A Merlot definitivamente tem uma importância ímpar na minha
trajetória de enófilo. Diria, sem medo ou exagero, que a Merlot ajudou a moldar
o que sou como um apreciador incondicional da poesia líquida. Foi uma casta
essencial para a minha transição dos vinhos de mesa para os vinhos finos, de
uvas vitis vinífera. Mas o mais
importante disso tudo é o impacto que ela causou em minha vida e que, a cada
degustação, a cada experiência sensorial vem impactando.
Lembro-me com nitidez que os primeiros rótulos da casta
Merlot que degustei logo me rendi de forma incondicional, me curvei perante a
ela e de imediato se tornou a minha casta preferida, mesmo que naquela época eu
ainda estava apenas no início da minha trajetória no universo do vinho.
Degustei alguns rótulos nacionais e chilenos, mas o segundo,
de cara, me impressionou: tinham personalidade, eram marcantes, alguns
encorpados, mas macios, equilibrados e fáceis de degustar. Embora naquela
época, como disse, estava apenas no início da minha caminhada no mundo dos
vinhos, eu conseguia ter essa percepção do vinho, o que fez curvar diante da
cobiçada Merlot.
E degustei de forma ávida e dedicada alguns rótulos chilenos
da casta Merlot e que maravilha era explorar cada um deles, de várias regiões,
cada um com a seu terroir, as suas características, fazendo com que eu
mergulhasse profundamente nos rótulos chilenos da casta. Tive momentos em que a
minha simples adega se tinha Merlot chileno, como foi intenso, uma espécie de
paixão avassaladora em que, determinadas situações, temia que razão tomasse
conta de meus sentidos e fizesse trazer à tona alguma ingrata realidade.
Mas não permiti que a temível e silenciosa zona de conforto,
tomasse conta de mim e o Chile se desbravou diante dos meus olhos e sentidos de
outras formas, ou melhor, de outras castas e rótulos nas suas mais diversas
propostas, mas não posso negar que o Chile e os seus grandiosos vinhos chegou a
mim graças a Merlot, bem como a casta propriamente dia.
E a minha mais nova degustação de um Merlot chileno veio de
uma forma inusitada e surpreendentemente incrível. Avistei, em uma das minhas
novas incursões aos supermercados, um Merlot do Chile com um atraente valor na
faixa dos R$ 23,00! Receoso, me aproximei para conferir com cuidado. Como
costumo fazer, acessei a página do produtor para colher mais informações acerca
do vinho e o que lá li me chamou muito atenção, sobretudo pelo fato do valor
tão baixo.
Não tinha nada a perder, afinal, um valor baixo, caso o vinho
não me agradasse eu perderia pouco dinheiro. E eis que o dia, o momento,
chegou! No barulho da rolha se desprendendo da garrafa, por um instante eu
voltei no tempo e relembrei de agradáveis degustações de bons Merlots chilenos.
Que vinho! Então apresento o vinho que degustei e gostei que veio do Vale del
Cachapoal, no Chile, e se chama Santa Ema Select Terroir Reserva, da safra
2018.
Então já que fiz comentários elogiosos a Merlot, falemos um
pouco da casta e também da região a qual o vinho foi concebido, já que o nome
do vinho traz a palavra-chave: “Terroir”.
Merlot: popular sim, mas elegante.
Por um longo período na história dos vinhos, a Merlot ficou
conhecida pejorativamente como a “outra tinta de Bordeaux”, região de sua
origem e cuja estrela principal era a Cabernet Sauvignon. Esse panorama começou
a mudar no final do século XX – atualmente ela é uma das castas de maior
sucesso no mundo, sendo cultivada em diversos países vitivinicultores.
Pesquisas revelam que a Merlot descende da casta Cabernet
Franc, também francesa, sendo meia-irmã das não menos famosas Carmenère e da
Cabernet Sauvignon. Apesar de seu prestígio ter se espalhado pelo mundo apenas
na década de 1980, a Merlot tem cultivo documentado há séculos atrás. A
primeira referência à uva que se tem notícia data de 1784, no seu país de
origem: a França.
A sua designação, Merlot, deriva de Merle – nome dado a um
pássaro na França que, assim como a uva, ostenta uma coloração escura e
profunda.
