Tem certas coisas ou situações vividas que ficam na nossa
mente e que teimam, insiste em vir à tona, como que nos lembrando de
vivenciá-la ou pelo menos nos colocar em reflexão, simplesmente.
Quando tive os meus primeiros contatos com os vinhos portugueses,
uma casta teimava em me “acompanhar” nas degustações dos rótulos lusitanos:
Castelão! Mas nos primeiros rótulos não me atentei imediatamente com a
variedade.
Contudo a constância fez com que eu olhasse, eu percebesse
com mais carinho para ela. A minha primeira e inevitável pergunta foi: A cada
degustação a Castelão aparece nos blends! Será ela tão importante para
Portugal? O que ela tem de especial?
Não importava a região portuguesa, não importava o produtor,
não importava a proposta do vinho, lá estava, seja predominando percentualmente
falando ou não, a Castelão.
Claro que, estimulado pela curiosidade que me é peculiar
neste vasto e atraente universo do vinho, me coloquei a pesquisar sobre a
casta, profundamente. E realmente a sua história personifica a história recente
e gigantesca da Portugal vitivinícola.
Logo dissecarei, com requintes de detalhes, a magnífica
história da Castelão, mas antes seguirei contando a minha história, de forma
mais breve possível, com esta especial variedade, autóctone portuguesa.
E quando me vi envolto em curiosidade em degustar um rótulo
100% Castelão me coloquei em uma saga no garimpo de um vinho que entregasse o
que eu queria, o que eu necessitava de momento. À época tive a impressão da
dificuldade de encontrar um nos sites especializados em venda de vinhos e os
pouquíssimos ofertados estavam com um valor muito alto para o meu humilde
bolso.
Mas continuei a procurar e estava cada vez mais decidido a
procurar até encontrar e quando estive em um site de vendas de vinhos muito
popular no Brasil encontrei, quase que despretensiosamente, um que, claro, me
chamou a atenção, mas lendo as nuances de sua proposta, percebi se tratar de um
vinho mais básico, mas isso não importa! O comprei, degustei e gostei! Ele era
o Vinhas do Silvado 2016. Que vinho saboroso! Para a sua proposta entregou até
além!
A saga continuaria! Claro que não iria parar por aí e
encontrei outro, da região do Tejo, de nome Adega Grande Reserva Castelão 2017,
esse, com uma proposta diferenciada, em relação ao primeiro rótulo, com
passagem por madeira e a experiência foi ótima também! Estava com sorte! Os
vinhos 100% Castelão estavam me entregando qualidade, tipicidade.
E com esse panorama favorável não poderia parar! Afinal o
universo é vasto e temos a obrigação de explorá-lo. E no mesmo site que havia
comprado o meu primeiro rótulo 100% Castelão achei outro da região de Setúbal,
que tem uma relação histórica forte com a Castelão, mais precisamente da
sub-região de Palmela, terra dos moscatéis de Setúbal, com uma proposta no
mínimo arrojada: passagem por 12 meses em depósitos de cimento! Não me lembro
de ter degustado um vinho com passagem por cimento! Então foi chegada a hora de
degusta-lo! Depois de dois anos na adega desde a sua compra, o desarrolhei! E
voilá!
Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei veio da
região portuguesa de Setúbal, de Palmela, e se chama Pó das Areias Grande
Escolha 100% Castelão da safra 2017. Então antes de falar do vinho, falemos um
pouco da região de Setúbal e Palmela, bem como a artista do momento: Castelão!
Setúbal
A história vitivinícola da região da Península de Setúbal
perde-se no tempo. Na região foram plantadas as primeiras vinhas da Península
Ibérica, em cerca de 2.000 a.C., dando início a uma tradição que foi renovada
em 1907, com a demarcação da Região do Moscatel de Setúbal, e que sobrevive até
hoje, sendo a segunda mais antiga região demarcada de Portugal.
De Setúbal saem alguns dos melhores vinhos portugueses, cuja
qualidade se firmou a partir de uma biodiversidade riquíssima. Nenhuma outra
região de Portugal tem tantas diferenças geográficas, com a existência de
planícies, serras e encostas, além dos Rios Sado e Tejo e a proximidade com o
Oceano Atlântico.
Situada no litoral oeste, a sul de Lisboa, esta região
vitivinícola tem um terroir específico para a produção do famoso e tão
apreciado vinho licoroso. “Esta região pode dividir-se em duas zonas
orográficas completamente distintas: uma a sul e sudoeste, montanhosa, formada
pelas serras da Arrábida, Rosca e S. Luís, e pelos montes de Palmela, S.
Francisco e Azeitão, estes recortados por vales e colinas, com altitudes entre
os 100 e os 500 m. A outra, pelo contrário, é plana, prolongando-se em extensa
planície junto ao rio Sado.
