O que vem a cabeça quando falamos dos vinhos italianos, da
cultura vitivinícola italiana? Na realidade muita coisa, muitas castas, muitos
tradicionais rótulos e regiões vêm à mente, mas não há como não se lembrar da
Sangiovese! Um enófilo que se preze não pode passar pela vida e degustar um
rótulo que leve a Sangiovese, seja no clássico Brunello de Montalcino, nos
grandes Chiantis ou aqueles vinhos mais jovens e diretos que traz um aroma
frutado, perfumado.
Não há dúvida de que temos várias outras cepas importantes
que faz da Itália um polo importante da história mundial do vinho, mas a
Sangiovese é um “produto” de exportação do país para todo o planeta, não há
como dissocia-los. Em todos os cantos da Itália a Sangiovese figura, mas é na
Toscana que ela reina absoluta. Mas foi em outra emblemática região italiana,
terra das castas Negroamaro e Primitivo, que eu decidi degustar o meu primeiro
rótulo da Sangiovese: Puglia ou Apúlia.
E nada foi pensado, nada foi milimetricamente refletido para chegar a esse rótulo da tradicional e centenária família Castellani. Estava eu, mais uma vez, fazendo as minhas incursões pelos supermercados e, olhando despretensiosamente as gôndolas dos vinhos, sem muita expectativa de encontrar um rótulo atraente, sobretudo no quesito custo X benefício, quando avistei um rótulo vermelho, mas discreto e austero remetendo as tradições italianas e, quando tive a garrafa em minhas mãos, observei que era um Sangiovese italiano da região de Puglia.
Logo pensei: Deve ser caro, afinal um famoso Sangiovese da
Velha Bota, deve doer ao bolso, mas, talvez com um pouco de esperança decidi
averiguar o preço, que no primeiro olhar, tive dificuldades de encontrar.
Localizei e quando olhei com mais detalhe percebi o excelente valor de R$
29,90! Certamente estava na promoção e me senti na obrigação de fazer a
aquisição. Sem contar que, ainda no local, descobri que se tratava de um rótulo
da Castellani o que facilitou, ainda mais, pois já havia degustado um vinho do
referido produtor da famosa linha Ziobaffa, o Ziobaffa Sangiovese e Syrah da safra 2015, entre outros rótulos que abrilhantam a minha humilde adega que,
espero em breve, ter o prazer de degusta-los.
O vinho que degustei e gostei, como disse, veio da excelente região de Puglia e se chama Grifone, da casta Sangiovese (100%) da safra 2018. E para não perder o ritmo, já que mencionei Puglia e Sangiovese, região e casta que compõe esse surpreendente e belo vinho, falemos um pouco da história de ambos.
Sangiovese: a rainha italiana
Algumas teorias em torno da origem da casta datam seu cultivo
desde a vinicultura romana, e parte disso se dá por conta do nome dela.
Sangiovese vem do latim “Sanguis Jovis”, ou seja, sangue de Júpiter. Outros
garantem que ela já existia desde a civilização Etrusca, que viveu onde hoje é
a Toscana entre 1.200 e 700 a.C. De qualquer maneira, o primeiro documento
encontrado a respeito da uva é de 1590, na própria Toscana. Seu reconhecimento,
no entanto, só aconteceu depois do século XVIII, quando passou a ser uma das
castas mais plantadas da região, onde encontra condições perfeitas de
crescimento.
Foi na Toscana que, em meados do século XIX, o agricultor
Clemente Santi isolou suas vinhas para uma prática pouco comum na época:
fabricar vinhos varietais de Sangiovese, que envelheceriam por um período
considerável. Em 1888, seu neto Ferruccio Biondi-Santi, um veterano soldado que
lutou ao lado de Giuseppe Garibaldi, lançou a primeira versão moderna do
Brunello di Montalcino, um vinho que descansou por mais de uma década em barris
de madeira. O vinho agradou tanto os toscanos que, nas primeiras décadas do
século XX, já era aguardado ansiosamente por críticos e consumidores locais. Ao
redor de 1950, a fama do Brunello extrapolou os limites italianos e fez dele um
fenômeno mundial. A guinada final da Sangiovese foi dada nos anos 1960 e 70,
quando aconteceu uma revolução enológica que deu origem aos chamados
Supertoscanos.
