Não se engane e não se deixe enganar pelos vinhos baratos.
Não se engane e não se deixe enganar com a discriminação e a intolerância de
algumas pessoas quando falam dos vinhos vendidos em supermercados. Você pode se
surpreender com os rótulos que podem encontrar a um baixo preço nos
supermercados. Desde que me entendo como enófilo, que sempre fiz as minhas
incursões em supermercados e sempre encontrei vinhos especiais, surpreendentes
nesses pontos de venda. Claro que seguir recomendações básicas de especialistas
e ter bom senso, senso crítico é também extremamente conveniente, mas não
podemos nos condicionar a comentários preconceituosos que segrega.
Por que estou dizendo isso tudo? Passei por uma experiência
incrível de um vinho que avistei em uma gôndola de um grande supermercado, que
estava meio esquecido, quase no chão, de tão vilipendiado e com alguma poeira
em si e no seu entorno. Qualquer um, em uma pretensa “sã consciência” não
arriscaria comprar um vinho nessas condições custando em torno de R$ 32,00!
Evidente que o preço atrai, pode ser, confesso pernicioso em
alguns momentos e ser, em grande parte, o fator preponderante para uma compra
de vinho, mas, quando o tomei pelas mãos, embora com algum ceticismo inicial,
senti, meu coração dizia, apesar do valor excepcional, que se tratava de um
vinho, no mínimo interessante. Esse fora o meu primeiro crianza. Esse foi a
abertura de uma janela para o mundo maravilhoso dos vinhos espanhóis que eu
pouco conhecia e que, talvez pelo desconhecimento, abriu um precedente para uma
visão pré-concebida, preconceituosa mesmo, dos vinhos desse tradicional país.
Acredito que tenha sido por intermédio desse vinho que o meu
interesse pelos rótulos evoluídos, com capacidade de guarda, tenha surgido e
confesso também que esse tenha sido o motivo pelo qual tenha surgido junto o
meu ceticismo, afinal esse rótulo era de uma safra “antiga”, 2013, e acredito
também que a safra tenha feito com que o valor do vinho tenha despencado.
Decidi compra-lo e decidi também que não levaria muito tempo para degusta-lo,
estava muito curioso em tê-lo em minha taça. É chegado o grande dia!
Desarrolhei o vinho, ainda com resquício de desconfiança, mas muito animado e
quando o coloquei em minha taça, que maravilha! O vinho que degustei e gostei veio
de uma famosa, mas que eu não conhecia até então, região espanhola de Penedès,
da igualmente famosa Bodega Pinord, e se chama Clos de Torribas, um crianza,
composto pelas castas Tempranillo (90%) e Cabernet Sauvignon (10%) da safra
2013. Então falemos um pouco do conceito de “crianza” e contar um pouco da
história da região de Penedès.
Crianza
O termo “Crianza”, encontrado em alguns dos rótulos dos
vinhos espanhóis, ainda causa muita confusão. Ao contrário do que muitos imaginam
a palavra não está relacionada à jovialidade do vinho (não tem nada a ver com
criança). A questão principal ao falar sobre um vinho Crianza é a sua
maturação. O termo Crianza em espanhol é aplicado para determinar que àquele
vinho passou por um processo em barrica de carvalho, desse modo, entrando em
contato com madeira, e com isso, adquirindo corpo.
Geralmente um crianza estagia, no mínimo, seis meses em
barrica de carvalho. Nas regiões de Rioja e Ribera del Duero, o tempo em
carvalho aumenta para um ano. No caso dos brancos e rosés, mínimo de seis meses
em barricas e total de um ano e meio de amadurecimento. E o que isso
representa? Que é um vinho mais elaborado e que, por ter amadurecido em contato
com a madeira, ganhou mais complexidade de aromas e sabores quando comparado a vinhos
que não passam por este estágio.
Como todos os vinhos que passam por madeira – e podemos
incluir os vinhos Reserva e Gran Reserva – os vinhos Crianza tem um maior
volume de aromas, complexidade e sabores. São indicados para uma apreciação
paciente e para acompanhar pratos que exijam uma presença de vinhos aromáticos.
Leia mais sobre os vinhos crianza, reserva e gran reserva em: Classificação dos Vinhos Espanhóis.
