Mais uma noite de degustação inundada por grandes e especiais
novidades! Essas viagens que aliam novas experiências sensoriais e história de
fato vêm gerando grandes harmonizações. E dessa vez tantas novidades e euforia
veio da França, mais precisamente do Sul da França.
Essa região francesa tem me agradado e muito e não somente
pela qualidade dos vinhos que são inquestionáveis, mas pelo custo mais do que
atraente aos bolsos: o famoso custo X benefício!
Vinhos maravilhosos e que são capazes de derrubar alguns
tabus importantes que vem reinando, até hoje, aqueles discursos de que degustar
rótulos franceses excelentes tem de ser os caros, com valores altos. É claro
que há as propostas e precisamos identifica-las, entende-las, mas defini-las
como “bom” e “ruim” é no mínimo imprudente.
E o vinho de hoje vem de uma região extremamente famosa e
tradicional e que poucos rótulos degustei. Lembro-me de ter degustado um rótulo
há tanto tempo que já não me recordo de seus detalhes. Era preciso degustar um
vinho do Vale do Rhône! Já passou da hora de tê-los em minha “litragem”.
Mas o melhor de degustar um vinho do Rhône é degustar de
regiões específicas, de sub-regiões que traz a tipicidade, as nuances mais
características de terroirs especiais com um forte apelo regionalista. E além
de trazer o Vale do Rhône depois de alguns anos, vem junto a novidade de uma
micro região que não conhecia chamada Costières de Nîmes.
E com esse turbilhão de novidades apresento o vinho que
degustei e gostei que veio do Vale do Rhône, de Costières de Nîmes, na França,
chamado Colnem composto pelas castas Syrah (60%) e Grenache (40%) da safra
2017. E para coroar essas novidades ainda temos o blend, o famoso blend do Sul
da França, do Vale do Rhône que traz Syrah, Grenache e geralmente vem a Mourvèdre,
conhecida pela sigla “GSM” que também será a minha primeira experiência. Então
antes de falar do vinho vamos contar um pouco a história do Vale do Rhône e Costières
de Nîmes.
Vale do Rhône
O Vale do Rhône é considerado o elo entre o clima continental
e o mediterrâneo, entre as famosas regiões de Borgonha e Provence. Junto com a
especificidade do clima, tem também a junção de diferentes solos. Esse conjunto
permite que os produtores juntem tradição e originalidade, obtendo vinhos
notáveis.
O Rhône está situado no sudeste da França. A região começa
logo depois de Beaujolais, um pouco abaixo da famosa Lyon, um grande centro
gastronômico do país, e os vinhedos estão situados entre os paralelos 44 e 45
norte. A produção aqui é majoritariamente de vinhos tintos, que representam 86%
do total.
A região tem esse nome, pois é literalmente um vale em torno
do rio Rhône, que nasce das águas do glaciário derretido no alto dos Alpes
Suíços e corre em direção ao Mar Mediterrâneo. O rio desce 1.800m em uma
extensão de 813 km e tem um efeito moderador sobre a temperatura da região,
ajudando a suavizar as variações térmicas e diminuindo o risco de geadas
durante a primavera (já que geadas nessa época podem matar os brotos de uva).
O Rhône Norte
São cerca de 3.240 hectares de vinhedos, sendo que a maioria
dos vinhos do Norte provém de denominações classificadas como Cru. Apenas 5% da
produção de todo o Rhône sai daqui.
A região tem solo granítico, o que significa riqueza em
granito e outros minerais, garantindo certa influência na acidez das uvas, além
de maior concentração de luz solar durante o seu crescimento. Uma curiosidade
da região é o lugar onde as videiras estão plantadas, perto do rio Rhône e nas
encostas ou vales laterais, que proporciona melhor exposição solar apesar do
vento Mistral (um vento muito forte que vem do norte), resultando em poucas
uvas de altíssima qualidade. Isso acontece porque quando as condições
climáticas não são favoráveis, a videira tenta se reproduzir da melhor forma possível.
No entanto, devido ao declive e ao solo, é necessário que a colheita das uvas
seja realizada de forma manual.
Todas essas condições tornam o norte ideal para o cultivo da
casta Syrah, a única variedade tinta autorizada no norte do Rhône. No caso das
uvas brancas, temos 3 variedades autorizadas: Viognier, Marsanne e Roussanne.
Em algumas denominações essas uvas podem ser utilizadas para elaborar vinhos
brancos e, em outras, é permitida a adição de uma pequena porcentagem de
Viognier no vinho tinto como forma de aportar aromas e auxiliar na fixação de
cor.
Os vinhos tintos da região são secos e bastante tânicos.
Tendem a ter cor profunda e apresentar aromas que lembram frutas negras,
pimenta preta e flores como violetas. Normalmente são vinhos feitos para
envelhecer, e com o passar do tempo adquirem aromas de caça e couro. A maioria
dos vinhos brancos da região são feitos no estilo seco também.
