Atualmente o cenário para os enófilos brasileiros é
desanimador. Desanimador no que tange aos preços que sobem de uma forma abusiva
e, em alguns momentos, de maneira injustificável. Ou melhor tem uma triste e
desoladora justificativa: o custo Brasil é deveras alto e a carga tributária
que incide sobre o mercado da bebida de Baco é devastador.
Políticas para alavancar o setor são mencionadas por
políticos em épocas de campanha eleitoral, porém, quando se elegem não são
efetivadas e nós, pobres mortais trabalhadores apreciadores no néctar, ainda
sofre e muito com os valores. Como democratizar a cultura do vinho neste país
com um cenário desses?
Mas não quero, a priori, entrar no mérito da discussão,
embora urgente e necessária, foi apenas para ilustrar que o enófilo da “classe
operariada” neste Brasil sofre e muito para querer degustar um vinho, para
adentrar ao universo da poesia líquida, porém ainda há uma luz, um farol no fim
do sombrio e temeroso túnel.
Com um pouco mais de dedicação e garimpo, ainda conseguimos
encontrar alguns rótulos, de alguns produtores sinceros, de excelente custo X
benefício e que, curiosamente, não tem a devida divulgação por parte de alguns
formadores de opinião e especialistas em vinho! Vai entender!
E um desses exemplos clássicos e interessantes vem do
Uruguai, mais precisamente da região de Montevidéu, da capital uruguaia. Falo
da Família Traversa. Essa região não é necessariamente a mais famosa do Uruguai
para a produção de vinhos, como Canelones, por exemplo, e a Família Traversa,
desde a década de 1950 no mercado, também não goza de popularidade, mas seus
vinhos são surpreendentes!
Lembro-me como se fora hoje do meu primeiro vinho da Família
Traversa, um Traversa Reserva Tannat com Merlot, corte típico da região, da
safra 2016. Que vinho espetacular, que vinho surpreendente e que, à época,
custou menos de R$40! Quando vemos um valor desses logo desconfia, se tratando
de alguns “aristocráticos” que encaram o vinho como status e etiqueta social.
Mas o vinho foi estupendo! E mais uma vez me ponho a degustar
mais um rótulo da Traversa e dessa vez, para mim pelo menos, virá carregado de
novidade! Sim! O meu primeiro Sauvignon Blanc uruguaio! Não preciso dizer da
ansiedade, da animação para tê-lo em minha humilde taça!
E hoje foi dada a largada para esse momento! O momento pede,
afinal, dias de sol, de calor, de verão, nada mais consensual do que um belo,
fresco e marcante Sauvignon Blanc para “harmonizar” com esse clima.
Embora a Sauvignon Blanc seja uma casta recorrente em minha
trajetória enófila, dentre as cepas brancas, bem como a Chardonnay, por
exemplo, essa vem carregada de novidades, mas espero encontrar as já famosas
características da casta que fizeram dela e fazem até hoje a sua fama.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio de Montevidéu e se chama Traversa da casta Sauvignon
Blanc da safra 2020! E para não perder o costume falemos um pouco dessa região
vinícola que embora não tenha tanta fama, é uma das mais importantes do
Uruguai: Montevidéu!
Montevidéu
Montevidéu começou seu processo de fundação em 1723. O
Governador do Río de la Plata, Bruno Mauricio de Zabala, foi enviado pela coroa
espanhola para fundar esta cidade portuária e expulsar aos portugueses, que
tinham construído o Fuerte de Montevideu sobre a baia. Assim, as primeiras
famílias que povoaram “San Felipe y Santiago de Montevideo” foram de origem
espanhol, provenientes do grande centro colonial do Río de la Plata: Buenos
Aires. Pela sua condição de principal porto do Rio da Prata e Montevidéu teve
não teve bom relacionamento com a cidade vizinha.
