Sou um fã declarado, ou melhor, um apreciador declarado da
região de Canelones, no Uruguai. Não apenas por ter sido a região responsável
por descortinar o Uruguai e seus vinhos para mim, mas também pela qualidade,
pela tipicidade de seus vinhos.
E não é à toa que Canelones é tida como a principal região
produtora daquele país, exportada para o mundo, mostrando que, mesmo o Uruguai
sendo um país pequeno, de dimensões territoriais pequenas, tem produzido vinhos
de excelência e exportando para o mundo inteiro e Canelones é o grande
responsável por isso.
E não se enganem, já que falei do sucesso, principalmente no
Brasil, que o Uruguai personifica apenas a icônica casta Tannat! Claro que o
nome do país foi projetado graças à Tannat e admitamos, ainda é o país mais
proeminente na produção de rótulos dessa cepa, mas o Uruguai vem se revelando
com outras castas que confesso jamais esperei encontrar por aquelas bandas.
E a degustação de hoje é especial! Porque além de ser mais um
rótulo de Canelones, é uma casta que venho apreciando, conhecendo e que vem
ganhando também alguma visibilidade no Cone-Sul, sobretudo no Brasil: A
Marselan.
Bem então atrativos não faltam para a degustação de hoje:
Canelones e Marselan. Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho
que degustei e gostei veio de, claro, Canelones, no Uruguai e se chama Pueblo
del Sol Reserva da casta Marselan da safra 2020.
E além da emblemática região, da especial casta Marselan,
traz um rótulo de um dos maiores, se não for o maior, produtor do Uruguai, a
Família Deicas. Essa é a linha de rótulos menos conhecida pelo grande público,
mas está longe de ser ruim por conta disso. Eu já tive uma excelente
experiência com o Pueblo dei Sol Viognier 2017, sendo que também fora meu
primeiro contato com a Viognier e não poderia ter sido melhor.
Mas antes de falar do vinho, que surpreendeu
maravilhosamente, vamos, para variar, de história. Falemos de Canelones e da
casta Marselan.
Canelones
Localizada bem ao sul, Canelones é a principal região
produtora de uva e vinho no Uruguai e, por isso, concentra a maior parte dos
vinhedos do país. A cidade de Canelones faz parte da região metropolitana de
Montevidéu. Ela é cercada por um enorme complexo de pequenas fazendas e
vinhedos, que são responsáveis por impressionantes 84% da produção de vinho do
Uruguai.
Nos seus arredores, encontram-se ótimos bares que oferecem os
melhores e mais procurados vinhos do país, já que naquela região concentram-se
desde as mais tradicionais até as mais luxuosas, modernas e rústicas vinícolas
da América Latina.
Além disso, Canelones possui uma extensão de mais de 65 km de
praia, repleta de entretenimentos e lugares para descansar, sem falar do
Camping Marindia, que é um reduto de arte, cultura e atividades familiares,
cercado por trilhas bem arborizadas e que proporciona uma linda visão de pôr do
sol.
Os primeiros moradores de Canelones se instalaram na cidade
por volta de 1726; já a partir de 1774, chegaram imigrantes espanhóis e no
final do século XIX, vieram os imigrantes italianos para cultivar uvas e
fabricar vinhos. Dali em diante, a história da cidade com o vinho começou a se
intensificar, uma vez que passo a passo ela conquistava popularidade em todo o
país.
Mas foi nos anos de 1970, que videiras de clones importados chegaram
à cidade e os vinhedos começaram a se concentrar na qualidade. E hoje a
produção de vinho da região representa 14% no mercado internacional e é
responsável por oferecer uma abundância de opções ao enoturismo uruguaio.
Essa região não poderia ter localização melhor. Por sua visão
pioneira, o Uruguai foi eleito o país do ano, em 2013, pela revista inglesa The Economist. Entre as principais
razões estão o fato de realizar reformas que não se limitam a melhorar apenas a
própria nação, mas atitudes que podem beneficiar o mundo.