Nessa época, os vinhos mais importantes da região eram
largamente conhecidos, mas não reconhecidos. Alguns vinicultores acreditavam
que as regras de produção estabelecidas os impediam de fazer um vinho de maior
qualidade, utilizando, além da Sangiovese, uma pequena porcentagem de castas
internacionais e técnicas mais modernas. Eles então se “rebelaram” e passaram a
produzir vinhos da maneira que achavam certo, sem se importar com as regras que
lhes garantiam o selo DOC. O resultado foram vinhos de alta qualidade e preço,
que mais tarde ficaram conhecidos como Supertoscanos.
A Sangiovese é cultivada em cerca de 100 mil hectares (o que
corresponde a quase 10% de toda a área plantada dos páis) e contribui com 15%
dos vinhedos que resultam em vinhos DOC. Ela é cultivada em 18 regiões, 70
províncias e dá origem a mais de 190 tipos de vinho diferentes. Os italianos
gostam de pensar que a casta é o equivalente italiano à Cabernet Sauvignon,
tanto por seu potencial de envelhecimento quanto pela versatilidade, uma vez
que se dá bem tanto em vinhos varietais quanto em grandes blends. Em sua casa,
na Toscana, em seu estilo mais tradicional, a uva – de cor rubi intensa e
cachos bem carregados – dá origem a vinhos herbáceos e com sabores de cereja,
além de ter acidez alta e taninos marcantes. Por isso, pode envelhecer por
anos, como é o caso dos Brunello di Montalcino.
os vinhos produzidos com a Sangiovese são tintos, com
estrutura tânica de média a forte e corpo médio.
A uva Sangiovese também é conhecida por proporcionar uma boa expressão de frutas (como morangos, mirtilo, ameixas e cerejas, por exemplo), especiarias e notas herbáceas e nos grandes vinhos envelhecidos a baunilha e o tabaco. Possuem acidez elevada, equilíbrio e os taninos firmes garantem um final elegante ao sabor.
Puglia: Uma das gigantes da Itália
O nome Puglia vem do povo Iapigi, que os romanos em latim chamaram de Apuli, e a região, consequentemente, Apulia. Em português o nome se manteve como em latim, e em italiano passou a ser Puglia. Puglia fica no “calcanhar da bota” do mapa italiano. A região é cercada por praias consideradas as mais lindas da Itália, como Torre dell’Orso, um balneário italiano de pequenas falésias que moldam e encantam as areias de seu litoral. Outro destaque da região é a cidade de Otranto, a maior dessa parte do litoral, que possui sítios históricos, que nos remetem a era da Itália medieval e ainda mantém algumas ruínas greco-romanas.
O sul da Itália é considerado o berço do vinho italiano.
Embora a região setentrional também possua seu prestígio, as regiões que
compreendem a parte sul, Molise, Campânia, Basilicata, Calábria e Puglia, são
destaque na produção e qualidade dos famosos vinhos italianos, sendo Puglia a
região considerada principal, não somente pela grande produção de seus
vinhedos, como também pela qualidade dos vinhos. Puglia possui uma extensão de
aproximadamente 400 km através da costa do mar Adriático, com clima e solo
considerado ideal para a produção de vinhos, além da topografia da região ser
praticamente plana. Puglia possui uma área de vinhedos de 190.000 ha, a região
é responsável por 17% da produção de vinho italiano. Em Puglia, 60% da produção
se dão através do sistema de cooperativas.
A região tem ampla diversidade de uvas nativas, que conferem
status quando o assunto é exportação. Ao norte da região as uvas mais
abundantes são a Trebbiano e a Sangiovese e os vinhos gerados a partir dessas
espécies respondem por até 30% dos vinhos DOC produzidos na região. Há ainda as
uvas Bombino Bianco e Montepulciano, oriundas da província de Foggia, e a “Uva
di Troia” ou Sumarello. As que possuem maior destaque na região são a Primitivo
e a Negroamaro.
A uva Primitivo é proveniente de Manduria, localizada ao sul
da região, a 10km do mar Jônio. Normalmente, os vinhos dessa uva possuem corpo
denso e médio, cor escura e acidez entre média e alta, de boa longevidade e
excelentes companheiros na gastronomia da região. A uva Negroamaro é utilizada
para a produção de vinhos bastante rústicos. Atualmente é trabalhado em
conjunto com a Malvasia Negra, o que resulta na produção de vinhos muito fortes
e bem encorpados, considerados ideais para o consumo com carne.