No século XIX foi muito cultivada na região de Médoc, que
fica à margem esquerda do rio Gironde. Tem seu nome mencionado em diversas
ocasiões na Itália e Suíça já na virada para o século XX, mas ganha notoriedade
mesmo quando entra no Novo Mundo em 1990, tornando-se a uva mais popular nos
Estados Unidos.
A França continua sendo o maior cultivador desta casta, com
aproximadamente dois terços da sua produção mundial. Bordeaux, com 56% de seus
vinhedos cobertos de Merlot, é a principal produtora; sobretudo na sua margem
direita, onde a uva domina as plantações das regiões de St. Émilion e Pomerol. Outros
países como Itália (onde a Merlot é a quinta casta mais plantada), Estados
Unidos (na Califórnia, principalmente), Argentina, Chile, Austrália, Brasil, Canadá
e África do Sul cultivam a Merlot de forma significativa. Denotando seu
prestígio, popularidade e fácil adaptação em diversas partes do globo.
Assim como a Cabernet Sauvignon, a Merlot tem boa adaptabilidade
a diversos solos e terroirs. Suas cepas se desenvolvem muito bem em solos
rochosos e áridos, mas também são bem cultivadas em solos argilosos. Quanto ao
clima, a adaptabilidade também reina, pois consegue produzir boas safras tanto
em climas mais quentes quanto em mais frios e úmidos.
Apesar do seu fácil cultivo e da sua flexibilidade, os
especialistas divergem a respeito do tempo de maturação dessa uva, não
existindo consenso. Isso porque, outra característica dessa uva é sua propensão
para passar do ponto do amadurecimento, o que pode acontecer em questão de dias
(um dia está boa e dias depois já amadureceu muito).
Os que defendem a colheita tardia entendem que isso conserva
os açúcares e a maturação fenólica de forma mais concentrada. A outra corrente,
ao contrário, acredita que a colheita tardia prejudica a acidez e destaca
excessivamente os aromas frutados, tornando o vinho mais pesado, com menos
frescor e elegância, razão pela qual defendem a colheita precoce.
Por causa dessa divergência que atualmente existem dois tipos
de vinhos Merlot: (i) o estilo internacional, elaborado no novo mundo, no qual
a uva é colhida mais tarde (no momento em que está mais madura), com teor
alcoólico mais alto e que resulta em um vinho mais encorpado. E (ii) o tradicional
estilo de Bordeaux, que usa uva colhida mais cedo para manter a acidez e
produzir vinhos de corpo médio, com teor alcoólico moderado.
Como se não bastassem essas diferenças, especialistas ainda
afirmam que há diferença de entre os vinhos em razão da região onde a uva é
cultivada, especificamente se é em local mais quente ou mais frio. De fato,
vinhos de regiões mais frias, como França, Itália e Chile, são mais
estruturados, com maior presença de taninos e aromas de tabaco. Já os vinhos de
regiões mais quentes, como da Califórnia, da Austrália e da Argentina, são mais
frutados e com taninos menos predominantes.
Vale de Cachapoal
O Valle del Cachapoal – Valle del Rapel, é uma sub-região da
região de Valle Central. Ocupa a parte sententrional do vale de Rapel, enquanto
o vizinho meridional é Colchágua. Embora por muito tempo se tenha falado só de
Rapel, pouco a pouco ambos foram se desligando dessa vizinhança a ponto de já
muitos poucos rótulos falarem em um Rapel genérico.
Existe lógica por trás dessa divisão, porque as diferenças
são importantes, tanto em clima quanto em topografia. Boa parte dos produtores
mais importantes de Cachapoal tem seus vinhedos aos pés dos Andes, local
chamado de Alto Cachapoal. Nessa região a Cabernet Sauvignon brilha com seu
frescor e elegância, mas, também, aproveitando a influência fria da cordilheira
e dos pedregosos solos aluviais de média fertilidade, conseguiram-se
interessantes resultados com a Viognier em brancos e
Cabernet Franc em tintos.