DO Penedès
A menos de meia hora de Barcelona está o DO Penedès que pode
orgulhar-se de 2.700 anos de história. As últimas descobertas arqueológicas na Font
de la Canya encontraram vestígios de grainhas de uva, o que mostra que os
habitantes desta zona já faziam vinho nesta época, assim como uma vasilha
grega, um sinal inequívoco, para o beber. Este local, a Font de la Canya, era
um armazém de cereais, vinho e metais. A sua proximidade com aquela estrada
romana conhecida por Via Augusta e que coincide com as atuais linhas
ferroviárias e autoestradas, faz imaginar que seja um poderoso povoado de
produtores e comerciantes.
Recuando no tempo, a uma época muito passada, em que esta
depressão que hoje é conhecida como Penedès foi ocupada pelo mar, e que mais
tarde recuou até como a conhecemos hoje, deixou a sua marca na terra depois de
milhões de anos podemos encontrar notas iodadas e salinas nos vinhos que são
feitos com as uvas aqui cultivadas. Como prova dessa afirmação, restos marinhos
foram encontrados, como fósseis de ostras, bivalves, dente de tubarão, etc. que
nos falam sobre seu passado como um mar.
Recuando a uma época mais recente, já na nossa era cristã,
foram encontrados documentos escritos do século X que falam da viticultura
nesta zona do Penedès. E já no nosso momento atual, e como consequência do
crescimento de 3 grandes vinícolas neste DO Penedès, tem motivado a criação de
dois DOs independentes: o DO Cava e o DO Catalunya. À semelhança do modelo
francês, já pensam em distinguir as diferentes subáreas que compõem este
território. Esta DO está também a trabalhar na divulgação de todas as
idiossincrasias desta zona, promovendo o enoturismo com visitas guiadas a
adegas e espaços culturais da zona. Também o esforço de recuperação da uva
autóctone como forma urgente de se adaptar às consequências desastrosas e
irrefreáveis das alterações climáticas.
O clima é mediterrâneo. Os verões são quentes, os invernos
são suaves, e as chuvas moderadas estão concentradas, principalmente na
primavera e no outono. Mas a variação climática é bastante grande, dentro da
região. A denominação é composta por 3 zonas distintas: Penedès Superior
(próxima às cordilheiras do interior), Penedès Marítimo ou Baixo (entre o mar e
as colinas costeiras) e Penedès Central (na planície entre essas duas zonas). Aproximadamente
75% dos vinhedos da denominação estão ocupados com vinhas de cepas brancas,
sendo que as mais cultivadas são: Xarel-lo, Macabeu, Parellada, Chardonnay e
Moscatel d’Alexandria. Entre as tintas, as mais cultivadas dentro das regras do
conselho regulador são Merlot, Cabernet Sauvignon e Tempranillo. É possível
observar, nessa região, uma tendência dos produtores para as cepas
internacionais, em detrimento às nativas. O estilo dos vinhos de Penedès varia
de secos a doces, tranquilos a espumantes, podendo ser brancos, tintos ou
rosés. Os melhores tintos encorpados vêm do Alto Penedès, ou Penedès Superior.
Os brancos frescos de maior destaque, em contrapartida, são produzidos no Baixo
Penedès.
E agora o vinho!
Na taça tem um vermelho rubi intenso e brilhante quase escuro
com discretos tons atijolados na borda, com lágrimas finas e abundantes que
teimavam em se dissipar da parede do copo.
No nariz se destaca o aroma da madeira, graças aos 12 meses
de passagem por barricas de carvalho, de frutas vermelhas maduras, toques
herbáceos, de especiarias e de terra.
Na boca é seco, de paladar suave, moderado, delicado e
elegante, mas mostrando complexidade graças a passagem pela madeira amaciando o
vinho e também pelo tempo em garrafa, de mais 12 meses, antes de sair da
vinícola. É percebido também as notas amadeiradas muito bem integrado aos
taninos, polidos e presentes, com a acidez de leve para moderada que ainda lhe
confere frescor e vivacidade. Final longo e persistente com retrogosto frutado.
