Sempre ouvi e li comentários de que os vinhos brasileiros não
são dotados de longevidade, incapazes de proporcionar boa evolução em garrafas
por anos e anos. Não sei se nutrimos, em outros aspectos da sociedade, o famoso
“complexo de vira-latas”, que não permite que valorizemos os nossos produtos,
ufanismos à parte.
Claro que não tenho absolutamente nada contra os vira-latas,
os acho adoráveis e carinhosos, não tem motivo para associá-los a baixa
autoestima, com o devido respeito a frase cunhada pelo grande Nelson Rodrigues.
O que me preocupa verdadeiramente é de fato a baixa autoestima dos brasileiros
e a capacidade apenas de valorizar o que não é nosso.
Evidente que a vitivinicultura brasileira, em comparação com
as demais do Velho Mundo, por exemplo, ainda está engatinhando, é muito jovem e
ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar ao status de excelência, mas
sim, temos vinhos para todos os gostos e exigências, inclusive os vinhos de
guarda.
E nada melhor que constatar isso conhecendo novos produtores
que vem despontando no cenário do vinho brasileiro e em regiões em igual
condição, ou seja, novas regiões que estão sendo desbravadas por abnegados
produtores e homens do vinho.
É o caso da Serra do Sudeste, no Rio
Grande do Sul e a Vinícola Hermann! A “joia bruta”, como alguns especialistas
chama a região, vem produzindo vinhos de tipicidade e de grande personalidade e
também os longevos rótulos!
Os vinhos da Hermann, vinícola
sediada em Santa Catarina, mas que cultivam seus vinhos na Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, eu tive o prazer de conhecer em um evento que uma casa de vendas de vinhos em
minha cidade, Niterói, estava promovendo, no ano de 2022 e que pode ser lido aqui os detalhes do evento.
Fui ao evento, confesso, sem muita
expectativa, pois não conhecia a vinícola e também porque desde 2020 eu não participava
de eventos de degustação em virtude do caos pandêmico a qual fomos acometidos
nesses últimos dois anos. Então lá fui!
Degustei cerca de seis rótulos e
gostei muito e comprei cerca de três rótulos distintos, inclusive um tinha nove
anos quando o degustei, o Matiz Plural 2013, degustado em 2022, além do
excelente Lírica Crua, um espumante natural com as leveduras que foi
simplesmente arrebatador.
E degustei outro que decidi esperar o
seu décimo ano de garrafa (um período “redondo”, sem mais) para degusta-lo e
esse, também da linha “matiz”, deixou uma excelente impressão no referido
evento e, dessa vez, eu teria uma garrafa todinha para mim.
Então sem mais delongas vamos às
apresentações do vinho! O vinho que degustei e gostei veio da Serra do Sudeste,
no Rio Grande do Sul, e de chama Matiz Cabernet Sauvignon da safra 2013. E para
não perder o costume, vamos de histórias, vamos de Serra do Sudeste!
Serra do Sudeste
Nossa mais famosa região vinícola é,
sem dúvida alguma, a Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de
Indicação de Procedência brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora,
sabemos que o Vale está chegando ao seu limite de plantio.
Como área de procedência certificada,
as regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras
de qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no
entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes
instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.
Os outros municípios que compõem a
região da Serra Gaúcha vêm se desenvolvendo com constância como Garibaldi,
Flores da Cunha e Farroupilha. Mas algumas novidades interessantes estão
aparecendo em cidades a noroeste de Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha
Pinheiro Machado e Casca, na direção de Passo Fundo.
Mas tem uma região que, apesar de ter
sido descoberta na década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma
região nova, pois somente a partir dos anos 2000, com investimentos feitos
pelas vinícolas da Serra Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado.
Essa região é a Serra do Sudeste.
Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando
os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo
rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra
importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha
Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a
linha da fronteira com o Uruguai.
A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o
plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar.
Aliadas a isso, estão as condições climáticas mais favoráveis do que no Vale
dos Vinhedos.
Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio
Grande do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da
maturação das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de
origem granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial
de envelhecimento dos vinhos.
O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou
pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000
que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por
aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado
e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como
pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).
Em grande parte, se trata de uma região vitícola, geralmente
as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra
Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem
pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada,
quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é
um fator crucial na lei das denominações de origem.
As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do
Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo
clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é
alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale
dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas
ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades
tardias.
A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a acidez
pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico, boa
acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas mais
cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer,
Sauvignon Blanc e Malvasia.
Se é verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama
encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um
patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem
demora.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, mas com reflexos
violáceos bem brilhantes, o que surpreende em se tratar de um vinho de 10 anos
de garrafa, ou seja, sem nenhum traço de evolução sob o aspecto visual.
No nariz traz um incrível e agradável frescor capitaneado
pelas notas frutadas, de frutas vermelhas e pretas maduras, com destaque para
framboesas, amoras, cerejas com a presença do carvalho, pelos longos 24 meses
em barricas, em uma bela sinergia, muito bem integrado ao vinho, além de toques
herbáceos, de especiarias, como pimenta preta e pimentão, típico da casta, couro
e algo de mineral e floral.
Na boca é saboroso, envolvente, com boa presença e volume,
bem untuoso, algo bem convidativo e instigante, diria, mas macio, elegante,
conquistados por uma década de garrafa. Essa complexidade e personalidade
marcante são garantidas também pela madeira, que, de forma discreta, se revela,
com arrojados toques de baunilha e leve toque de torrefação e tosta. Tem
taninos redondos, amáveis, com excelente acidez com final frutado.
O projeto da Hermann trouxe um dos caras mais importantes
atualmente da enologia lusitana, o Anselmo Mendes, considerado como o “pai da
Alvarinho”, que trouxe um pouco da identidade do seu país para agregar ao
terroir da Serra do Sudeste. É evidente que essa parceria traz peso e qualidade
aos rótulos e que pude comprovar em degustar esse maravilhoso rótulo que aos
dez anos mostrou-se vivo, pleno e com aptidão para evoluir por mais alguns anos
em garrafa. Sim os vinhos brasileiros têm potencial de guarda, têm
complexidade, têm relevância e têm a cara do vinho brasileiro, sem cópias e
comparações com o Velho Mundo. O Matiz Cabernet Sauvignon representa a
elegância, a complexidade, o arrojo que todo vinho com a sua proposta pode
entregar. Tanto que comprei outro rótulo que decidi deixar por pelo menos mais
cinco anos na adega. Como o encontrarei? Isso já é outra história. Tem 13,4%¨de
teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Hermann:
A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos
conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção
de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do
Brasil.
Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de
alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande
vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado
com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.
A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de
Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela
Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila
Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em
grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.
Mais informações acesse:
http://www.vinicolahermann.com.br/
Referências:
“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33
“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html
“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste
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