aromas de cerejas
e um toque amendoado, além do frescor conferido por sua ótima acidez. Quando os
rendimentos são mais altos (maior produção por vinhedo), os vinhos tintos
produzidos com a uva Corvina podem ser mais leves, frescos e frutados, como nos
exemplos mais clássicos de Valpolicella e Bardolino.
Molinara
A uva Molinara é nativa da Itália e recebe esse nome por ter
seus bagos envolvidos em uma fina camada branca, com uma aparência que sugere
terem sido salpicados de farinha branca, tal como um indivíduo recém-saído de
um moinho. Por isso, “molinara”, que significa “moinho” ou “moleiro”.
Acredita-se que essa variedade de uva tenha surgido em
Verona, na região de Vêneto, e grande parte de seu cultivo ainda se dá na
região norte da Itália. Mesmo no interior do país, mas sobretudo fora dele, a
uva Molinara pode receber outros nomes, como Rossara, Mullinari, Salata,
Vespone, Rossanella, Brepon Molinario, entre outros.
Com coloração roxa azulada, a uva Molinara é famosa pela
qualidade e excelência com que elabora os vinhos de corte nas regiões de
Valpolicella e Bardolino, levando mais acidez e frescor às variedades de
rótulos locais. Com bagos médios e cachos em formato de pirâmides alongadas,
esse tipo de uva tem caráter mineral, floral e frutado, que dá origem a vinhos
pouco encorpados e muito aromáticos, com leves tons de cereja, tabaco, pimenta
preta e amora.
Rondinella
A uva Rondinella é encontrada com maior facilidade na região
italiana do Vêneto, e raramente é cultivada fora dali. Trata-se de uma
variedade de uva tinta empregada na composição dos prestigiados vinhos
italianos de Valpolicella e Bardolino.
As vinhas da Rondinella são responsáveis por rendimentos
prolíficos, embora a uva seja raramente utilizada na produção de vinhos
varietais. A casta é empregada em blends ao lado da uva Corvina, adicionando
sabor marcante aos vinhos tintos produzidos na região do Vêneto.
Com cachos de dimensões médias e formatos cilíndricos, a uva
Rondinella é considerada uma variedade rústica e adapta-se facilmente a solos
que contenham alta quantidade de argila. Além disso, essa variedade é
perfeitamente adaptada para a secagem, especialmente, quando provém de vinhas
cultivadas em colinas.
Os vinhos produzidos a partir da uva Rondinella apresentam
coloração rubi intensa, e são marcados por aromas delicados e sabores frutados.
Os vinhos Rondinella possuem poucos taninos, no entanto, são bem estruturados.
E agora finalmente o vinho!
Na taça um rubi com reflexos violáceos envoltos em um
reluzente brilho com boa formação de lágrimas finas que logo se dissipam.
No nariz traz notas de frutas vermelhas frescas que entrega
muita leveza e um floral que me remete a flores vermelhas, a violeta.
Na boca é elegante, macio, delicado e com muita fruta, frutas
vermelhas, como morango e framboesa, com taninos finos e quase imperceptíveis
com uma belíssima acidez que lhe confere frescor e jovialidade. Final de média
persistência e frutado.
Simplicidade sempre foi para mim um ponto de alta nobreza,
ser nobre é ser simples, e nobreza a meu ver é ter um vinho saboroso na taça e
respirar um pouco de cultura e saber o motivo pelo qual o vinho que tanto
apreciamos tem determinadas nuances, características ou especificidades. Essa é
a melhor das harmonizações! O La Sogara Bardolino, diante da sua simplicidade,
da sua concepção mais direta e descompromissada expressa, com extrema
fidelidade, a região a qual foi concebida, expressa o caráter da terra que foi
concebida, o conceito mais fiel e preciso de terroir, termo tão comumente
mencionado entre os amantes dessa poesia líquida. Um vinho elegante, delicado,
frutado, fresco, ideal para se degustar despretensiosamente, com a alegria de
se celebrar o momento mais sublime que o vinho pode nos proporcionar: alegria e
leveza de espírito, sem amarras, simplesmente o vinho por ele mesmo, você e o
vinho e a história tão viva e latente quanto essa bebida. Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a La Sogara:
A adega moderna e sustentável foi renovada em 1995 e está
orientada para a redução do impacto ambiental. Ainda hoje é um dos mais
ecológicos da Itália. Dos 20 hectares iniciais, hoje a família tem 140
hectares, aos quais se somam 240 hectares sob manejo direto. A gestão sempre
fez com que os enólogos seguissem um protocolo qualitativo estabelecido pela
família Cottini. A produção é acompanhada em todas as etapas pela família
Cottini com a máxima atenção na proteção da qualidade e na fidelidade da
tradição.
La Sogara redescobre e valoriza os vinhos mais clássicos da
tradição veronesa. São vinhos ideais para partilhar com os amigos, pela sua
frescura e simplicidade. Versáteis para cada ocasião tornam cada dia especial.
Dedicados a quem pretende qualidade, farão com que fique bem
se os levar a um jantar com amigos ou família. Tão sincero quanto uma risada
que vem do coração. São vinhos que respeitam o meio ambiente e a tradição.
Sobre a Vinícola Cottini:
Em 1925, Carlo Cottini fundou a primeira empresa familiar
dedicada ao cultivo da vinha e da fruta, como se usava naquela época. Nos anos
50 seu filho Raffaello focou seus negócios exclusivamente na produção de
vinhos.
Chega então a vez de Diego, filho de Raffaello, que
demonstrou ambição e coragem para concretizar novos projetos de pesquisa e
melhoria constante no cultivo de vinhas familiares juntamente com a aquisição
de novas. Em seguida, ele criou vinhos inovadores, bem como definiu os
históricos.
Hoje a empresa envolve toda a família: Diego, sua esposa
Annalberta, seus filhos Michele e Mattia. Cada um tem seu próprio papel,
personalidade e habilidades que renovam a cada dia a herança de seu bisavô
Carlo e de seu avô Raffaello com um misto de compromisso, ambição e coragem.
Mais informações acesse:
http://www.lasogara.com/it/home/
https://www.cottinivini.com/en/intro-2/
Referências:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/terra-de-vinheteiros-e-mercadores_8613.html
“Município de Bardolino”: https://comune.bardolino.vr.it/turismo/storia/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/corvina
https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/molinara
https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/rondinella
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