Já vi e ouvi algumas discussões ditas polêmicas com relação
ao questionamento de qualidade de alguns vinhos “Gran Reserva”. O
questionamento a qual me refiro paira sobre os valores de alguns rótulos. Eu
confesso que fomentar essa “polêmica” é totalmente desnecessário, haja vista
que qualidade não se mensura, penso eu, pelo preço do vinho, até porque o que
precisamos levar em consideração é a proposta do vinho, o que ele pode te
entregar e principalmente o que você espera de um vinho para o momento em que
você deseja degustar um rótulo.
Para muitos, os famosos “aristocratas do mundo do vinho”, um
grande rótulo é aquele de grife, de vinícola famosa, caro, por isso que aquele
que ostenta um “Gran Reserva” tem de ser caro, três dígitos, no mínimo. E
quando se depara com um de dois dígitos e abaixo de R$ 40,00 dinheiros, surge
àquela interrogação na cabeça: Será que ele é bom? Sei não...
Mas quando degustamos um Gran Reserva espanhol precisamos
fazer algumas considerações: os Reservas, os Crianzas, os Gran Reservas na
Espanha seguem uma rígida legislação que busca valorizar, enaltecer os terroirs
de cada região, bem como algumas regras e determinações com relação às
passagens pelas barricas de carvalho, bem como os seus “descansos” na garrafa,
nas caves das vinícolas antes de chegar às mesas dos enófilos. Para saber mais
do assunto leia: “Classificação dos vinhos espanhóis” e “Lei 24/2003, de 10 de julho, sobre Vinha e Vinho”.
Eu acessei um famoso aplicativo de vendas de vinhos e, de
forma despretensiosa, confesso, comecei a navegar, olhar os rótulos sem
intenção de buscar nada em especial e vislumbrei um rótulo espanhol, um Gran
Reserva, de uma região não muito conhecida, como Rioja, por exemplo, de um
produtor não muito badalado, mas que chamou a minha atenção confesso, pelo
preço. Mas me senti na obrigação de buscar referências para não fazer uma
compra no escuro. Porém, pelo simples fato de ser de uma região e vinícola
pouco badaladas, pouco achei sobre o vinho, inclusive no próprio site do
produtor nada havia sobre o vinho.
Comprei no escuro, contudo me identifiquei com alguns pontos
e que o vinho entregava: um vinho com uma safra razoavelmente antiga, com
potencial de guarda, com grande complexidade, pelo menos eu esperava ter isso
em minha taça e um Gran Reserva na faixa dos R$ 39,90 acredite se quiser!
Como sempre costumo fazer quando
pouco se tem de informação sobre o vinho, antes de degusta-lo, contatei o
produtor para confirmar as castas que compunha o blend, o percentual de cada
uma, entre outros detalhes de sua descrição técnica. E de posse da informação
(ótimo feedback do produtor) eu decidi esperar, não sei dizer o motivo, o vinho
completar 10 anos de safra para degusta-lo. E como segurar a ansiedade? O vinho
na adega, por dois anos, o comprei em 2019, aguardando o meu momento, o ápice
da celebração da degustação.
E eis que o momento chegou, 5 de
agosto de 2021, 10 anos de safra, um vinho evoluído, uma noite de inverno, um
vinho para acalentar, esquentar a alma sedenta por degustar um vinho que eu
nutri tanta expectativa. A rolha anuncia o início do ritual da degustação se
desprendendo da garrafa, a liberdade da poesia líquida pronto para ser
recitada. A taça é inundada de um momento que esperava ser sublime, a análise
visual, o aroma, a degustação! Incrível! Tanta complexidade, elegância, maciez
e personalidade em um só rótulo, essas improbabilidades se fez verdadeira. O
vinho que degustei e gostei veio da região espanhola de Navarra e se chama Gran
Villa, um Gran Reserva cujo blend é composto pelas castas Cabernet Sauvignon
(60%), Graciano (20%), Tempranillo (10%) e Garnacha (10%) da safra 2011. Essa
combinação, que me parece ser comum da região de Navarra, de castas francesas e
das uvas populares da Espanha, traz a tônica ao vinho também e antes de falar
do vinho, falemos um pouco da região de Navarra.
