Mais um rótulo da série: “gratas novidades sensoriais”! E
olha que essa casta, a casta do vinho de hoje é mais do que especial, pois
sequer a conhecia! Diria que essa variedade, fazendo uma analogia com o rock n’
roll, algo que também degusto vorazmente, é rara, obscura, pouco conhecida,
pelo menos em terras brasileiras, em taças de enófilos brasileiros.
Eu a conheci de forma despretensiosa, diria, em alguns
“garimpos” ou pesquisas que estava fazendo e que já não me recordo mais e me
chamou a atenção pelo pitoresco nome. O primeiro contato, confesso que, diante
da minha magnânima ignorância, eu pensei se tratar de uma casta de origem
indígena, mas não, descobri se tratar de uma “casta de laboratório”, como a
Pinotage, por exemplo, emblemática casta da terra de Mandela.
Outro dado que me chamou a atenção. Então o próximo passo foi
ir mais a fundo, buscar rótulos dessa casta e quem sabe adquirir uns
exemplares, afinal a minha caminhada em busca de castas pouco aclamadas precisa
ser fomentada.
Para a minha surpresa e alegria encontrei alguns rótulos
brasileiros! Sim! Brasileiros! O Brasil vem se destacando, cada vez mais, no
cultivo de cepas oriundas da Itália e de algumas bordalesas, das mais
conhecidas, como a Merlot, sobretudo na Serra Gaúcha e a própria “artista do
espetáculo”, a qual me refiro. Essa casta é a Arinarnoa.
Para se ter uma noção da importância disso até mesmo em
Bordeaux a Arinarnoa tem sido pouco usada, então ver os produtores brasileiros
investindo nessa casta é no mínimo digno de orgulho. Mas pelo que pude ler a
respeito da casta ela se dá bem em climas de invernos rigorosos e verões
ensolarados, típicos das tradicionais regiões gaúchas da Campanha e Serra
Gaúcha.
E achei um vinho com a casta, brasileiro, da Serra Gaúcha e a
um valor até atraente, até pelo fato de se tratar de uma casta que, apesar de
cultivada por alguns produtores tupiniquins, ainda tem uma baixa produção.
Então sem mais delongas vamos às apresentações: o vinho que
degustei e gostei, como disse, vem da Serra Gaúcha, do Brasil, chama-se
Valdemiz da casta Arinarnoa, safra 2015. E já que falei em garimpo, pesquisas e
afins, vamos textualizar a história da Arinarnoa e da Serra Gaúcha.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo
volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao
Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento
Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e
o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos
imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma
agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do
Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto,
logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local.
Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos
vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de
vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não
produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de
produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos
Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e
processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.
Arinarnoa
De acordo com algumas fontes pesquisadas a casta Arinarnoa tem origem no País Basco, não sendo, portanto, francesa, não sendo também espanhola. Como a casta Marselan, que vem fazendo sucesso no Brasil e a Pinotage, a mais famosa cepa sul africana, a Arinarnoa também é um cruzamento entre uvas e que está na lista das novas possíveis queridinhas de Bordeaux.
De acordo com o site “Plantgrape”, que cataloga videiras
produzidas na França (leia aqui) o crescimento do cultivo da Arinarnoa vem aumentando
exponencialmente desde 1988 que tinha 5 hectares, passando para 155 hectares em
2000, 164 em 2008 e 178 hectares em 2018. Os números não mentem, a Arinarnoa
vem ganhando espaço entre os produtores franceses e vem também,
consequentemente, tendo uma aceitação do mercado daquele país.
O reforço de que a Arinarnoa vem de Bordeaux é de que a mesma
nasceu durante as alquimias de Pierre Marcel Durquéty, que também foi criador
da uva Egiodola, que se destaca no Brasil com um rótulo da Vinícola Pizzato, no
ano de 1956 no INRA (Institut National de la Recherche Agronomique), que fica em
Bordeaux, na França.
Durante muito tempo achava-se que o cruzamento que originou a
Arinarnoa era entre a Merlot e a Petit Verdot, porém testes de DNA rechaçaram
essa teoria e confirmaram que, na realidade, os pais verdadeiros são as uvas
Tannat e Cabernet Sauvignon, o que nos leva a concluir que ela é neta da
Cabernet Franc e da Sauvignon Blanc. Em 1980, a variedade foi oficialmente
aprovada para ser utilizada nas vinificações. A França é o principal produtor,
no Sul do país e norte de Cognac (não, não se produz apenas conhaques na
região).
Em idioma basco, um reforço de que a casta pode ser oriunda
dessa região, a palavra “arin” significa “leveza”, algo agradável e versátil,
já a palavra “arnoa” significa “vinho”, ou seja, o seu autor, juntando as duas
palavras quis justamente indicar uma casta que originaria vinhos leves,
versáteis e agradáveis.
Inicialmente pensou-se ser cruzamento da Merlot com a Petit
Verdot, mas estudos de DNA recentes a veem como o cruzamento entre a Tannat e a
Cabernet Sauvignon. Há quem questione essa informação pelo fato da Arinarnoa
não ser uma casta leve, ser detentora de taninos firmes e presentes, mas de
Tannat e Cabernet Sauvignon.
