Um enófilo não tem como passar pela vida sem degustar um legítimo Garnacha das terras espanholas. Definitivamente é uma casta de personalidade forte, mas fácil de degustar e extremamente versátil. Porém, ainda assim, algumas pessoas, avessas aos vinhos encorpados e corpulentos, optam por não degustá-la. Apesar de ser original, de ter a tal da expressividade, da personalidade marcante, ela possui algumas individualidades, peculiaridades que variam da região em que foi concebida e claro da proposta, da assinatura do enólogo bem como da filosofia da vinícola. Está entre as mais produzidas do planeta e tem a sua origem na região de Aragão, no norte da Espanha e que faz fronteira com a França, por isso a mesma também é muito popular neste último país, chamada de “Grenache”.
A primeira menção ao fruto apareceu em 1513, feita pelo
agrônomo espanhol Gabriel Alonso de Herrera, quando a uva ainda era chamada de
Aragones. Nos anos seguintes, foi chamada de Canonat, na Itália, e Roussillon,
na França. O nome “Garnacha” provavelmente tenha surgido na Itália por sua
similaridade com outra uva da região, a Vernaccia di Oristano. Apesar disso,
ambas não possuem nenhuma correlação. Posteriormente, nas regiões à beira do
Mar Mediterrâneo, encontrou sua melhor forma e ganhou popularidade. Até hoje, é
abundante nos estados do norte e nordeste da Espanha, como Rioja, Navarra,
Campo de Borja e Catalunha, e na França, em Rhône e Languedoc-Roussillon.
Diante dessa rica história preciso, mais e mais, degustar a Garnacha. A
propósito degustei o meu primeiro rótulo desta cepa chamado Real Compañia de Vinos Garnacha da safra 2016.
O vinho que degustei e gostei vem claro da Espanha, de uma
região nova para mim, a Calatayud, e se chama OGV (Old Garnacha Vines) da safra
2016. Um vinho oriundo de vinhas velhas que confere ao mesmo características
diferenciadas, como por exemplo o equilíbrio, a harmonia, um vinho redondo, com
a já mencionada personalidade. Falemos então um pouco da DO Calatayud.
Calatayud
A região de Calatayud dá origem aos chamados vinhos de altura. Os vinhedos estão plantados de 500 a 1040 metros de altitude, na parte mais ocidental de Zaragoza, próximo a Madrid.
Predomina o cultivo da Garnacha em vinhas com mais de 50
anos, que hoje ocupam 54% de toda a área de plantio da região. Sem dúvida, é a
mais representativa do local. Em segundo lugar, fica a Tempranillo, com 21% da
área. Algumas variedades brancas também são cultivadas por lá, como
Gewurztraminer, Viura, Malvasia e Chardonnay, mas representam menos de 10% do
cultivo. Os solos pedregosos e argilosos favorecem a produção de vinhos
bastante intensos, encorpados, com alta graduação alcoólica e forte coloração. Os
primeiros habitantes da cidade, os celtíberos, se assentaram a 4 km da atual
cidade de Calatayud, num povoado denominado Bílbilis, que foi posteriormente
conquistada pelos romanos, transformando-se numa importante cidade. Até hoje,
os nascidos em Calatayud são chamados de bilbilitanos. No entanto, Calatayud
“aparece no mapa” com a chegada dos árabes em 716, quando foi construído o
Castelo de Qual at Ayub, que deu o nome à cidade. No séc. XI, Calatayud
transformou-se numa das maiores cidades da Taifa de Zaragoza. Foi reconquistada
em 1120 pelo rei Alfonso I “El Batallador”, quando então recebeu o foro. Desde
2006 celebram-se as festas chamadas “Las Alfonsadas“, quando a cidade volta a
ter um aspecto medieval, recriando os acontecimentos que sucederam durante o
processo da reconquista. A necessidade de repovoamento do território depois de
reconquistada fez com que o foro da cidade fosse respeitoso com as minorias. A
partir de então, passaram a conviver junto com os cristãos, os judeus e os
mouros.
E agora o vinho!
Na taça tem um atraente vermelho rubi muito brilhante e vivo,
com reflexos violáceos com lágrimas finas e abundantes que teimavam em se
dissipar da parede do copo, mostrando a potência alcoólica.
No nariz a presença da fruta madura é evidente e inebriante,
sem parecer enjoativo, com um agradável toque floral, algo que lembre violeta,
flores vermelhas, um perfume que estimula a sentir, por um longo período de
tempo, os seus aromas.
Na boca é seco, as notas frutadas sentidas no olfativo, se
reproduzem na boca, frutas maduras, médio corpo a encorpado, mas macio, fácil
de degustar, com taninos presentes, mas sedosos e uma acidez moderada, mas
agradável, que entrega um vinho solar, fresco.
Um vinho ainda jovem, apesar dos três anos de safra, ainda
teria alguns anos de vida, pelo menos por dois ou até três anos mais de vida e
que iria lhe conferir as características mais fiéis dessa especial cepa. Mas
mesmo com a “juventude” o vinho, elegante e delicado, estava pronto para ser
degustado, vivaz e de expressividade. Os aromas e sabores frutados, lembraram
amora e cereja e o final é persistente e delicado, ao mesmo tempo. Um típico
filho da região. Um Garnacha para entrar para os anais da minha simples
história de enófilo. E o melhor disso tudo é que tenho outra do mesmo rótulo
para degustar, mas esse deixarei por mais um tempo hibernando na adega para
fazer as devidas e necessárias comparações com esse que degustei. Tem 14% de
teor alcoólico, mas muito bem integrados e sem passagem por barricas de
carvalho preservando as características da cepa.
Sobre a Bodega Virgen de la Sierra:
Situada no sopé da Sierra de la Virgen, no vale do rio
Ribota, esta adega é a mais antiga de DO Calatayud. É o projeto de uma cidade
inteira que deixou de fazer vinho nas vinícolas de sua família para fazer um
trabalho cooperativo. Com um trabalho de mais de 60 anos, Virgen de la Sierra,
hoje mantém a tradição e a sabedoria que herdou de seus ancestrais. Em processo
de modernização, integrou já as mais novas tecnologias, e o resultado delas são
os vinhos que hoje se produzem e que já foram inúmeras vezes reconhecidos nos
últimos anos.
Mais informações acesse:
https://www.bodegavirgendelasierra.com/
Fontes de pesquisa para as histórias da casta Garnacha e da
região da Catalunha:
Portal “Divvino Blog”: https://www.divvino.com.br/blog/uva-garnacha/
Portal “Um brasileiro na Espanha”: https://umbrasileironaespanha.wordpress.com/2015/11/22/calatayud-comunidade-de-aragon/
Portal “Grand
Cru Blog”: https://blog.grandcru.com.br/regioes-diferentes-novas-espanha-jumilla-almansa-calatayud/#:~:text=Calatayud,de%20Zaragoza%2C%20pr%C3%B3ximo%20a%20Madrid
Degustado em:
2019