E Canelones está sendo conduzida sob essa visão. Em meio a um
processo de desenvolvimento enoturístico, a região já possui até projeto de
promoção do turismo e do vinho desenhado pelo Ministério do Turismo com a
colaboração da Comarca de l’Alt Penedès, Espanha.
Há produtores que se juntaram para ajudar nesse incentivo e
criaram a Associação “Los Caminos del Vino”, que reúne diversas vinícolas
familiares abertas para visitantes, onde podem ver as vinhas de perto,
acompanhar as diferentes etapas da vinificação e, finalmente, provar o vinho e
a comida típica do lugar.
Marselan
A Marselan é uma uva tinta que pode aparecer cada vez mais
nos vinhos. Ela faz parte do seleto grupo das 6 uvas já aprovadas pelo INAO
(Institut National de L’Origine et de La Qualité) para compor a lista das uvas
em Bordeaux e Bordeaux Superiéur. Juntam a esse time as tintas Castets,
Arinarnoa, Touriga Nacional, bem como as brancas Alvarinho e Liliorila.
A Marselan não surgiu naturalmente. Nasceu, contudo, pelas
mãos do ampelógrafo parisiense Paul Truel, criador de mais de 12 outras
variedades de uvas, em 1961, no sul da França. O nome da casta foi inspirado na
cidade de Marseillan próxima a Montpellier. É lá onde fica localizado o INRA –
centro de pesquisa agronômica, onde ele trabalhou até se aposentar em 1985.
Quando Paul idealizou a Marselan ele tinha em mente
potencializar, unir e melhorar as características de duas uvas conhecidas: a
Cabernet Sauvignon e a Grenache. Da Cabernet Sauvignon, Truel queria preservar
a potência, com rendimentos maiores, por outro lado, da Grenache – uva que se
adaptou muito bem aos climas quentes – ele queria uma uva que tivesse
resistência às altas temperaturas e, claro, uma nova casta resistente às
doenças.
No início, ela não ganhou destaque e não foi o sucesso
esperado, devido à baixa produtividade e aos pequeninos bagos. Com o aumento da
demanda por uvas resistentes às moléstias – oídio, ácaros e podridão cinzenta,
por exemplo -, ela foi incluída na listagem oficial de registros quase 30 anos
depois, em 1990. Atualmente, é possível encontrá-la em terroirs com
características distintas e ela deixa sua marca talentosa em diversos estilos,
seja em um blend ou mesmo reinando sozinha em um varietal.
Muitos a utilizaram por anos apenas em pequenas porções em
vinhos de corte, até que em 2002 surgiu o primeiro vinho 100% Marselan do
mercado, o francês Domaine Devereux. De lá para cá, a Marselan começou a ser
exportada para diferentes países, e vem ganhando espaço na California, Brasil e
até na China, onde o Chateau Lafite Rotschild implantou vinhedos de Marselan
mirando o mercado interno chinês.
Falando em países produtores, a Marselan vem sendo muito
cultivada no Brasil, e a cada safra que passa novos produtores lançam seus
rótulos. A Marselan é muito interessante para os produtores nacionais,
especialmente os da Serra Gaúcha, por sua boa resistência a doenças fúngicas,
que aparecem ao menor sinal de umidade. Vinificada, a uva apresenta bebidas
muito agradáveis e com grande potencial de guarda.
Uma característica é o ótimo equilíbrio entre taninos e
acidez, além do álcool sempre bem incorporado. Estas características fazem com
que os vinhos sejam de fácil consumo tanto com um ano de garrafa quanto com 5
ou 6. O estágio em barris de carvalho deixa os vinhos de Marselan ainda mais
interessantes, dando um aspecto de vinhos da Toscana – com estrutura, corpo,
mas muita elegância.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro, tendendo
para o púrpura, cor densa e lágrimas grossas, lentas e que mancham o bojo.
