Mais um vinho da série “novidades”! Definitivamente me deixei
seduzir pelas novidades, pelas novas e gratas experiências sensoriais, afinal,
para que ficar na zona de conforto e se limitar, se permitir escravizar pelo
famoso “mais do mesmo”?
E já começo com o produtor! A cada novidade, seja na região
ou nas castas, nas uvas, a gente percebe e constata, consequentemente, que o
Brasil está na rota da qualidade dos vinhos nacionais. Com rótulos com cara de
Brasil, ufanismos à parte!
Vinhos com tipicidade, que enaltece o terroir e que entregam
o Brasil! E a região desse vinho é simplesmente tida como a capital do
Moscatel! A “família Moscato” traz o topo do cultivo no Brasil. As castas mais
produzidas no Brasil, embora ainda tenha certo preconceito com tais cepas, pelo
simples fato de serem uvas simples, leves. Somente por isso, penso! Um absurdo,
não? Falo de Farroupilha, região dominada pela imigração e cultura italiana e,
claro que também a cultura do vinho “sofreu” com o impacto dessa imigração.
Mas hoje não degustarei um vinho da “família Moscato”. Será
um tinto, cuja casta entrega o oposto da leveza e frescor das moscateis e sim a
força, a estrutura e também a personalidade muito apropriada para ao atuais
dias de frio. Essa casta é a Marselan.
A Marselan vem crescendo a olhos vistos no Brasil. Seu
cultivo vem ganhando certa representatividade e encontrou nos solos gaúchos,
sobretudo na Serra Gaúcha, o clima ideal, pelo seu clima frio e úmido. Mas
falaremos com requintes de detalhes da uva, bem como das regiões.
Eu lembro que conheci a Marselan quase que de forma
ocasional, diria despretensiosa quando participei de um evento destinados a
promoção dos vinhos brasileiros chamado Vinho na Vila, em 2017, quando o nome
da cepa me chamou a atenção, fazendo com que me aproximasse do estande da
famosa vinícola Perini, do Vale Trentino, em Farroupilha. O degustei e achei
extremamente interessante! Era o Arbo Marselan!
Lembro-me também que prometi que iria degustar outro vinho da
casta, pois uma das minhas primeiras impressões acerca da mesma foi de uma uva
rústica, um tanto quanto selvagem, então claro, me chamou a atenção.
E a oportunidade do “repeteco” da degustação veio agora.
Quando o escolhi eu pensei em guarda-lo por mais algum tempo, mas a curiosidade
de tê-lo em minha taça foi maior! Agora degustar um Marselan com uma proposta
distinta a do Arbo, um vinho mais básico, tornou-se mais do que necessário.
Quando o desarrolhei o aroma explodiu! As expectativas
cresceram! O estímulo também! Realmente a complexidade e a personalidade
adjetivam os vinhos da casta Marselan. Então sem mais delongas apresentemos o
vinho: O vinho que degustei e gostei veio de Farroupilha, Serra Gaúcha, e se
chama Cave Antiga Marselan da safra 2017. E antes de falar do vinho, contemos a
história da Serra Gaúcha, a Farroupilha com o seu novo IP (Indicação de
Procedência) e a Marselan.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume
e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio
Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento
Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e
o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos
imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma
agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do
Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto,
logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local.
Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos
vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de
vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não
produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de
produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos
Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e
processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.
Farroupilha
A cidade de Farroupilha, na Serra Gaúcha, é conhecida oficialmente como a Capital Nacional do Moscatel. O título é de 3 de janeiro de 2019, quando a lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas, por que esse título? Isso porque Farroupilha detém a maior área de cultivo de uvas Moscato Branco no Rio Grande do Sul. Dos 540 hectares, o município responde por 40%, ou seja 213,15 hectares.
Farroupilha, além de excelentes moscatos, tranquilos e
espumantes, também ofertam vinhos tintos e rosés de excelente qualidade. A
região possui vinícolas incríveis para os diversos perfis, ótimos restaurantes
e é berço da história da imigração italiana no Brasil.
O enoturismo, a exemplo de outras cidades da Serra Gaúcha,
tem se destacado. Novos projetos estão surgindo e as vinícolas organizam
diferentes experiências para seus visitantes.