O Rhône Sul
O sul começa na cidade de Montélimar e vai até Nîmes. Nessa
parte, o Vale começa a alargar e o terreno fica bem mais plano quando comparado
ao norte. Os vinhedos começam a se estender para longe do rio também, até cerca
de 80km.
Onde se localiza 95% da produção de vinhos do Vale do Rhône,
apresenta clima mediterrânico (altas temperaturas e pouca pluviosidade no verão
e outono) com influência excessiva do vento Mistral. Em decorrência disso, a
plantação é em cortinas de abrigo, que consiste em uma proteção com redes nas
videiras contra o vento que vem do norte e arranca a planta da terra. Já o solo
é majoritariamente plano e expõe enorme variedade em composição, o que torna
possível os cortes complexos presentes na região, com vinhos de mais de treze
castas na composição. Uma das mais famosas denominações de origem da região é
Châteauneuf-du-Pape.
As videiras costumam ser plantadas sem nenhuma forma de
sustentação e são podadas para ficarem baixinhas, próximas ao chão. Isso as
ajuda a resistir à força dos ventos Mistral. Essas videiras também precisam que
a colheita seja manual, já que a pouca distância do chão não permite o uso de
máquinas. Outro fator é que as videiras são mais espaçadas para que não haja
competição por água entre as raízes de cada videira.
A uva mais cultivada é a Grenache, pois precisa de muito
calor e é resistente a seca e ventos fortes. O vinho produzido por essa casta
apresenta sabores condensados de frutas vermelhas, com alta maturação de açúcar
e teor alcoólico. A Syrah é comum em vinhedos mais frescos, dá mais força aos
taninos e à cor, quando combinada à Mourvèdre.
Mesmo que pequena, também há produção de vinhos brancos no
sul do Rhône, cujos melhores se destacam pela textura rica e encorpada, acidez
média e alto teor alcoólico, sempre com muito aroma. As principais uvas são
Clairette, Bourboulenc e Grenache Blanc.
Denominações de Origem do Rhône
A maioria dos vinhos produzidos no Vale do Rhône são feitos
sob a denominação regional de Côtes du Rhône, que abrange tanto as sub-regiões
do Norte como do Sul, entretanto, praticamente todo o vinho com essa
classificação provém da parte Sul. Isso se deve ao fato de que a maioria dos
vinhedos do Norte encontra-se em localizações de prestígio que podem ser denominadas
como Crus (um nível de produção com regras mais rígidas). Os rótulos Côtes du
Rhône podem ser feitos como tinto, branco ou rosé; também podem ser varietais
ou corte entre uvas.
Dentro de Côtes du Rhône temos alguns villages, que são
sub-regiões ainda menores. Para poder colocar o nome do Village no rótulo, 100%
das uvas devem ser originárias dessa parcela específica. Atualmente, apenas 20
vilarejos são autorizados a colocar o nome no rótulo. Para, além disso, há que
se seguir regras de produção mais rígidas e vinhedos com menores rendimentos.
Os villages também podem ser tintos, brancos ou rosés; mas, por lei, os vinhos
devem ser elaborados a partir de uma mistura de pelo menos 2 uvas, sendo a
Grenache a principal tinta.
No topo da hierarquia, com regras muito mais restritas no que
diz respeito a plantio e vinificação, estão as denominações classificadas como
Cru. No Rhône, temos ao todo 17 denominações nesta categoria, sendo que 8 estão
na parte Norte e 9 na parte Sul.
O Vale do Rhône foi alvo de uma praga (a famosa praga
Filoxera) que devastou as vinícolas no fim do século XIX. Logo que a região se
recuperou por volta de 1900, a produção voltou com imensa força e volume, de
forma que surgiram fraudes dos vinhos mais procurados. Com isso, a comunidade
vinhateira organizou a “Appelation D’origine”, que consiste em conjuntos de
regras certificadas para o cultivo e produção de vinho. A Denominação de Origem
obteve tanto sucesso que foi expandido, mais tarde, para o resto do país. Hoje,
a França possui cerca de 20 denominações de origem.
Costières de Nîmes
Costières de Nîmes é a designação de Origem Contrôlée (AOC)
para um vinho produzido na área entre a antiga cidade de Nîmes e o delta
ocidental do Rhône, no departamento francês de Gard.
Anteriormente era parte da região do Languedoc, mas como os
vinhos se assemelham aos do Vale do Rhône no que tange ao caráter do que os do
Languedoc, agora faz parte da região vinícola do Ródano e é administrado pelo
comitê do Vinho do Rhône com sede em Avignon.
