Um Gran Reserva custando R$ 29,90? O que é isso! É possível?
Se é possível de fato eu não sei dizer no ápice de minha singeleza enófila, mas
quando estava em mais uma das minhas urgentes e necessárias incursões aos
supermercados avistei um que, discretamente, estava na gôndola de baixo e sem
nenhum destaque que merecesse por conta do valor e da proposta que esse tipo de
rótulo pode ou poderia, pelo menos, proporcionar.
E o que mais me chamou atenção foi o produtor! De um vinho
que em um passado razoavelmente distante, eu havia degustado e adorado chamado
“Las Casas de Vaqueria”. Um produtor pouco conhecido, é verdade, sobretudo em
terras brasileiras e com pouca representatividade de pontos de venda, mas que
me arrebatou de forma plena e avassaladora: o Lago Sur Carménère Gran Reserva da safra 2015.
Tudo bem que essa casta, emblemática no Chile, tem de ser
tratada ao pão de ló, mas um vinho tão saboroso, frutado, intenso e complexo,
que entregou muito além do que eu esperava por ser tratar exatamente desse
quesito tão arriscado, mas que está no “sangue” de quem é enófilo que é comprar
no escuro, pois não há referências sequer na grande rede!
Bom voltando ao meu “doce dilema” do supermercado, eu me
familiarizei com o rótulo por conta do produtor e o tomei em minhas mãos,
afinal, a análise ainda é válida. Infelizmente não havia maiores informações do
vinho no rótulo e conta-rótulo, apenas o de praxe, como a região, Maule DO e a
safra, o que também preocupava, talvez: 2016. Eu o comprei em 2020, então, com
4 anos de vida, para um branco, mesmo que Gran Reserva, poderia ser um risco.
Poderia? Esses questionamentos e dilemas são suscitados por conta das
pouquíssimas informações sobre o vinho.
Talvez o preço baixo pode ser motivado por conta disso e do
desconhecimento dos revendedores ou o custo de fato é baixo, em se tratar de um
vinho cujo produtor é desconhecido, o que pode ser bom, muito bom! Enfim,
diante dessas questões existenciais, o tomei pelos braços, com determinação e
segui para o local de pagamento.
Decidi também, já que estamos falando de risco, degusta-lo quando completasse 5 anos de safra. Esperei pacientemente por mais um ano e eis que o momento chegou e como estava ansioso para degusta-lo. Temperatura estava adequada, o momento também, os rituais fielmente seguidos, a rolha gritou quando se desprendeu da garrafa e...Voilá!
E para a minha alegria e os meus sentidos o vinho estava fantástico! Um Chardonnay poderoso, untuoso, mas fresco ainda, no ápice de sua condição. O vinho que degustei e gostei veio da região do Maule, no Chile e se chama Lago Sur Gran Reserva Chardonnay da safra 2016. Bem para não perder o costume, falemos de história, falemos da tradicional região do Maule, antes de tecermos, com imensa alegria, os detalhes do vinho.
Maule DO
A maior e uma das mais antigas regiões vinícolas do Chile, o Maule é um lugar cheio de charme e com clima propício à vitivinicultura. A região se inicia a menos de 300 quilômetros de Santiago, capital do país. Seus microclimas e solos diversos possibilitam a cultura e produção de uma variedade muito grande de vinhos, já que praticamente todas as castas de uvas cultivadas no Chile são encontradas no Vale do Maule. A região tradicionalmente sempre esteve associada à quantidade da produção muito mais do que à sua qualidade. Nos últimos anos, porém, isso tem mudado substancialmente. Castas internacionais e reconhecidas na vitivinicultura mundial vêm suplantando as de baixa qualidade plantadas na região, e, aliada às práticas cada vez mais desenvolvidas no cultivo das frutas e produção dos vinhos por parte dos seus vinicultores, o Maule tem dado vinhos de alta classe ao mercado, especialmente da variedade Carignan.
Banhado pelo famoso rio que lhe dá nome, o Maule tem clima
temperado mediterrâneo, com intensidade alta de sol no verão, com temperaturas
máximas entre 19º C e 30º C, e chuva anual concentrada no inverno, quando as
temperaturas chegam à mínima de 7º C. Os dias quentes seguidos de noite frias
facilitam e prolongam a temporada de cultivo e colheita das uvas, dando-lhes um
tempo de amadurecimento total, o que equilibra seus níveis de acidez e doçura.