Indicação de Procedência (IP)
A região da Indicação de Procedência Farroupilha insere-se no
contexto da Serra Gaúcha vitivinícola, cujo território apresenta
características culturais relacionadas à colonização italiana ocorrida na
região, a partir de 1875, com a chegada de imigrantes que se fixaram
inicialmente em Nova Milano, atual município de Farroupilha.
As famílias produziam para subsistência, sendo a
vitivinicultura expressão de sua cultura. A evolução da vitivinicultura
impulsionou a economia de Farroupilha, que se qualifica, agora, com a Indicação
Geográfica.
A viticultura na área delimitada de Farroupilha é a maior
área de produção de uvas moscatéis do Brasil, autorizadas para a elaboração dos
produtos da Indicação de Procedência Farroupilha, principalmente a cultivar
Moscato Branco, cujo perfil genético foi identificado como único no mundo.
A produção das uvas moscatéis é realizada por centenas de
pequenos produtores concentrados, sobretudo, na Região Delimitada de Produção
de Uvas Moscatéis, enquanto os vinhos são elaborados por diversas vinícolas,
que se encontram distribuídas em todo o território da Indicação de Procedência.
A organização da Associação Farroupilhense de Produtores de
Vinhos, Espumantes, Sucos e Derivados (AFAVIN), constituída por vinícolas
familiares e cooperativas de pequenos viticultores, promove e estimula a
vitivinicultura regional, cuja identidade é reconhecida na Indicação de
Procedência Farroupilha, de fortes traços culturais, com foco na produção de
vinhos finos moscatéis, incluindo os vinhos tranquilos, moscatel espumante,
moscatel frisante, vinho licoroso, mistela e brandy.
Marselan
A Marselan é uma uva tinta que pode aparecer cada vez mais
nos vinhos. Ela faz parte do seleto grupo das 6 uvas já aprovadas pelo INAO
(Institut National de L’Origine et de La Qualité) para compor a lista das uvas
em Bordeaux e Bordeaux Superiéur. Juntam a esse time as tintas Castets,
Arinarnoa, Touriga Nacional, bem como as brancas Alvarinho e Liliorila.
A Marselan não surgiu naturalmente. Nasceu, contudo, pelas
mãos do ampelógrafo parisiense Paul Truel, criador de mais de 12 outras
variedades de uvas, em 1961, no sul da França. O nome da casta foi inspirado na
cidade de Marseillan próxima a Montpellier. É lá onde fica localizado o INRA –
centro de pesquisa agronômica, onde ele trabalhou até se aposentar em 1985.
Quando Paul idealizou a Marselan ele tinha em mente
potencializar, unir e melhorar as características de duas uvas conhecidas: a
Cabernet Sauvignon e a Grenache. Da Cabernet Sauvignon, Truel queria preservar
a potência, com rendimentos maiores, por outro lado, da Grenache – uva que se
adaptou muito bem aos climas quentes – ele queria uma uva que tivesse
resistência às altas temperaturas e, claro, uma nova casta resistente às
doenças.
No início, ela não ganhou destaque e não foi o sucesso
esperado, devido à baixa produtividade e aos pequeninos bagos. Com o aumento da
demanda por uvas resistentes às moléstias – oídio, ácaros e podridão cinzenta,
por exemplo -, ela foi incluída na listagem oficial de registros quase 30 anos
depois, em 1990. Atualmente, é possível encontrá-la em terroirs com
características distintas e ela deixa sua marca talentosa em diversos estilos,
seja em um blend ou mesmo reinando sozinha em um varietal.
Muitos a utilizaram por anos apenas em pequenas porções em
vinhos de corte, até que em 2002 surgiu o primeiro vinho 100% Marselan do
mercado, o francês Domaine Devereux. De lá para cá, a Marselan começou a ser
exportada para diferentes países, e vem ganhando espaço na California, Brasil e
até na China, onde o Chateau Lafite Rotschild implantou vinhedos de Marselan
mirando o mercado interno chinês.