DO Navarra
A região de Navarra (DO Navarra) fica ao norte da região de
Rioja, entre a parte baixa dos Pirenéus, até o rio Ebro, apresentando cerca de
11.500 hectares ocupados por vinhedos, graças ao seu solo extremamente fértil e
propício para o cultivo de inúmeras castas. A viticultura começou já no século
2 antes de Cristo quando os Romanos criaram as primeiras adegas. Por muitos
anos, o vinho foi produzido pelos monges dos inúmeros monastérios desta antiga
área vitivinícola. Na idade Media, Navarra era um reino poderoso, aliado à
França, o que ajudou o desenvolvimento da viticultura. O fato que fica no
Caminho de Santiago aumentou a demanda, os vinhos de Navarra sendo recomendados
aos romeiros.
As videiras foram devastadas pela praga filoxera em 1892,
eliminando quase 98% das vinhas na época. No início do século XX, foram
replantadas vinhas com raízes do Novo Mundo. Produtores formaram cooperativas e
produziram vinho em grande quantidade, exportado a granel. Somente nos anos
1980, vinícolas privadas começaram a fazer vinhos de qualidade. A Denominación de Origen, originalmente
aprovada em 1933, foi modificada para refletir a transição de vinhos de massa
para vinhos de qualidade.
A região produz cerca de 89 milhões de litros de vinho por
ano, dos quais 30% são exportados. Apesar dos vinhos brancos da região fazerem
bastante sucesso e agradarem aos exigentes paladares da crítica especializada,
é a produção de vinhos tintos que se destaca em Navarra. Em decorrência disso,
70% da produção da área espanhola é constituída de vinhos tintos, sendo os
outros 25%, destinados a produção de vinhos brancos e rosés.
Diversas variedades de uva são cultivadas na região, como as
da casta Moscatel, Chardonnay, Mazuelo, Graciano, Merlot, Cabernet Sauvignon e
Viura. Entretanto, as uvas de maior sucesso da região de Navarra são a Garnacha
e a Tempranillo. Por muitos anos, a Garnacha foi de longe a variedade de uva
mais plantada nas vinhas, intercaladas com as fazendas de frutas e vegetais
pelas quais Navarra é tão famosa. Até pouco tempo atrás, as vinhas velhas de
Garnacha, dominavam o território.
Tempranillo ultrapassou Garnacha como a variedade mais
plantada, com Cabernet Sauvignon chegando em terceiro lugar. Os resultados são
muito respeitáveis, se muito raramente são excepcionais. As bodegas de Navarra
foram capazes de investir em carvalho francês para suas uvas francesas.
Consideravelmente auxiliados por um programa de pesquisa do
governo local, eles fizeram uma avaliação cuidadosa de variedades de uvas:
Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e, especialmente, Tempranillo - que
agora produz alguns vinhos finos e concentrados, tipicamente envelhecidos em
carvalho americano.
Navarra tem clima continental, com verão seco e quente, e
invernos bem frios. Tem uma influencia marítima vendo do mar Atlântico,
moderando as temperaturas durante a maduração das uvas, e a noite, as
temperaturas caiem no fim de agosto. A grande diversidade dos vinhos de Navarra
reflita a influência da confluência dos climas das 2 principais zonas de
produção da região, situação excepcional na península ibérica: atlântico na
Tierra Estella e na Baja Montaña; mediterrâneo na Ribera Alta e na Ribeja Baja.
Na década de 1980 a região começou a passar por grandes
mudanças, com a renovação de mentalidade trazida por produtores jovens e
inquietos, que culminou com a redescoberta e valorização das castas mais
tradicionais e de seus vinhedos de vinhas velhas. Como os preços médios ainda
permanecem mais baixos que os da Rioja, os vinhos de Navarra tornaram-se opções
muito interessantes.
E agora finalmente o vinho!
Na taça tem um lindo vermelho rubi intenso, mas com traços
violáceos que lhe confere algum brilho, com lágrimas finas e em profusão,
lentas e que mancham de vermelho as bordas do copo.
