Estava eu em minhas necessárias incursões aos supermercados,
um tanto quanto desanimado, por não encontrar nenhum rótulo que me
interessasse, já estava me preparando para ir embora, mas, de relance, avistei
um espumante que, confesso já ter visto, mas com um valor demasiadamente alto e
que dessa vez estava com um valor extremamente atrativo e exposto de forma
chamativa: R$ 26,90! Logo me animei e fui de encontro a gôndola com o
espumante. A princípio pensava ser um espumante nacional, afinal, quando você
pensa, fala e deseja comprar um espumante você lembra instintivamente dos
rótulos brasileiros. Natural, levando-se em conta a qualidade, a tipicidade dos
nossos borbulhantes em terras brasileiras e até nas terras gringas! Mas, com a
garrafa nas mãos, olhei com mais atenção e dedicação, quando observei,
surpreendido e atônito, que se tratava de um espumante português! Sim! Um
espumante da terrinha que, para a minha realidade de um simples enófilo, não
era comum. E olhando um pouco mais percebi também ser oriundo da Bairrada, que
fica na região do Beira Atlântico, uma região conhecida e emblemática em
Português, mas com poucas ofertas de rótulos no Brasil. Vi que era safrado e
pasmem ainda: era do ano de 2013! Inacreditável! Um espumante com 6 anos de safra,
à época que comprei, em 2019! Fiquei animado, mas receoso, ao mesmo tempo.
Animado por ser tratar de um espumante português, da Bairrada, mas receoso pelo
tempo de safra, um tanto quanto longo. Porém decidi arriscar e comprei! Mas
decidi também degusta-lo o quanto antes.
Quando o dia chegou, o vinho foi desarrolhado com ansiedade e
quando estava com a temperatura no ponto foi chegada a hora da primeira taça, do
início da degustação. E voilá! O vinho que degustei e gostei demais é o
espumante Bom Caminho da casta Baga, um extra brut, da safra 2013. E detalhe:
foi meu primeiro “extra brut”: com o menos residual de açúcar possível, como eu
gosto nos espumantes. E agora falarei um pouco sobre a Bairrada, uma região
ainda não muito popular no Brasil e que é muito importante de Portugal.
Bairrada
A Região da Bairrada situada na Beira Litoral, entre Aveiro e
Coimbra, em pleno centro de Portugal, é uma região plana que se desenvolve ao
longo da faixa marítima, sendo o seu clima tipicamente atlântico, com invernos
amenos e chuvosos e verões suavizados pelos ventos provenientes do mar.
Data do século XIX a transformação da Bairrada numa região
produtora de vinhos de qualidade, apesar de a produção existir desde o século
X. O primeiro resultado prático dos investimentos realizados na altura, para o
melhoramento das técnicas de cultivo e de produção de vinho, foi a criação do
vinho espumante no ano de 1890.
A Bairrada foi uma das primeiras regiões de Portugal a
produzir vinhos espumantes e é, ainda hoje, considerada como a região mais
importante do país, no que concerne à produção deste tipo de vinho. O clima
fresco e húmido e os solos argilo-calcários e arenosos, favorecem a sua
elaboração, proporcionando uvas de elevada acidez e baixa graduação alcoólica,
resultando em vinhos frescos, aromáticos e com excelente paladar. A Região da
Bairrada é também rica na produção de vinhos brancos e tintos, elaborados a partir
de castas tradicionais e internacionais. A casta dominante na região é a Baga,
normalmente plantada em solos argilosos. Os vinhos feitos a partir desta casta
são ácidos e carregados de cor, contudo são bem equilibrados e têm uma
longevidade elevada. Os vinhos e espumantes da Bairrada são ideais para
acompanhar as especialidades gastronómicas da região, como o saboroso leitão
assado, os pratos de peixe fresco e marisco, e os requintados doces
conventuais.
Nas últimas décadas este processo de reestruturação chegou a
fronteiras cada vez mais distantes. O emprego agrícola não resistiu às novas
atracções urbanas, a indústria exigiu maiores centralidades e os serviços
prosseguem ainda num crescimento que está para lá do nosso horizonte atual. Daí
a possibilidade de lançar olhares em múltiplas direções e das visões se
entrecruzarem, umas vezes parecendo dar respostas, outras apenas interrogando. A
Bairrada é ainda um palco privilegiado das transformações que têm ocorrido em
Portugal. Resume a mesma vitalidade social, idênticas potencialidades naturais,
uma vocação comum para descobrir e sonhar, tudo em tamanho pequeno. No entanto
só alguns conseguem penetrar nos seus segredos e desfrutar de todo o seu
encantamento.