No nariz traz aromas intensos de frutas pretas, como ameixa,
amora, groselha preta, algo talvez de frutas vermelhas, a madeira discretamente
se mostra bem integrada ao vinho, além de apresentar especiarias doces,
mentolado, baunilha, herbáceo e terra molhada.
Na boca é seco, tem médio corpo, bom volume, preenche bem o
paladar, mas entrega maciez e elegância, um vinho fácil de degustar. O toque
frutado também protagoniza como no aspecto olfativo, bem como a madeira, graças
aos 3 meses em barricas de carvalho, o herbáceo, a baunilha, além de taninos
amáveis, sedosos, acidez média que saliva a boca e um final frutado e médio.
Descobri que a Marselan é complexa, estruturada, é para quem
gosta de analisar o vinho, de fazer um ótimo exercício de análise, que goste de
se desdobrar nesse quesito, a Marselan é ideal. Um vinho de volume e corpo, de
personalidade marcante. Sem dúvida um vinho muito especial e que vai deixar uma
marca indelével na nossa humilde história enófila. Um vinho vivaz e fresco. E o
rótulo da Família Deicas entrega exatamente isso, como eles dizem: “Nossos vinhos
são uma homenagem ao sol”, ou seja, são vinhos solares.
Palavras do produtor:
“À forma como nossos vinhedos se pintam de dourado. Ao seu
calor, que ajuda a expressar o melhor de suas videiras. À sua luz, que guia
nosso trabalho desde o amanhecer ao pôr-do-sol. Ele é o começo de tudo; a
energia que nos guia para elaborar uma linha de vinhos de valor único”.
Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Família Deicas:
A Bodega foi fundada no século XIX e já teve vários donos,
inclusive o próprio Estado. O primeiro deles foi Don Francisco Juanicó que
fundou o estabelecimento em 1830. Apenas em 1979, quase um século e meio
depois, a Familia Deicas comprou a propriedade e imprimiu nela uma grande
mudança. Uma delas foi a de contratar especialistas internacionais para
produzir vinhos de alta gama com variedades francesas.
De toda forma, ainda permanece no local muito do passado.
Algo que pode ser apreciado em algumas construções da vinícola, que apesar de
restauradas conseguem manter o conceito original de quem as idealizou.
Caso, principalmente, da cave subterrânea, construída com
pedras por Don Francisco Juanicó. O local hoje abriga mais de 500 barricas de
carvalho francesas e americanas, unindo tradição, tecnologia e muita beleza.
A Família Deicas é muito conhecida pelo Família Deicas
Preludio (1.100 pesos), um dos ícones da vinícola, que, é sem sombra de dúvidas
um vinho maravilhoso! Realmente, um dos melhores do Uruguai. Ele consiste em um
corte de seis variedades (Tannat, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot,
Petit Verdot e Marselan).
Além do Prelúdio, a Juanicó também elabora o Don Pascual, que
é a marca de vinho fino mais importante do Uruguai. Também produz a linha
Atlántico Sur. Ambas as linhas mais acessíveis que o Preludio Familia Deicas
(que é produzido em lotes reduzidos e de forma mais artesanal). Afinal, a
Juanicó possui estrutura de vinícola de ponta para produzir em larga escala.
Mais informações acesse:
http://www.pueblodelsol.com.uy/_po/?pg=inicio
Referências:
“Winepedia: https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/roteiros-do-vinho-canelones/
“Dicas do Uruguai”: https://dicasdouruguai.com.br/dicas/canelones-no-uruguai/
“Blog do Vinho Tinto”: https://www.blogvinhotinto.com.br/enoturismo-viagens/juanico-familia-deicas-tecnologia-e-tradicao-na-arte-de-fazer-vinhos/
“Blog Art de Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-marselan-cruzamento-cabernet-sauvignon-grenache-noir
“Tosin Consultoria”: https://tosinconsultoria.com.br/marselan-que-uva-e-essa/
“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-marselan/
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