Um crianza espetacular e que ainda estava no auge, na
plenitude de sua personalidade e expressividade, entregando também elegância e
equilíbrio. Um vinho complexo como todo o crianza pode proporcionar. Um vinho
esquecido e desprezado na gôndola do supermercado, barateado porque estava
encalhado, mas que se revelou especial e surpreendente, poderoso e delicado e
com essa versatilidade certamente pode ser democrático nos mais variados e
exigentes paladares. Ponto positivo também para a tradicional e gigante Bodegas
Pinord que é sinônimo do que há de melhor das terras espanholas enaltecendo seu
terroir, a importância de Penedès e dos seus grandes rótulos nas mais diversas
expressões e propostas. Viva as grandes supressas e aos grandes vinhos
espanhóis. Tanto gostei dos crianzas da Pinord que degustei o Viña Chatel da safra 2013! Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Bodegas Pinord:
Bodegas Pinord têm mais de cem anos de experiência em
vinificação na região de Penedès, no nordeste da Espanha, em seu nome. Eles
produzem vinhos e cavas (espumantes), usando métodos tradicionais, herdados de
seus ancestrais. Hoje, o uso de tecnologia de ponta, juntamente com uma equipe
excepcional de profissionais esforçados, ajuda a tornar seus vinhos e cavas
famosos em todo o mundo. A história da Bodegas Pinord remonta ao tempo em que,
há mais de cento e cinquenta anos, a família Tetas começou a produzir vinhos
brancos e tintos em sua propriedade em Sant Cugat Sesgarrigues a partir de uvas
que eles mesmos haviam cultivado. Mesmo naquela época, eles produziam e
envelheciam os vinhos usando os métodos mais tradicionais empregados na região.
Em 1942, Josep Maria Tetas instalou a atual vinícola em Vilafranca del Penedès,
a apenas quatro quilômetros da propriedade original. É o nome desta vinha que,
de fato, inspirou a família a criar o nome da empresa: “Pi del Nord” (Pinheiro
do Norte) e hoje, que foi reconvertida para a agricultura orgânica, fornecendo
à vinícola uvas de alta qualidade, assim como fez séculos antes. Naquela época,
Miquel Tetas, pai de Josep Maria, fermentou uvas Xarel·lo de suas vinhas e, uma
vez que foi dito, ele viajou a noite toda com um cavalo e uma carroça e dois
barris de 500 litros para vender seus vinhos em Barcelona, onde os habitantes
desfrutaram muito da delicadeza de seus vinhos. Logo, Josep Maria Tetas, que
era um homem inquisitivo e empreendedor, observou como alguns de seus vinhos
jovens emitiam espontaneamente pequenas quantidades de dióxido de carbono -
bolhas como os petilantes franceses ou os frizzantes italianos. Ele começou a
investigar como fermentar suas uvas, a fim de manter essa efervescência em seus
vinhos. Reynal, o primeiro vinho pérola fabricado na Espanha, foi o resultado
de sua pesquisa. O sucesso foi imediato e foi muito além das expectativas:
muito em breve, a Pinord começou a exportar seus vinhos para todo o mundo e a
vinícola cresceu rapidamente. Eles estenderam a vinícola e aumentaram a
produção. Foi durante esses anos que Marrugat Cavas foi criado usando o
sobrenome da esposa de Josep Maria Teta, cuja família há muito estava ligada à
produção de vinho na região de Penedès. Eles também começaram a fazer uma
variedade de vinhos tranquilos, muscadelle e outras especialidades que
compunham um portfólio muito amplo de vinhos, ganhando elogios da vinícola e fama
internacional durante os anos cinquenta e sessenta. Foi nessa época que Pinord
se tornou um dos pontos de referência da vinificação em Penedès. Nos últimos
anos, a Bodegas Pinord ampliou sua gama de produtos e começou a produzir vinhos
em outras denominações de vinhos na Espanha. Estes novos vinhos são todos
feitos usando métodos de agricultura biológica. Geração após geração, a
filosofia da família Tetas pode ser resumida nas seguintes palavras: Tradição
familiar, espírito pioneiro e inovador, amor pela terra e paixão por ótimos
vinhos.
Mais informações acesse:
Referências:
“Blog Hedonista”: https://bloghedonista.com/2019/04/07/experiencia-penedes-2-700-anos-de-historia-vinicola-en-la-do-penedes/
“DO Penedès”: http://www.dopenedes.cat/en/subzones.php
“Blog
Lovino”: https://blog.lovino.com.br/o-que-e-um-vinho-crianza/
“Blog Vinho Tinto”: https://www.blogvinhotinto.com.br/curiosidades/desvendando-vinhos-crianzas/
Degustado em: 2018