Talvez seja uma pergunta manjada e, para alguns, irrelevante
ou boba, mas me parece muito complexa dependendo do tema a ser abordado: É
possível aliar tradição e contemporaneidade? Para muitos são como água e vinho,
não há sinergia, não há convergência, outros é possível aliar os dois pontos em
uma espécie de atemporalidade ou uma linha do tempo e que ainda há os mais
carismáticos que dizem que um não vive sem o outro.
Digo que, no universo do vinho, isso seja sinônimo de novas
experiências sensoriais! Ah e isso definitivamente entrou nas minhas
perspectivas de degustação! E ouso dizer que isso impulsione não apenas as
nossas experiências, mas o nosso campo de conhecimento, de cultura e, sobretudo
um excelente exercício sensorial, a gente pode adquirir a capacidade de
analisar os vinhos, os novos vinhos e ter grandes momentos. A tradição e o
contemporâneo podem nos proporcionar sim grandes momentos, grandes
experiências, grandes e surpreendentes rótulos que poderá evitar, entre outros
males, a tal e temível zona de conforto, que nos ameaça com aqueles vinhos de
sempre, embora especiais.
Eu sou notoriamente um fã incondicional dos vinhos do
Alentejo, em Portugal, não há como não se render a personalidade marcante e
poderosa de seus vinhos que ganhou o mundo com os seus vinhos de tipicidade e
de apelo regionalista. E isso se conquista com tradição, com respeito a cultura
de seu povo, da vinificação e sobretudo do respeito ao seu inigualável terroir.
Quando eu descobri os vinhos de um produtor chamado “Cortes
de Cima” eu me rendi por completo, uma espécie de arrebatamento. E tudo começou
com um rótulo em especial que fez abrir o olho para o novo Alentejo, sem deixar
de olhar para a estrada que foi pavimentada no passado daquelas terras. E o
vinho que degustei e gostei veio, claro, da minha querida Alentejo, e se chama
Chaminé, com um blend composto pelas castas Aragonez, a Tempranillo no Alentejo
(35%), Syrah (35%), Touriga Nacional (15%) e Trincadeira (15%) da safra 2013.
Eu não quero ainda descrever essa verdadeira poesia líquida,
claro que o farei em breve, mas não há como negligenciar esse corte
interessante com a Syrah, casta francesa, como “intrusa” nesse blend, o que me
parece ser uma casta bem apreciada pela Cortes de Cima que tem no seu mais
complexo rótulo, o “Incógnito”, essa casta como protagonista. Só nesse quesito
podemos identificar um arrojo contemporâneo! Mas não podemos esquecer as
tradições e dizer, como curiosidade, o motivo pelo qual o vinho, o rótulo se
chama “Chaminé”. “Chaminé” ao nome de uma das parcelas da vinha, onde eram
originalmente produzidas as uvas usadas neste vinho: “Chaminé de Gião”. E
agora, em respeito ao Alentejo, falemos de sua grande história.
Alentejo
A história do Alentejo anda de mãos dadas com a história de
Portugal e da Península Ibérica, ex-hispânicos, assim como, pertencentes a
época de civilizações romana, árabe e cristãs. Em muitos lugares no Alentejo
encontrar provas da civilização fenícia existente à 3.000 anos atrás. Fenícios,
celtas, romanos, todos eles deixaram um importante legado da era antes de
Cristo, na região que é hoje o Alentejo. Uma terra onde a cultura e tradição
caminham lado a lado. Os romanos deixaram nesta região o legado mais importante,
escritos, mosaicos, cidades em ruínas, monumentos, tudo deixado pelos romanos,
mas não devemos esquecer as civilizações mais antigas que passaram pela zona
deixando legados como os monumentos megalíticos, como Antas.
Após os romanos e os visigodos, os árabes, chegaram a esta
terra com o cheiro a jasmim, antes da reconquista, que chegaram com a
construção de inúmeros castelos, alguns deles construídos sobre mesquitas
muçulmanas e a construção de muralhas para proteger a cidade e as cidades que
foram crescendo. Desde essa altura até hoje, o Alentejo tem continuado o seu
crescimento, um crescimento baseada na agricultura, pecuária, pesca, indústria,
como a cortiça e desde o último século até aos nossos dias, com o turismo com
uma ampla oferta de turismo rural. Situado na zona sul de Portugal, o Alentejo
é uma região essencialmente plana, com alguns acidentes de relevo, não muito
elevados, mas que o influenciam de forma marcante. Embora seja caracterizada
por condições climáticas mediterrânicas, apresenta nessas elevações,
microclimas que proporcionam condições ideais ao plantio da vinha e que
conferem qualidade às massas vínicas.