A área delimitada abrange no total uma superfície de 9.210
hectares de vinha, admitindo-se que, dessa área, cerca de 2075 hectares estão afeto
à produção de vinhos com Denominação de Origem. Uma grande parte dos vinhos é
exportada. Existem grandes empresas vitivinícolas na região utilizando
tecnologias avançadas de transformação, da uva ao vinho. O Vinho Regional
“Península de Setúbal” produz-se em todo o distrito de Setúbal. Já no que
respeita aos vinhos com Denominação de Origem, temos duas regiões distintas: Setúbal,
para a produção do vinho generoso, e Palmela, onde se produzem vinhos brancos,
tintos e rosados, vinhos frisantes e espumantes rosados e vinhos licorosos.
O clima é misto, subtropical e mediterrânico. Influenciado
pela proximidade do mar, pelas bacias hidrográficas do Tejo e do Sado e pelas
serras e montes da região, tem fracas amplitudes térmicas e um índice pluviométrico
entre os 400 a 500 mm. Extensa em território e com clima mediterrânico – tempo
quente e seco no verão e relativamente frio e chuvoso no inverno –, a Península
de Setúbal é uma região que permite a obtenção de vinhos carismáticos, com
personalidade forte e traços de caráter únicos, com uma singular relação entre
qualidade e preço. A presença de vinhas em terras planas compostas por solos de
areia perfeitamente adaptados à produção de uvas de qualidade, bem como de um
relevo mais acentuado, com vinhas plantadas em solo argilo-calcários,
protegidos do Oceano Atlântico pela Serra da Arrábida, resulta numa produção de
vinhos reconhecida nacional e internacionalmente.
As designações de Denominação de Origem (DO) e Indicação
Geográfica (IG)
As designações de Denominação de Origem (D.O.) e Indicação
Geográfica (I.G) indicam os vinhos de acordo com a sua origem, características
e castas. É esta certificação que garante a qualidade dos vinhos que irá
consumir. Desde o plantio até o engarrafamento, os vinhos da Península de
Setúbal são avaliados e controlados pela CVRPS, chegando à sua mesa com 3
possíveis classificações: D.O. Palmela, D.O. Setúbal e I.G. Península de
Setúbal (Vinho Regional).
DO Palmela
Abrangendo os concelhos de Setúbal, Palmela, Montijo e, ainda, a freguesia do Castelo, no concelho de Sesimbra, a D.O. Palmela cobre a mesma área que a D.O. Setúbal, mas exclui a produção de Moscatel de Setúbal. Aqui, tanto nos tintos como nos brancos, há uma utilização predominante de certas castas que permitem produzir vinhos carismáticos, com personalidades fortes.
Os vinhos tintos D.O. Palmela devem conter a casta Castelão,
conhecida tradicionalmente por Periquita, em pelo menos 67% da sua produção.
São, na sua maioria, vinhos tranquilos, ou seja, não são gaseificados. São
caracteristicamente bastante aromáticos, com grande capacidade de
envelhecimento e estruturados. Os jovens e os mais velhos distinguem-se pelo
perfil e aromas. Enquanto que os primeiros são caraterizados por aromas como a
cereja, a groselha e a framboesa, os mais velhos abarcam outros aromas mais
secos, como a bolota e o pinhão.
Castelão: O DNA de Portugal
A uva Castelão é uma variedade de uva de casca escura que é
usada no processo de fabricação de vinho tinto e encontrada mais exclusivamente
em Portugal. Ela é utilizada para a produção não só de vinhos varietais, mas
também vinhos mistos.
A Castelão é extremamente popular graças à sua robustez. Essa
uva tende a crescer bem em solos arenosos e inférteis e resiste à maioria das
doenças. Embora essa uva prefira os climas mais quentes, ela produz qualidade
decente de vinho, mesmo a partir de uvas cultivadas em partes mais frias e
úmidas de Portugal.
A Castelão é conhecida, na região de Setúbal, como
“Periquita”, também chamada João de Santarém ou Castelão Francês. Embora seja
cultivada por todo o país, destaca-se, sobretudo nas regiões costeiras a sul e
por vezes entra na constituição do Vinho do Porto.
O Termo “Periquita” está associado ao emblemático vinho, de
mesmo nome, criado por José Maria da Fonseca, da vinícola de mesmo nome lá na
região de Setúbal. A vinícola, fundada em 1834, tinha a alcunha de “Periquita”
por causa do local onde estava instalado, conhecido como “Cova da Periquita”,
nome dado pelos moradores da região.