Falando em países produtores, a Marselan vem sendo muito
cultivada no Brasil, e a cada safra que passa novos produtores lançam seus
rótulos. a Marselan é muito interessante para os produtores nacionais,
especialmente os da Serra Gaucha, por sua boa resistência a doenças fúngicas,
que aparecem ao menor sinal de umidade. Vinificada, a uva apresenta bebidas
muito agradáveis e com grande potencial de guarda. Uma característica é o ótimo
equilíbrio entre taninos e acidez, além do álcool sempre bem incorporado. Estas
características fazem com que os vinhos sejam de fácil consumo tanto com um ano
de garrafa quanto com 5 ou 6. O estágio em barris de carvalho deixa os vinhos
de Marselan ainda mais interessantes, dando um aspecto de vinhos da Toscana –
com estrutura, corpo, mas muita elegância.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um lindo e intenso vermelho rubi, mas com
entornos violáceos com brilhos de razoável intensidade, com lágrimas finas,
lentas e em profusão.
No nariz traz aromas de frutas vermelhas maduras, como
groselha e cereja, especiarias que lembram ervas, pimentas, notas amadeiradas
que aportam baunilha e toques de tostado médio, graças aos seis meses de
passagem por barricas de carvalho.
Na boca é seco, típico da variedade, as frutas não são tão
evidentes, como no aspecto olfativo, não tem aquele volume de boca, mas tem
média estrutura, caráter, porém elegante, álcool destacado, mas bem integrado. Amadeirado,
chocolate, café. Taninos marcados, presentes, mas aveludados, com uma acidez
equilibrada. Percebe-se algo de selvagem, indomado neste vinho, nesta
variedade. Final de média intensidade.
Digo sem medo que se trata de um vinho nobre! Fantástico!
Cave Antiga Marselan entrega personalidade, estrutura, complexidade, mas, ao
mesmo tempo, é equilibrado, redondo, sendo, inclusive fácil de degustar! Uma
casta, mesmo que criada nos laboratórios, entrega frutas vermelhas maduras,
rusticidade, notas terrosas, traz o terroir da Serra Gaúcha na sua plenitude.
Um grande vinho cuja casta merece ser explorada abundantemente. Tem 13% de teor
alcoólico.
Sobre a Cave Antiga:
A Vinícola Cave Antiga nasceu de um sonho dos mais destacados
enólogos da Serra Gaúcha e tem orgulho de estar entre as vinícolas que
revolucionaram a vitivinicultura brasileira. Fundada em 1998, a Cave Antiga
está situada no 3° Distrito de Farroupilha, ocupando um conjunto predial que
foi concluído em 1948, localizado numa região belíssima, que tudo faz lembrar a
história dos imigrantes italianos.
Em curto espaço de tempo, a Cave Antiga tem os seus produtos
reconhecidos pela excelência de qualidade nos mais importantes concursos de
vinhos e espumantes, no âmbito nacional e internacional.
A Cave Antiga tem focado o desenvolvimento de novos
varietais, zelando por todo o processo produtivo, do plantio das uvas até a
elaboração dos vinhos. Agregado ao pioneirismo produtivo, a Cave Antiga
preocupa-se com a busca de forma que possibilitem a acessibilidade aos vinhos
de qualidade, tendo sido pioneira na nova apresentação das embalagens
bag-in-box, com varietais nobres.
Preservar a história viva que é o seu conjunto predial,
interagir social e culturalmente, sempre com o zelo de preservação ecológica,
levam a Cave Antiga à inserção na modernidade produtiva, resguardando a
excelência da qualidade do que a natureza nos oferece.
Mais informações acesse:
https://www.caveantiga.com.br/
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Blog Art de Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-marselan-cruzamento-cabernet-sauvignon-grenache-noir
“Tosin Consultoria”: https://tosinconsultoria.com.br/marselan-que-uva-e-essa/
“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-marselan/
“Site de Farroupilha”: https://farroupilha.rs.gov.br/noticia/visualizar/id/3108/?farroupilha-e-a-nova-indicacao-de-procedencia-de-vinhos-finos-do-brasil.html
“Portal Bom Vivant”: https://www.portalbonvivant.com.br/post/uma-escapada-para-farroupilha-a-capital-do-moscatel
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