No nariz o buquê aromático é o destaque, com notas de frutas
negras, como a ameixa e a amora, em especial, com a madeira também
protagonizando, bem como a baunilha, o couro, tabaco e toques de especiarias
como a baunilha, por exemplo.
Na boca é estruturado, quente, corpulento, porém macio e
aveludado graças aos 36 meses de passagem por barricas de carvalho e 5 anos
evoluindo na garrafa antes de sair da vinícola, que lhe confere também
complexidade. Os taninos são firmes e presentes, mas domados, com uma acidez presente
e na medida, apesar dos seus 10 anos de safra. A madeira também presente
entrega toques generosos de torrefação e chocolate. Um vinho que envelheceu
muito bem e tem um final longo e prolongado.
Um misto de sentimentos me tomou de assalto quando degustei o
Gran Villa Gran Reserva: o prazer de degustar um vinho com 10 anos de vida, o
que, convenhamos não é cotidiano, e pelo fato de carregar, de ostentar o título
de “Gran Reserva”. Quando ostenta um vinho espanhol o “Gran Reserva” em seu
rótulo, merece todas as referências possíveis. E independente dos valores, baixos
ou não para esta proposta, temos de olhar com carinho, mas que não significa
que o vinho não traga frustrações, mas nesse quesito temos de ressaltar a
particularidade das experiências sensoriais de cada um. Um vinho de uma
complexidade aromática única, com estrutura e personalidade marcante, mas
equilibrado e elegante conferidos pelo tempo, um vinho que se deve degustar
vagarosamente, apreciando, respeitando cada nuance, cada detalhe que faz dele
único, vívido, pleno e intenso. Um vinho que envelheceu bem, com grande
capacidade de evolução, pleno e vivo e que teria, sem dúvidas anos e anos pela
frente! Tem evidentes 14% de teor alcoólico, mas muito bem integrados ao conjunto do vinho.
Sobre a Bodega Señorio de Sarría:
Embora a adega tenha sido fundada em 1953, muitos séculos de
história contemplam estas terras como zona de cultivo de vinha.
Diz a história que o Senhor de Sarría desde a Idade Média, por
intermédio de crônicas da época, acompanhou o rei Sancho El Fuerte na batalha
de Las Navas de Tolosa em 1212. Séculos depois, no século XVI, a história do
Señorío e Navarra se confunde ainda mais, já que o então senhor de Sarría (Juan
de Azpilicueta), irmão de San Francisco Javier (atual patrono de Navarra),
pagou seus estudos em Paris, com os rendimentos obtidos na pecuária e
exploração agrícola desta fazenda. O manuscrito no qual San Francisco Javier
agradece a seu irmão por esta ajuda ainda é preservado hoje.
E foi muitos anos depois, em 1953, quando o renomado
empresário navarro Don Félix Huarte comprou o Señorío, realizou as novas
plantações de vinhedos e construiu a vinícola, passando a produzir e
comercializar vinhos com a marca Señorío de Sarría.
Posteriormente, em 1981, a adega separou-se da família Huarte
e iniciou uma nova etapa, que teve um importante renascimento em 2001, dando
início a um novo e ambicioso projeto de renovação de instalações e vinhas, de
forma a estar na vanguarda do panorama nacional e internacional mercado.
Situado em Puente La Reina, no coração do Caminho de
Santiago, o Señorío de Sarría está localizado em uma área que oferece condições
de clima e solo imbatíveis, o que permite a produção de uma gama de vinhos da
mais alta qualidade.
100 hectares de vinhas de múltiplas variedades estão
espalhados pelas encostas e espreguiçadeiras de Puente la Reina, Olite e
Corella. Cada planta, cada vinha, cada parcela, recebe um cuidado primoroso e
um acompanhamento particular para produzir vinhos magníficos desde a sua
origem. Cada casta foi cuidadosamente selecionada e cultivada no local mais
adequado, tendo em conta as condições de luz, humidade e temperatura exigidas
em cada caso.
Mais informações acesse:
https://www.bodegadesarria.com/
Referências:
“Premium
Wines”: https://www.premiumwines.com.br/_regiao_olha.php?reg=72
“Vindame”: https://www.vindame.com.br/navarra
“Bella Cave”: https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-navarra-na-espanha
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/navarra
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