Na costa sul de Portugal, onde os solos são arenosos, as
vinhas de Castelão produzem vinhos que não são apenas tânicos, mas também
encorpados e extremamente rústicos, com um toque de sabor frutado que parece o
sabor de uma fruta silvestre. Estes vinhos são frequentemente envelhecidos no
carvalho por um período de cinco a dez anos e uma vez feito, o vinho produzido
é de qualidade extremamente premium.
No caso dos vinhos produzidos a partir de uvas cultivadas na
parte central de Portugal, devido à natureza calcária do solo, produz vinhos
mais leves e frutados, que não precisam ser envelhecidos devido ao sabor
equilibrado e podem ser consumidos precocemente. Este vinho é frequentemente
misturado com variedades como Tinta Roriz e Touriga Nacional.
Quando misturado com outros vinhos, as bordas ásperas do
Castelão tendem a amolecer um pouco, tornando o vinho muito mais acessível,
principalmente quando não passa pelo processo de envelhecimento.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um lindo e intenso vermelho rubi com
reflexos violáceos muito brilhantes, com lágrimas finas e em média intensidade
que logo se dissipam do copo.
No nariz entrega um rico aroma de frutas vermelhas frescas
com destaque para groselha, cereja e morango, com notas florais, de flores
vermelhas, além de especiarias, como pimenta e toques herbáceos e de couro.
Na boca é redondo, elegante, fácil de degustar, muita fruta protagonizando
também no palato. Muito equilibrado, graças aos seus taninos aveludados, mas
envolventes, com uma acidez muito boa, apesar dos cinco anos de safra, e álcool
bem integrado, revela todas as características da variedade Castelão, se
devendo também aos 12 meses que estagiou em tanques de cimento que valoriza a
essência da casta. Tem final médio.
Mais uma experiência excepcional com a Castelão! Muitas
novidades foram impostas a mim com a degustação deste especial rótulo. Os
depósitos de cimento, onde o vinho estagiou por doze meses, trouxe um vinho
mais puro, enfatizando a essência da cepa, potencializando o seu terroir, com
muita tipicidade. Tem taninos redondos, macios e faz do vinho algo suculento,
fresco, vivo, mas com personalidade marcante por exatamente expor todas as suas
nuances e características desta cepa que, a cada dia, me ganha.
E ainda tem uma curiosidade estampada no rótulo: Grande
Escolha! O que significa? “Grande Escolha” é uma denominação de qualidade, mas
que não é uma denominação de origem, mas se assemelha a um reserva ou grande
reserva, por exemplo. Significa que obteve uma qualificação, uns pontos acima
do “normal”, dos vinhos regionais, por exemplo, pelo organismo ou instituição que
certifica o vinho.
E mais uma curiosidade, agora sobre o nome que ostenta em seu
rótulo: “Pó das Areias”! Pó das Areias faz alusão aos solos arenosos e ao clima
mediterrâneo no qual a uva Castelão foi cultivada.
O que corrobora, definitivamente, a sua qualidade,
personificando o seu terroir. Enfim, um vinho repleto de tipicidade. Tem 13.5%
de teor alcoólico.
Sobre a Adega Fernão Pó:
A Adega Fernão Pó é uma empresa familiar de Fernando Pó,
concelho de Palmela, como resultado da junção das famílias Freitas &
Palhoça. Ligadas à viticultura e produção de vinho há gerações, reúnem assim
dois ramos da história vinícola de Fernando Pó.
Os Freitas são antigos proprietários da região e, por outro
lado, os Palhoças, descendentes da cultura “caramela”, vindos do norte de
Portugal, se estabeleceram em “Foros” na região. Anteriormente, nos anos 50,
Aníbal da Silva Freitas fundou a Adega. Só posteriormente, em 1990, foi lançado
o primeiro vinho de marca própria. Hoje, produz cerca de 660 mil litros de
vinhos de vinhas próprias.
A planície de Fernão Pó é conhecida pela qualidade das suas
uvas. Dividida em pequenas quintas desde a chegada do caminho-de-ferro em 1861,
distingue-se pela camada de areias macias, a cobrir o solo de barro. O
microclima temperado pelos rios Tejo e Sado protege e facilita a maturação
perfeita das uvas. O resultado são vinhos conhecidos pela boa estrutura, corpo,
cor e principalmente aromas.
Mais informações acesse:
Referências:
“Vinhos da Península de Setúbal”, em: https://vinhosdapeninsuladesetubal.org/
“Wikipedia”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Castel%C3%A3o_(uva)
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/castelao
“House of
Wine”: http://houseofwine.com.br/por-dentro-vinho/castelao/
“Correio Braziliense”: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/turismo/2016/01/06/interna_turismo,513036/conheca-a-historia-do-rotulo-periquita-vinho-pioneiro-do-norte-de-por.shtml
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/vinhos/regioes/peninsula-de-setubal/regioes-vitivinicolas-portuguesas-peninsula-de-setubal-2/
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