E agora o vinho!
Na taça tem um rubi intenso, quase escuro, com entornos
violáceos. Uma cor muito brilhante, reluzente e vívido, com média concentração
de lágrimas, mas que demora a se dissipar, desenhando as paredes do copo.
No nariz um “mix” de frutas vermelhas maduras e frutas pretas
tais como framboesa, cereja, ameixa, além das especiarias, o toque da pimenta,
algo picante, diria.
Na boca é seco, de leve para médio, a personalidade da Sangiovese,
mesmo com uma proposta jovem se faz presente, graças aos toques de couro, ouso
dizer até de tabaco, aquela participação rústica típica da cepa, com a
reprodução das notas frutadas percebidas no aspecto olfativo, com taninos
discretos, macios, com uma alta acidez. Um final de média persistência.
Na terra da Primitivo e Negroamaro a Sangiovese também se
revelou neste belíssimo e surpreendente rótulo. Puglia ainda é capaz de me
entregar grandes surpresas, grandes rótulos e eternas e doces novidades. Um
terroir digno de reverências e que entrega a Sangiovese um mix muito
interessante de frutas vermelhas, pretas e silvestres, com notáveis toques de
especiarias, de pimenta, um discreto toque terroso, que faz deste exemplar de
Sangiovese da região de Puglia, das minhas preferidas da Itália, um vinho de
personalidade marcante, mas muito macio e fácil de degustar. Um clássico
Sangiovese italiano, que traz toda a tipicidade de suas terras, mas que traz
também um conceito bem contemporâneo de um vinho jovem, informal e
despretensioso. Belo vinho com a cara e o DNA da Itália. Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a vinícola Castellani:
O negócio de Castellani foi estabelecido em Montecalvoli no final do século 19 quando Alfred, um viticultor de longa data, decidiu começar a engarrafar e vender seu vinho. O filho de Alfredo, Duilio, junto com seu irmão Mario dá início ao período de expansão da empresa. Duilio, homem meticuloso e diligente, participa ativamente de todas as etapas do trabalho. A vinha mais importante é aquela situada em Santa Lúcia, no fértil vale do Arno, onde se produz um vinho tinto vivo e apto para envelhecer e engarrafado em típicos frascos com palha, conquistando o interesse dos mercados transalpinos. Nos anos seguintes, o filho primogênito de Duilio, Giorgio, homem determinado e ambicioso, inicia a exportação em grande escala. A enchente de 1966 causa grandes danos à vinícola Montecalvoli. Decide-se então transferir temporariamente o negócio para a Fazenda Burchino, nas colinas da vila de Terricciola. O irmão de Giorgio, Roberto, brilhante jornalista do jornal “Il Giornale del Mattino”, de Florença, corre para ajudar a retirar lama da vinícola da família. Ele então decide ficar e contribui para a evolução da empresa. Roberto, homem culto e cosmopolita, inicia uma atividade pioneira em mercados longínquos, tornando-se um dos defensores do sucesso internacional do Chianti. A aquisição da vinha Poggio al Casone coincide com a ampliação da adega da Quinta Travalda em Santa Lúcia. urante a noite do dia de Ano Novo em 1982, um incêndio queimou quase completamente as instalações da empresa. Parece ser o fim. Mas em poucos meses os irmãos Castellani adquirem a Fazenda Campomaggio e, graças à contribuição de Piergiorgio, filho de Roberto, o negócio ganha força. As pesquisas vitivinícolas e tecnológicas são promovidas por especialistas como o enólogo Sabino Russo e o agrônomo Carlo Burroni. Hoje esta empresa centenária persegue com grande entusiasmo o objetivo de produzir vinhos, que são a expressão de uma das maiores regiões enológicas do mundo: a Toscana.
Mais informações acesse:
Referências:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/sangiovese-uva-icone-da-toscana_11856.html
Blog “Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/regioes/puglia-uma-das-maiores-da-italia/
Blog “Diário de Bari”: http://diariodebari.blogspot.com/2011/12/puglia-um-pouco-de-historia.html
Portal “Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/vinhos-de-puglia-o-berco-dos-vinhos-italianos/
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