Estamos, creio, testemunhando uma volta ao passado na
vitivinicultura do Brasil ou a recuperação de um passado, não sei dizer
exatamente. Estamos presenciando um “boom” de castas autóctones italianas em
nossos terroirs.
Cepas como Sangiovese, Teroldego, Barbera e por aí o vai são
alguns dos exemplos de algumas clássicas uvas, tendo outras, não muito
conhecidas, despontando em nossas terras, sobretudo no sul do Brasil, mais
precisamente em Santa Catarina.
Alguns produtores por lá cultivam apenas castas oriundas da
Itália! E o que estou tentando dizer com uma volta ao passado? Nos primórdios
de nossa jovem vitivinicultura, foram os italianos, os imigrantes, que
desbravaram as nossas selvagens, intocáveis terras e cultivaram algumas cepas
americanas, haja vista que o clima não “harmonizou” com as castas vitis viníferas que os italianos
trouxeram consigo.
Hoje com toda a tecnologia e a expertise dos seus
descendentes, com uma retaguarda de capital de algumas verdadeiras indústrias
do vinho, estão revistando o passado de seus desbravadores cultivando castas do
país da bota.
A Itália e suas castas estão sendo revisitadas em terras brasilianas trazendo o passado para o
presente, mas enaltecendo a tipicidade do local, das terras brasileiras. E não
se enganem que seja apenas no sul do Brasil, no Rio Grande do Sul ou em Santa
Catarina, mas há informações de que no Centro Oeste brasileiro algumas
vinícolas estão produzindo a Barbera! Sensacional!
E por falar em Barbera a minha degustação de hoje trará uma
vinícola de peso, de tradição que tem, em seu portfólio, um clássico feito de
outro clássico piemontês, a Barbera.
Uma junção de clássicos que entrega uma casta tradicional,
com um rótulo tipicamente da Serra Gaúcha, talvez a mais emblemática e icônica
região produtora de vinhos, não só do Brasil, mas da América Latina.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio do Vale Trentino, entre Caxias do Sul e Farroupilha, na
Serra Gaúcha, um brasileiro chamado Vitis da clássica italiana Barbera da safra
2018.
Um pouco sobre a linha “vitis”:
os varietais dessa linha de rótulos, a Barbera e também a Marselan, fazem
parte de uma categoria de uvas raras no Brasil e representam os resultados
surpreendentes que o terroir do Vale Trentino oferece para estas castas
europeias sem passagem por barrica. A linha foi lançada após mais de 10 anos do
plantio das videiras, momento no qual se percebeu que as mesmas haviam revelado
sua tipicidade na região.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo
volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao
Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura.
Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo
continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de
vinhedos implantado a partir do ano 2000.
Vale Trentino, Distrito de Forqueta
Localizada a 15Km da área central da cidade de Caxias do Sul,
a Região Administrativa de Forqueta tem como característica principal a
produção de vinhos e uvas, que responde por cerca de 90% da sua economia rural.
Conta a história de que o nome surgiu devido a abertura de uma casa de comércio
no entroncamento da Estrada Geral com a estrada que levava aos Santos Anjos. O
entroncamento tinha a forma de um garfo, uma “forchetta” em italiano, derivando
aí o nome de Forqueta.
Vale Trentino é o nome do roteiro que faz parte dessa região,
um percurso que reúne atrativos em Caxias do Sul e Farroupilha. Tem duas
características fortes: o cultivo da uva, com lindos vales e parreirais, o que
garante um belo passeio para contemplar as lindas paisagens. No centro está o
museu da Uva e do Vinho Plínio Slomp.
Outra característica é a religiosidade dentre as 15 capelas
em diferentes localidades do interior, uma é em devoção a Nossa Senhora da
Salete, a padroeira dos agricultores e de São Roque, em Farroupilha, que data
de 1898 e é uma das mais antigas.
Forqueta ainda tem a Festa do Vinho Novo, realizada a cada
dois anos nos três primeiros finais de semana de julho. O evento conta com
exposições, shows, desfiles temáticos e culinária típica.
Barbera, o “vinho do povo”.
Uma das maiores uvas italianas, ficando atrás apenas da Sangiovese, a uva Barbera, conhecida anteriormente por produzir vinhos de menor qualidade, hoje é responsável por vinhos nobres e notáveis. Esta casta passou, pelos últimos anos, uma verdadeira história de superação. Trata-se da uva que é responsável pelo vinho que os piemonteses consomem no dia a dia, daí o nome que foi concedido pelas pessoas da região: “o vinho do povo”.
Acredita-se que a uva Barbera tem origem nas montanhas de
Monferrato, na região central de Piemonte, na Itália. Alguns documentos,
datados entre 1246 e 1277, encontrados na Catedral da Casale Monferrato,
detalham acordos relacionados a vinhedos plantados com “de bonis vitibus barbexinis”,
a uva Barbera.