Os vinhos da região são produzidos há mais de dois mil anos e
consumidos pelos gregos na época pré-romana, tornando-se uma das vinhas mais
antigas da Europa. A área foi habitada por veteranos da campanha de Júlio César
no Egito, e a garrafa de Costières de Nîmes traz o símbolo do assentamento
romano em Nîmes, um crocodilo acorrentado a uma palmeira. De acordo com as
mesas da cozinha do Palais des Papes em Avignon, muitas das cidades do que hoje
é a região de Costières de Nîmes eram os principais fornecedores de vinho para
os papas naquela época.
Anteriormente conhecido como Costières du Gard, a VDQS, o
vinho alcançou o status de AOC em 1986 e foi renomeado Costières de Nîmes em
1989. Em 1998, as organizações de agricultores (sindicatos) solicitaram que as
designações fossem anexadas à região vinícola do Rhône, pois seus vinhos
refletiam melhor as características da região vinícola do Rhône do que da
região do Languedoc em que a região está geograficamente localizada.
A INAO, a autoridade francesa que regula as denominações do
país, submete cada denominação a um comitê regional encarregado de aprovar o
vinho dessa denominação. Esta lista é um texto legal publicado pelo Ministério
da Agricultura francês. A transferência de Costières de Nîmes para o comitê
regional do Vale do Rhône foi feita na versão de 19 de julho de 1998, que
subsititui a versão de 2004, Costières de Nîmes foi atribuído ao comitê
regional Languedoc-Roussillon. O AOC diretamente adjacente a Clairette de Bellegarde
permanece registrado como AOC Languedoc.
Entre as baixas colinas rochosas e garrigues que marcam a
fronteira do Languedoc com a Provence e as planícies arenosas do delta de
Camargue Rhône, o solo é principalmente uma mistura de cascalho redondo (“galets”)
semelhante a Châteauneuf-du-pape, e depósitos aluviais de xisto arenoso e
vermelho. As profundidades do solo de 3 a 15 metros são as grandes responsáveis
pela variação de forças nesta AOC.
O clima é mediterrâneo, semelhante ao do Vale do Rhône, mas caracterizado
pela proximidade da costa e pela brisa do mar.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi intenso, brilhante, com
reflexos violáceos e lágrimas finas, em média intensidade e que demoram a se
dissipar.
No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas maduras
onde se destacam morango, framboesas, cerejas, com um toque rústico, com notas de
especiarias, como pimenta, além de tabaco e couro.
Na boca é seco, tem média estrutura, mas fácil de degustar.
Tem taninos presentes, marcados, mas elegantes, redondos, com uma boa acidez, um agradável picante, álcool
em evidência, mas bem integrado, sendo um vinho muito equilibrado, com um final
longo e persistente e um retrogosto frutado.
E diante de tanta história que harmoniza com tantas
novidades, as experiências sensoriais são garantidas! Todas as nuances que
traduzem em terroir, em tipicidade, em apelos regionalistas chegam a nossa taça
de forma singular, única. Situações geográficas, o chão, o clima, tudo conspira
a favor de um rótulo saboroso, de caráter expressivo, aromático, um vinho
austero, mas delicado, contemporâneo. Um vinho do Rhône, mediterrânico, mas que
tem história com outra região que amo, aprecio, o Languedoc-Roussillon, que
expressa a fidelidade do sul da França. Um vinho carregado de emoção, um vinho
especial! Tem 13% de teor alcoólico.
Uma curiosidade sobre o nome do vinho, COLNEM: O rótulo elogia a história excepcional da Costières de Nîmes. COLNEM: Colonia
Neumausensis, que em latim significa "Colônia de Nîmes" é a
abreviação encontrada nas moedas romanas mais famosas da antiguidade.
Sobre a Vignobles & Compagnie:
Em 1963, graças ao espírito de federação dos viticultores,
liderado por Paul Blisson, que deu origem a vinícola, originada a promover
vinhos da região do Gard, do Vale de Rhône. A adega, um edifício original
inspirado pelo brasileiro Oscar Niemeyer, estava e ainda está localizada em um
ponto estratégico de Gard.
A família Merlout investe na organização, isso em 1969. À
frente da empresa estava uma mulher, Miss Noble, um fato ousado para a época.
Em 1972 a vinícola entra em uma nova era graças a modernização do local e ao
grande crescimento econômico também.
Em 1990 o Grupo Taillan assumiu todas as atividades da
vinícola, dando início a uma parceria importante com vários produtores locais,
trazendo o conceito de regionalismo aos seus rótulos.
Mais informações acesse:
https://vignoblescompagnie.com/en/
Referências:
“Evino Blog”: https://www.evino.com.br/blog/vale-do-rhone-guia-sobre-as-regioes-e-seu-produtores/
“Blog Grand
Cru”: https://blog.grandcru.com.br/vinho-sul-franca-vale-rhone-chateauneuf-du-pape-hermitage/
“Nwikiid”: https://nwikiid.cyou/wiki/Costi%C3%A8res_de_N%C3%AEmes_AOC
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