sábado, 21 de janeiro de 2023

Matiz Cabernet Sauvignon 2013

 

Sempre ouvi e li comentários de que os vinhos brasileiros não são dotados de longevidade, incapazes de proporcionar boa evolução em garrafas por anos e anos. Não sei se nutrimos, em outros aspectos da sociedade, o famoso “complexo de vira-latas”, que não permite que valorizemos os nossos produtos, ufanismos à parte.

Claro que não tenho absolutamente nada contra os vira-latas, os acho adoráveis e carinhosos, não tem motivo para associá-los a baixa autoestima, com o devido respeito a frase cunhada pelo grande Nelson Rodrigues. O que me preocupa verdadeiramente é de fato a baixa autoestima dos brasileiros e a capacidade apenas de valorizar o que não é nosso.

Evidente que a vitivinicultura brasileira, em comparação com as demais do Velho Mundo, por exemplo, ainda está engatinhando, é muito jovem e ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar ao status de excelência, mas sim, temos vinhos para todos os gostos e exigências, inclusive os vinhos de guarda.

E nada melhor que constatar isso conhecendo novos produtores que vem despontando no cenário do vinho brasileiro e em regiões em igual condição, ou seja, novas regiões que estão sendo desbravadas por abnegados produtores e homens do vinho.

É o caso da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul e a Vinícola Hermann! A “joia bruta”, como alguns especialistas chama a região, vem produzindo vinhos de tipicidade e de grande personalidade e também os longevos rótulos!

Os vinhos da Hermann, vinícola sediada em Santa Catarina, mas que cultivam seus vinhos na Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, eu tive o prazer de conhecer em um evento que uma casa de vendas de vinhos em minha cidade, Niterói, estava promovendo, no ano de 2022 e que pode ser lido aqui os detalhes do evento.

Fui ao evento, confesso, sem muita expectativa, pois não conhecia a vinícola e também porque desde 2020 eu não participava de eventos de degustação em virtude do caos pandêmico a qual fomos acometidos nesses últimos dois anos. Então lá fui!

Degustei cerca de seis rótulos e gostei muito e comprei cerca de três rótulos distintos, inclusive um tinha nove anos quando o degustei, o Matiz Plural 2013, degustado em 2022, além do excelente Lírica Crua, um espumante natural com as leveduras que foi simplesmente arrebatador.

E degustei outro que decidi esperar o seu décimo ano de garrafa (um período “redondo”, sem mais) para degusta-lo e esse, também da linha “matiz”, deixou uma excelente impressão no referido evento e, dessa vez, eu teria uma garrafa todinha para mim.

Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho! O vinho que degustei e gostei veio da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, e de chama Matiz Cabernet Sauvignon da safra 2013. E para não perder o costume, vamos de histórias, vamos de Serra do Sudeste!

Serra do Sudeste

Nossa mais famosa região vinícola é, sem dúvida alguma, a Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de Indicação de Procedência brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora, sabemos que o Vale está chegando ao seu limite de plantio.

Como área de procedência certificada, as regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras de qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.

Os outros municípios que compõem a região da Serra Gaúcha vêm se desenvolvendo com constância como Garibaldi, Flores da Cunha e Farroupilha. Mas algumas novidades interessantes estão aparecendo em cidades a noroeste de Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha Pinheiro Machado e Casca, na direção de Passo Fundo.

Mas tem uma região que, apesar de ter sido descoberta na década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma região nova, pois somente a partir dos anos 2000, com investimentos feitos pelas vinícolas da Serra Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado. Essa região é a Serra do Sudeste.

Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a linha da fronteira com o Uruguai.


Serra do Sudeste

A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar. Aliadas a isso, estão as condições climáticas mais favoráveis do que no Vale dos Vinhedos.

Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de envelhecimento dos vinhos.

O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000 que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).

Em grande parte, se trata de uma região vitícola, geralmente as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada, quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é um fator crucial na lei das denominações de origem.

As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades tardias.

A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a acidez pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico, boa acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas mais cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer, Sauvignon Blanc e Malvasia.

Se é verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem demora.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, mas com reflexos violáceos bem brilhantes, o que surpreende em se tratar de um vinho de 10 anos de garrafa, ou seja, sem nenhum traço de evolução sob o aspecto visual.

No nariz traz um incrível e agradável frescor capitaneado pelas notas frutadas, de frutas vermelhas e pretas maduras, com destaque para framboesas, amoras, cerejas com a presença do carvalho, pelos longos 24 meses em barricas, em uma bela sinergia, muito bem integrado ao vinho, além de toques herbáceos, de especiarias, como pimenta preta e pimentão, típico da casta, couro e algo de mineral e floral.

Na boca é saboroso, envolvente, com boa presença e volume, bem untuoso, algo bem convidativo e instigante, diria, mas macio, elegante, conquistados por uma década de garrafa. Essa complexidade e personalidade marcante são garantidas também pela madeira, que, de forma discreta, se revela, com arrojados toques de baunilha e leve toque de torrefação e tosta. Tem taninos redondos, amáveis, com excelente acidez com final frutado.

O projeto da Hermann trouxe um dos caras mais importantes atualmente da enologia lusitana, o Anselmo Mendes, considerado como o “pai da Alvarinho”, que trouxe um pouco da identidade do seu país para agregar ao terroir da Serra do Sudeste. É evidente que essa parceria traz peso e qualidade aos rótulos e que pude comprovar em degustar esse maravilhoso rótulo que aos dez anos mostrou-se vivo, pleno e com aptidão para evoluir por mais alguns anos em garrafa. Sim os vinhos brasileiros têm potencial de guarda, têm complexidade, têm relevância e têm a cara do vinho brasileiro, sem cópias e comparações com o Velho Mundo. O Matiz Cabernet Sauvignon representa a elegância, a complexidade, o arrojo que todo vinho com a sua proposta pode entregar. Tanto que comprei outro rótulo que decidi deixar por pelo menos mais cinco anos na adega. Como o encontrarei? Isso já é outra história. Tem 13,4%¨de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Hermann:

A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do Brasil.

Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.

A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolahermann.com.br/

Referências:

“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33

“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html

“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste







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