E agora o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha límpido e brilhante, com
perlages finos, abundantes e persistentes.
No nariz ainda mostrava frescor, apesar da safra ser de 2013,
leveza e leve, mas com alguma personalidade garantida pela casta típica da
região, a Baga. Percebi ainda um toque de cremosidade, fermento, bem discreto,
mostrando-se equilibrado. Nota-se também os toques frutados, de fruta branca,
cítrica.
Na boca a cremosidade é evidente, mas discreta também, com
bom equilíbrio e frescor, o corpo leve é percebido, se revelando jovem e
altivo, com uma boa acidez, com um final agradável, frutado e persistente.
Que vinho surpreendente! De fato pude perceber, em todas as
nuances sensoriais, o quanto a Bairrada é importante na produção de espumantes
em Portugal. Vinhos de personalidade e muita tipicidade garantida pela casta
típica da região, a Baga. Valeu a pena correr o risco, afinal, comprar,
escolher um vinho sempre foi e será um risco, o que precisamos é abrir a mente
e se permitir experimentar rótulos, castas e regiões novas. O universo do vinho
ainda é inexplorável e a nossa obrigação, de enófilos dedicados, é mergulhar
fundo e viajar. Espero ter a oportunidade de degustar um novo espumante da
Bairrada e que o meu caminho continue seguindo plenamente. Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Caves São João:
Fundadas em 1920 pelos irmãos José, Manuel e Albano Costa, as
Caves São João são uma empresa familiar que, a princípio, se dedicava à
comercialização de vinhos finos do Douro e licores. É hoje a empresa familiar
mais antiga ainda em actividade no concelho de Anadia. Nos anos 30, com a
interdição da elaboração dos vinhos do Porto fora de Vila Nova de Gaia, a
Empresa começa a comercializar vinhos de mesa da Bairrada. Nessa altura, inicia
também a produção de espumantes naturais, pelo método “champanhês”, sendo de
destacar, nesta fase, o importante papel do enólogo francês Gaston Mennesson. Dá
início à exportação de vinhos para o mercado brasileiro e, pouco tempo depois,
para as colónias portuguesas em África. No final da década de 50 nasce uma das
mais célebres marcas de vinhos da região da Bairrada – o “Frei João” – e, um
pouco mais tarde, uma marca da região demarcada do Dão, o “Porta dos
Cavaleiros”. Com a designação “Reserva”, iniciada pelas Caves São João, esta
inova no mercado dos vinhos, utilizando rótulos de papel revestidos a cortiça
natural. As Caves São João adquirem a Quinta do Poço do Lobo, propriedade
rústica com cerca de 37 hectares, situada na pequena localidade de Pocariça no
concelho de Cantanhede. A Quinta foi, então, totalmente replantada com castas selecionadas
e rigorosamente parceladas. Com as uvas ali colhidas, a empresa iniciou a
produção do vinho “Quinta do Poço do Lobo - Bairrada”, um Bairrada Tinto com
uvas das castas Baga, Moreto e Castelão; o “Quinta do Poço do Lobo - Cabernet
Sauvignon”, um vinho varietal com a casta de maior prestígio em todo o mundo;
um vinho branco elaborado com a casta Arinto e o “Espumante Quinta do Poço do
Lobo”, um espumante com uvas das castas Arinto e Chardonnay. oje em dia, e
depois de alguns investimentos na área da vinificação e controlo de qualidade,
as Caves São João encontram-se preparadas para fazer face aos futuros desafios
a nível da produção, sempre com a preocupação de acompanhar a evolução dos
mercados e os gostos de consumidores cada vez mais exigentes e atentos.
Mais informações acesse:
https://www.cavessaojoao.com/index.html
Referências de pesquisa:
“Portugal by
Wine”: https://www.portugalbywine.com/pt/regioes/info/bairrada_30/
“Comissão Vitivinícola da Bairrada”: http://www.cvbairrada.pt/pt/conteudos/conteudos/scripts/core.htm?p=conteudos&f=conteudos&lang=pt&idcont=108
Degustado em: 2019
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