O Rio Maule, que flui do leste para o oeste do Chile, através de um caminho que
se inicia nos Andes e termina no Pacífico, ainda propícia à região solos aluviais
diversificados, indo desde o granítico até o arenoso. Férteis, esses solos
favorecem o cultivo produtivo nos vinhedos da região.
Região com longa e bem-sucedida história na cultura e
produção de vinhos, Maule tem na vitivinicultura sua atividade econômica principal;
alguns dos mais extensos vinhedos do país estão localizados lá, e alguns deles
datam de 1830. Cerca de 50% de todo o vinho exportado do Chile é oriundo do
Vale de Maule, que sempre foi conhecida por sua produção em larga escala. A uva
mais cultivada no Vale do Maule é a Cabernet Sauvignon com 8.888 de hectares
plantados. Nos anos 90, essa produção recebeu grandes investimentos que
ocasionaram o desenvolvimento técnico em equipamentos e infraestrutura, que em
conjunto com mudanças significativas nas formas de manejo dos vinhedos,
favoreceu o surgimento de uma produção mais especializada, resultando vinhos de
alto padrão de qualidade e elevado valor comercial. O vale ainda oferece muitos
atrativos turísticos relacionados ao mundo dos vinhos. Uma rota composta por um
conjunto de 15 vinhas em diferentes cidades da região possibilita ao visitante
entrar em contato com o processo de produção, além de degustação de vinhos e
pratos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um amarelo ouro brilhante, um pouco
translúcido com uma boa concentração de lágrimas finas.
No nariz é frutado, frutas brancas como pera, maçã-verde,
talvez abacaxi, com um toque floral, de flores brancas, além de uma curiosa nota
de mel e também de especiarias.
Na boca é seco e como no aspecto olfativo, se percebe as
notas frutadas, não tão evidentes assim, talvez pelo tempo de safra, com uma
boa estrutura, um bom volume de boca, um pouco untuoso, amanteigado, a madeira também
é notada (não há informação do tempo de passagem por barricas no site do
produtor e tão pouco no rótulo), mas em perfeito equilíbrio, dando o
protagonismo às características da cepa, com discreta acidez e final alcoólico
e prolongado.
Pois é, o risco pode ser iminente, em casos de vinhos Gran
Reserva demasiadamente barato, vamos confessar que esses questionamentos vêm
carregados de preconceitos, mas quando o vinho nos surpreende positivamente, o
prazer, o regozijo pode ser maior, melhor, único! Um amarelo ouro envolvente,
intenso, mais límpido, até, dependendo do ângulo, translúcido, um Chardonnay de
personalidade, como todo Chardonnay chileno deve ser, mas ainda fresco,
agradável, delicado, desempenhando bem o seu papel de vinho para os dias
solares e descontraídos, mas com uma boa dose de austeridade. Untuoso e
mineral, delicioso e frutado, como é versátil esse belo vinho! Que os ventos
tragam mais e mais surpresas como essa! Tem 13,5% de teor alcoólico.
Sobre a Casa Donoso:
A Viña Casa Donoso surgiu no mercado num momento em que a
indústria do vinho chileno começou a tornar-se mais sofisticada. Foi em 1989
quando um grupo de empresários estrangeiros, cativados pela beleza e as
potencialidades do meio ambiente, adquiriu a fazenda “La Oriental”, um
histórico “Domaine” no coração mesmo do Vale do Maule, 250 km ao sul de
Santiago do Chile, que pertencia à senhora Lucia Donoso Gatica. Uma mulher de
especial encanto e empuxe empresarial, ela inspirou o próprio conceito da Vinha
Casa Donoso, orientado para a produção tradicional de vinhos tintos e brancos,
no melhor estilo francês.
Durante muitos anos a Casa Donoso desenvolve um conjunto de
linhas de produção de normas de qualidade muito elevadas, sendo a base para
conceber a produção de vinhos da linha Reserva, Gran Reserva, Premium, todos
aqueles que já qualificados nos cinco continentes em termos de presença,
participação e reconhecimento.
Sobre “Las Casas de Vaqueria”:
Na Fazenda Las Casas de Vaqueria, no Vale do Maule, está a
casa mais antiga entre as fazendas da Casa Donoso. Foi construído no século 19,
conhecido como a "era colonial" no Chile. Graças à combinação ideal
do terroir do Maule, vinhas velhas e o clima perfeito, os enólogos podem
oferecer vinhos premium chilenos inspirados na tradição e história do campo
chileno.
Mais informações acesse:
http://donosogroup.com/index.html
Referências:
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/vale-do-maule-fertilidade-e-diversidade-de-uvas-e-vinhos/
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