As temperaturas médias do ano variam de 15º a 17,5º,
observando-se igualmente a existência de grandes amplitudes térmicas e a ocorrência
de verões extremamente quentes e secos. Mas, graças aos raios do sol, a
maturação das uvas, principalmente nos meses que antecedem a vindima, sofre um
acúmulo perfeito dos açúcares e materiais corantes na película dos bagos,
resultando em vinhos equilibrados e com boa estrutura. Os solos caracterizam-se
pela sua diversidade, variando entre os graníticos de "Portalegre",
os derivados de calcários cristalinos de "Borba", os mediterrânicos
pardos e vermelhos de "Évora", "Granja/Amarelega",
"Moura", "Redondo", "Reguengos" e
"Vidigueira". Todas estas constituem as 8 sub-regiões da DOC
"Alentejo".
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta aquele típico vermelho rubi intenso,
poderoso, com brilhantes reflexos violáceos dos tintos alentejanos com uma boa
concentração de lágrimas finas que desenham as paredes do copo.
No nariz explode em aromas frutados, de frutas vermelhas tais
como framboesa, cereja, ameixa. Aromas frescos de frutas e muito perfumado,
talvez um agradável toque floral que entrega um vinho fresco.
Na boca é redondo, macio, mas marcante e expressivo,
entregando versatilidade, a fruta se reproduz de forma vibrante no paladar
também. Os taninos presentes, mas delicados e em pleno equilíbrio com uma
correta acidez. Ótimo final e persistência.
Ah o Alentejo, suas terras tão conhecidas, seu terroir
expostos nos mais diversos rótulos que, em um apelo regionalista, se tornou
globalizado, nas mesas de todos os enófilos espalhados por todo o canto deste
mundo. E mesmo que tenham austeridade, tradição exacerbada temos o Chaminé que
nos traz a perspectiva de um Alentejo moderno, arrojado, que ainda tem uma
estrada de grandes perspectivas pela frente. Um vinho saboroso, mas intenso,
fresco, mas de personalidade, tradicional, mas moderno. Um viva ao Alentejo!
Tem 13,5% de teor alcoólico.
Sobre a Cortes de Cima:
Em 1988, um casal americano-dinamarquês partiu num veleiro
para encontrar um lugar onde constituir uma família e plantar uma vinha.
Chegaram ao Alentejo, e numa terra de castas brancas plantaram variedades
tintas. E assim começa a história dos vinhos Cortes de Cima.
“Gazelle la Goelette” era o nome do veleiro que trouxera Hans
e Carrie Jorgensen numa longa viagem desde o outro lado do mundo, pela Baía da
Biscaia e em redor da Finisterra.
Em 1988 Hans e Carrie atracaram em Portugal e, no coração do
Alentejo, descobriram “Cortes de Cima”. Era apenas terra improdutiva e algumas
construções abandonadas, mas lembravam Carrie da sua terra natal: a Califórnia.
Hans, que nascera na Dinamarca, ficou simplesmente encantado pelo sol
mediterrânico.
Era o lugar perfeito para assentar, formar uma família e
plantar uma vinha. Vidigueira era a terra das castas brancas, mas eles acharam
que era o clima ideal para a Syrah, uma variedade do Ródano. Mas a Syrah não
era aprovada pelas regras da Denominação de Origem. Hans e Carrie não quiseram
saber - eles tinham um sonho.
Começaram a trabalhar o campo, e Hans, um engenheiro,
construiu uma barragem. Enquanto a vinha crescia, plantaram girassóis, tomates
e melões para pagar as contas. As crianças nasceram – Thomas em 1991 e Anna em
1993.
A história continua com Anna que assume o projeto, a sua
visão de futuro compreende valores como a sustentabilidade, inovação, qualidade
e respeito pela natureza envolvente, em que a vinha deverá ser a protagonista
dos vinhos. Toda a propriedade está em conversão para o modo de produção
biológico.
Mais informações acesse:
Degustado em: 2017
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