Contudo, um ampelógrafo chamado Pierre Viala especula que ela
se originou em Oltrepò Pavese, na região da Lombardia. Nos séculos 19 e 20,
ondas de imigrantes italianos trouxeram esta cepa para a Califórnia, Argentina
e outros lugares nas Américas. Em 1985, um evento trágico relacionado à uva
Barbera envolveu produtores adicionando ilegalmente metanol aos vinhos.
Esta ação causou declínio no plantio e vendas da uva. Isto
levou a Montepulciano tomar o posto da uva Barbera no meio da década de 90.
Anteriormente considerada uva de vinhos inferiores, até o escândalo de Relações
Públicas nas décadas de 80 e 90, a uva Barbera tomou um rumo de superação muito
interessante.
Frutado, ele tem gosto de cerejas, morangos e framboesas.
Quando jovem, o vinho Barbera pode ter aroma de mirtilos também. Com pouco
tanino e alta acidez natural, a uva Barbera é uma boa pedida para harmonizar
vinhos com alimentos ricos e reconfortantes, como queijos, carnes e cogumelos.
Além de Piemonte, a uva Barbera é cultivada em outras regiões
da Itália, como Campania, Emilia-Romagna, Puglia, Sardenha e Sicília, somando
52.600 acres de plantação. Fora do país, a Argentina, a Austrália, os Estados
Unidos e até mesmo o Brasil são outros produtores conhecidos de vinhos de
qualidade com a Barbera. Em regiões quentes, como a Califórnia, nos EUA,
destacam-se toques de ameixa, além do sabor frutado de cereja.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela uma cor vermelho rubi intensa, brilhante e com
reflexos violáceos, com lágrimas finas e em profusão, mas rápidas.
No nariz traz o protagonismo das frutas vermelhas, remetendo
a cerejas, amoras, framboesa e morango, além de delicadas expressões de
especiarias.
Na boca é seco de textura leve, mas de marcante personalidade
por ser untuoso, com o destaque para a fruta replicando as impressões
olfativas. Tem taninos sedosos, amáveis, macios, com acidez evidente, mas
equilibrada e um final de média persistência e retrogosto frutado.
Terroir, história, experiências sensoriais... Tudo parece
convergir para o prazer, para a celebração de se degustar um vinho, de se ter à
mesa um vinho para, primordialmente, proporcionar a alegria, o momento único de
se ter em nossa humilde taça um vinho desse naipe. O passado é o presente, que
inspira o futuro. Ah sim o Brasil vem ganhando expertise para o cultivo de uvas
autóctones italianas e se tornará, a médio e/ou longo prazo um dos grandes
produtores nesse quesito no mundo, até porque, tendo como primeira referência,
o Vitis Barbera, não há como negar, mesmo que com uma dose generosa de euforia,
esse momento para a história da vitivinicultura do Brasil. Que venham muitos,
que o passado, o presente e o futuro se entrelacem. Tem 14% de teor alcoólico.
Sobre a Casa Perini:
Em 1876 chegava da Itália a família Perini com Giuseppe e
Antônio Perini, mas somente em 1929 começaram a elaborar seus primeiros vinhos
de forma artesanal no porão de sua casa, quando os fornecia para cerimônias
festivas da comunidade local, no Vale Trentino, em Farroupilha.
Quatro décadas após o patriarca iniciar sua modesta produção,
seu filho viria a promover mudanças maiores. Em outubro de 1970 resolve ampliar
os negócios da família, fundando a Casa Perini.
Motivado e apaixonado por transformar a uva em vinho, buscam
a cada ano aperfeiçoar a vinícola com equipamentos, tecnologia e equipe
qualificada, pois sem uma equipe profissional a arte de elaborar vinhos perde
criatividade e talento. Em 2005 a Família Perini adquire a unidade Bacardi
Martini em Garibaldi agregando tecnologia ao seu processo produtivo através dos
tanques “Vinimatics”, utilizados na maceração e fermentação dos vinhos tintos.
Em 2010 a vinícola foi pioneira no setor ao implantar o
sistema de rastreabilidade no qual é possível, através do número do lote,
rastrear todo o caminho do vinho desde o vinhedo até a garrafa. O
reconhecimento vem a cada prêmio alcançado e a cada consumidor satisfeito, o
que se comprova com a conquista de mais de 200 medalhas nacionais e
internacionais e, principalmente, com a recente premiação do Casa Perini
Moscatel, eleito o 5° melhor vinho do mundo de 2017 pela WAWWJ (World Association
of Writers & Journalists of Wines & Spirits).
Mais informações acesse:
https://www.casaperini.com.br/home
Referências:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/piemonte-grandiosa-regiao-italiana_8360.html
“Vem da Uva”: https://www.vemdauva.com.br/vinho-barbera-conheca-suas-caracteristicas/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/uvas/256-uva-barbera-conheca-o-vinho-do-povo
“Blog Art des
Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-barbera-mais-plantadas-na-italia
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Guia de Caxias do Sul”: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/rural/categoria/regiao-de-forqueta-roteiro-vale-trentino
“Destinos do Sul”: https://destinosdosul.com/2021/02/24/uvas-e-muita-historia-no-vale-trentino-em-caxias-do-sul/
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