O poente, nos arredores de Peumo, as temperaturas aumentaram,
especialmente nos setores protegidos da influência marítima, como em Las
Cabras. Nesse setor, o estilo delicado e elegante transforma-se em maior
potência de álcool, maturidade e doçura. Isso explica por que, na região
ocidental do vale, a Carménère alcance sua completa maturação sem dificuldades.
Em Peumo, na margem setentrional do rio Cachapoal, são produzidos alguns dos
mais interessantes Carménère do Chile.
As brisas frescas da costa que deslizam pela bacia do rio
banham os vinhedos de frescor e, ao mesmo tempo, moderam as altas temperaturas
do setor. Isso explica, por exemplo, que os tintos tenham essas notas de ervas
e frutas vermelhas maduras proporcionadas pelas brisas frescas.
E agora finalmente o vinho!
Na taça mostra um imponente vermelho rubi intenso com
reflexos violáceos brilhantes com abundantes lágrimas grossas que mancham as
paredes do copo.
No nariz revela aromas de frutas vermelhas maduras, algo de
groselha e ameixas, com notas amadeiradas delicadas e de baunilha em um
equilíbrio invejável, graças aos 6 meses de passagem por barricas de carvalho,
cerca de 40% do vinho.
Na boca é um vinho austero, maduro, de tipicidade, com alguma
estrutura, mas muito macio e harmonioso, aparecendo, mais uma vez, as notas
amadeiradas, de forma discreta, fazendo com que a fruta sobressaia, o toque
herbáceo se faz presente também, com taninos firmes, mas domados, acidez
correta e final prolongado e frutado.
O nome do vinho traz aquela palavra-chave: “Terroir”. E ela
explica muita coisa que aqui foi textualizada. As características climáticas e
geográficas que personificam os Merlots chilenos, a personificação do genuíno.
Antes de saber ou pelo menos ter a mínima, a vaga noção do conceito de
“Terroir” eu já tinha a plena noção da tipicidade dos Merlots chilenos e foi o
que me cativou, o que me arrebatou por inteiro. Santa Ema Select Terroir
surpreende por entregar um vinho maduro, de personalidade marcante, mas suave,
elegante. Uma versatilidade que faz com que o vinho cative a todos os
paladares, dos mais exigentes aos iniciantes do universo vasto e inexplorado do
vinho que ainda tem a maravilhosa capacidade de nos surpreender. Que o Merlot
chileno continue nos inspirando e provocando verdadeiras catarses em nossos
sentidos. Tem 13,7% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Santa Ema:
O começo da Santa Ema remonta ao início do século XX, quando
o Sr. Pedro Pavone Voglino, imigrante italiano, vindo do Piemonte, atleta e
empresário, descobriu na Ilha de Maipo um Terroir, onde até hoje, ainda é a sede
da vinícola, isso em 1917. Em 1935 ele adquire a fazenda Santa Ema, com 35
hectares.
O fundador, juntamente com seu filho Félix Pavone Arbea, um
grande empreendedor e visionário, fundou a empresa vinícola, Vinhos Santa Ema,
em 1956, proporcionando uma avançada infraestrutura industrial para o
desenvolvimento e gerenciamento de vinhos embalados de alta qualidade.
A primeira exportação de vinhos Santa Ema para o mercado
exterior acontece em 1986 e, a partir de então, a Santa Ema se abriu para o
Chile e para o mundo, iniciando suas exportações em um processo de crescimento
sólido e ininterrupto, que hoje atinge a mais de 30 países de destino nas mãos
da terceira e quarta geração da família.
Se existe algo que caracteriza o espírito, a missão e a visão
dos Vinhos de Santa Ema, que continua pertencendo à Família Pavone, hoje em sua
quarta geração, é uma adesão plena e sustentada aos seguintes valores
fundamentais: Compromisso, Qualidade, Respeito, Honestidade e Responsabilidade.
Mais informações acesse:
https://www.santaema.cl/pt-br/?active=S
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=RAPELCACHAPOAL
“Blog Vinho Site”: http://blog.vinhosite.com.br/uva-merlot-conheca-mais-sobre-os-vinhos-dessa-variedade/
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/uva-merlot-quando-a-popularidade-encontrou-a-elegancia/
“Blog do Jeriel”: https://blogdojeriel.com.br/2011/11/09/o-vale-de-cachapoal/
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