Pedro Millán traçou o primeiro plano da cidade em 1726, ano
em que começaram a chegar os colonos das Ilhas Canarias. A antiga Ciudadela de
Montevidéu (edificada ao longo de uns quarenta anos) apresentava as
características típicas das cidades colônias da época: Uma Praça de Armas no
centro (Atual Praça Constitución, mais conhecida como Matriz) rodeada pela
Igreja (atual Catedral) e o edifício do governo (Cabildo).
A pequena cidade estava rodeada de muralhas das que hoje só
ficam o portal de entrada, a simbólica Puerta de la Ciudadela. Em 1807 se
produziram as Invasões Inglesas, enfrentadas e vencidas pelos orientais. Este
fato deu a Montevidéu o status de “Muy Fiel y Reconquistadora” e a converteu no
bastião espanhol do Río de la Plata. Montevidéu se manteve fiel a Espanha
durante as Revoluções de Maio de 1810 em Buenos Aires. Durante esse período, a
coroa espanhola se instalou em Montevidéu, o que significou o um grande
crescimento para a cidade.
O departamento de Montevidéu se estabeleceu em 1816, como a primeira divisão administrativa da Banda Oriental. Ao se declarar o novo Estado Independente em 1828, Montevidéu foi estabelecido como capital, e a partir da “Jura de la Constitución de 1830” começou a se projetar a “Nova Cidade” por fora dos limites da Ciudadela. Contudo, a atual Ciudad Vieja foi durante muitas décadas o centro econômico e cultural de Montevidéu. As grandes bandas migratórias da Europa (principalmente espanhóis, mas também italianos, alemães, franceses, húngaros, judeus e ingleses) deram ao Montevidéu de 1900 um ar cosmopolita.
A herança dos escravos africanos trazidos durante a época
colonial aportou o caráter multicultural da cidade, que se percebe até hoje. Ao
longo do século XX Montevidéu se expandiu sobre a baia para o leste, e também
para o norte, com numerosos centros de população afastadas do centro. A
emblemática Rambla de Montevidéu, principal cartão postal da cidade, foi
construída em 1910. Outros monumentos significativos datam dos anos 20 e 30,
como o Palácio Legislativo e o Estádio Centenário.
O Uruguai era originalmente povoado pelos índios Charruas, mas em 1680 os portugueses começaram a se assentar na região; os espanhóis chegaram logo em seguida. As primeiras uvas viníferas foram cultivadas em território uruguaio há mais de 250 anos. A produção de vinhos, entretanto, só começou a ser realizada comercialmente na segunda metade do século XIX. Em 1870, Dom Pascal Harriague introduziu ao Uruguai várias castas de uva em busca de uma que se adaptasse bem ao solo e clima da região.
A Tannat foi a que se saiu melhor na experiência e desde
então, por causa do seu sucesso imediato e duradouro no país, ela dá vida ao
autêntico vinho uruguaio. Na década de 1970, houve uma renovação na
vitivinicultura do Uruguai; novas técnicas de plantio e cultivo, bem como a
introdução de novas variedades de uvas, possibilitaram um desenvolvimento
substancial à sua indústria de vinhos.
Aliado a tudo isso, a evolução dos vinhos uruguaios aconteceu
por causa da paixão dos produtores e apreciadores de lá pela bebida. A maneira
artesanal e a relação respeitosa que eles têm com as uvas que cultivam tornaram
seus vinhos premiados e bastante reconhecidos no mercado internacional.
Fortemente influenciado pelo Rio da Prata e Oceânico
Atlântico, o Uruguai tem as suas principais regiões produtoras de vinhos na
costa sul – Maldonado, Canelones e Colônia. Situado entre os paralelos 30 e 35,
a exemplo de Chile, Argentina, Austrália e África do Sul, o país tem a
possibilidade de elaborar vinhos que possuem a energia do Novo Mundo e o
refinamento do Velho Mundo.