Por brotar tardiamente, é uma ótima casta para evitar
estragos em anos que ocorrem geadas de primavera. Os cachos costumam ser
abertos, que é uma vantagem para evitar acúmulo de umidade e, consequentemente,
doenças fúngicas. As uvas têm cascas grossas que concentram compostos fenólicos
e de cor, então os vinhos costumeiramente são estruturados, possuem taninos
firmes, com cor profunda, e há possibilidades de encontrar nuances herbáceas, o
que também é de se esperar ao analisar os parentais.
Adaptou-se perfeitamente bem no Uruguai, Chile, Argentina, e,
principalmente Brasil. Na região da Campanha Gaúcha há a projeção de que será
uma das grandes uvas tintas. Gosta de invernos rigorosos e verões ensolarados,
típico do clima continental da região.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi com intensidade, brilhante e
reluzente, com reflexos violáceos e lágrimas finas e ocasionais.
No nariz é extremamente aromático, trazendo uma grande
complexidade, com muita fruta vermelha e preta maduras, onde se destacam
ameixa, framboesa, morango, cereja, com um toque herbáceo, de especiarias,
vegetal, com notas amadeiradas em evidência, graças aos 10 meses de passagem
por barricas de carvalho, mas muito bem integrada à fruta.
Na boca é macio, elegante, de leve para média estrutura, muito
saboroso e agradável, com a presença, como no aspecto olfativo, da fruta e do
vegetal, da terra molhada, do couro, com taninos vivos, mas domados e redondos,
acidez média e equilibrada e a madeira mais discreta, que, ainda assim, traz o
aporte da baunilha, do caramelo e até um pouco de chocolate. Tem um final de
razoável persistência.
Uma grata surpresa! Assim defino o Valdemiz Arinarnoa! Que
bom estar vivo e pleno de saúde mental e física para ter esse vinho inundando a
minha taça, para deleite das minhas experiências sensoriais. Um vinho vibrante,
intenso, estruturado, mas fácil de degustar, elegante, macio, o que faz jus às
suas origens. É um vinho versátil e que harmonizaria tranquilamente com pratos
estruturados ou alguma comida casual e simples. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Curiosidade sobre o nome do vinho: “Valdemiz”
O nome Valdemiz remete ao Valle del Mis, região italiana de
onde emigrou a família Valdecir Mioranza. Lá a família já era reconhecida pela
produção de vinhos finos. Valdecir, bisneto de Pietro Mioranza (patriarca da
família e primeiro a migrar para o Brasil), dedicou-se e empregou toda a
tradição dos antepassados para criar os vinhos varietais Valdemiz. As regiões
da Itália nas quais a família prosperou na vinicultura antes de imigrar ao
Brasil, são homenageadas na linha de Vinhos Finos Valdemiz.
Sobre a Vinícola Monte Reale:
Os registros da produção de vinhos, legado da família, datam
de 1300, ainda na Itália. Na primeira metade do século XIX, integrantes da
família imigraram para o Rio Grande do Sul, onde iniciaram a atividade na Serra
Gaúcha. Em 1973, Valdecir Mioranza deu o pontapé inicial para a Monte Reale,
vinícola que está há 45 anos no mercado nacional e guarda mais de sete séculos
de conhecimento. A Monte Reale está localizada na entrada de Flores da Cunha,
no Rio Grande do Sul, no coração da Serra Gaúcha, oferecendo diversas
experiências enogastronômicas únicas. Flores da Cunha está próxima ao paralelo
30, local que favorece a produção de uvas de qualidade superior e,
consequentemente, excelentes vinhos e sucos.
Cinco marcas compõem hoje o mix da vinícola. Os vinhos de
mesa e sucos são comercializados com a bandeira Monte Reale. Vinhos finos
chegam ao mercado com as marcas Valdemiz e Sospirolo, que produz ainda espumantes,
brandy e outros produtos especiais. A tradicional PNS elabora vinagres finos e,
ainda, com a marca Alem Bier são produzidas cervejas artesanais.
As uvas utilizadas na elaboração dos vinhos e sucos Monte
Reale são cultivadas em uma das regiões mais nobres do país. O microclima da
região com suas peculiaridades, como as temperaturas mais baixas, favorece o
repouso das videiras no inverno. No verão, o calor e a constância do sol
favorecem a concentração dos açúcares, proporcionando uvas maduras, com baixa
acidez e ótima complexidade aromática.
A construção da empresa, com as rochas do próprio local, foi
pensada para manter uma temperatura baixa em seu interior, garantindo uma ótima
estrutura para elaboração e amadurecimento de vinhos. As condições de clima e
solo ideais, aliadas às aprimoradas técnicas de cultivo, elevam a qualidade das
uvas produzidas pela família de Valdecir Mioranza. Seus descendentes carregam
seu legado, refletido na inovação e nos produtos de qualidade superior.
Mais informações acesse:
https://www.montereale.com.br/
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Plantgrape”:
https://plantgrape.plantnet-project.org/en/cepage/Arinarnoa
“Além do Vinho”: https://alemdovinho.wordpress.com/2015/09/17/arinarnoa-uma-grata-surpresa/
“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-arinarnoa/
“Mondovinho”: http://mondovinho.blogspot.com/2018/02/um-varietal-de-arinarnoa.html
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