É a terra do Tannat, sim, mas há muito mais por descobrir. O Uruguai é comparado com a região de Bordeaux, na França. Seu Rio da Prata é comumente equiparado ao estuário do Gironde. A maior região vitivinícola – Canelones – é dona de 60% da produção total. Fica bem no centro do país, ao sul, muito próxima da capital Montevidéu, que abriga 40% da população local com 3,4 milhões de moradores.
As demais regiões produtoras do sul do país ficam a menos de
duas horas da capital – à oeste, Colônia (pela Rota 1) e, à leste, Maldonado
(pela Rota 9). O Uruguai possui uma rota de vinho especial e aconchegante,
coordenada pela Associação de Turismo Enológico do Uruguai, que reúne muitas
bodegas familiares, com estrutura e história que fascinam seus visitantes. A
rota, batizada de “Os caminhos do vinho” passa por regiões de Montevidéu,
Canelones, Maldonado, Colônia e Rivera, cujas paisagens belas e exuberantes são
atrativos que complementam sua ótima gastronomia e seus vinhos finos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um amarelo claro, palha, translúcido com halos
discretamente esverdeados, com muito brilho, além de algumas lágrimas finas e
rápidas.
No nariz impera os aromas de frutas brancas, tropicais e
cítricas com destaque para a maçã-verde, vindo em seguida o abacaxi, a lima, o
maracujá. Uma agradável sensação de frescor entrega mineralidade e notas
herbáceas, com um fundo floral.
Na boca é leve, fresco, mas untuoso, algo de cremoso, graças à
parte do vinho que passou brevemente por barricas de carvalho. As notas
frutadas protagonizam também no paladar como no aspecto olfativo e repete-se
também o mineral trazendo sabor e personalidade ao vinho. Tem acidez evidente
vibrante que instiga a mais uma taça, com um final persistente e frutado.
A Família Traversa e todos os seus rótulos que vão desde os
básicos até o que se chamam de alta gama definitivamente são os melhores que
apresentam a relação qualidade X preço do mercado de vinhos! E esta nova versão
da linha Traversa que degusto hoje traz tudo o que esperamos da Sauvignon
Blanc: frescor, personalidade, alguma untuosidade, leveza, um toque mineral
agradabilíssimo. A Família Traversa entrega o lado “alternativo” da triste
realidade dos valores impraticáveis dos vinhos no Brasil e nos possibilita
trafegar, com dignidade, neste vasto e impecável universo dos vinhos. Tem 13,5%
de teor alcoólico.
Sobre a Família Traversa:
Esta empresa com as suas vastas vinhas e fábricas de
processamento de vinho, conta com a presença constante da Família Traversa.
Sessenta anos de muito trabalho e três gerações que sustentam a qualidade dos
seus vinhos. Cada novo plantio e manutenção, processamento, embalagem e
distribuição de vinho, marketing e atendimento ao cliente são sempre
supervisionados por um membro da família. Assim eles são e ambicionam o
conceito de qualidade e este é o resultado do trabalho da vinícola. A história
desta família é o legado de bondade e esperança que está nas vinhas e há três
gerações.
Em 1904, Carlos Domingo Traversa veio para o Uruguai com seus
pais. Filho de imigrantes italianos, foi em sua juventude peão rural em
fazendas de vinhedos, e em 1937 com sua esposa, Maria Josefa Salort, conseguiu
comprar 5 hectares de terras em Montevidéu. Suas primeiras plantações de uvas
de morango e moscatel foram em pequena escala. Em 1956 fundou a adega com os
seus filhos, Dante, Luis e Armando, que hoje com os seus netos têm muito orgulho
de continuar o seu sonho.
A atitude constante de crescimento contínuo, com dedicação e
desenvolvimento levou e ainda leva a vinícola a ser um exemplo em todo o
Uruguai. Em mais de 240 hectares próprios, além de vinhedos de produtores cujas
safras são controladas diretamente pela empresa, obtendo assim uma grande
harmonia com os vinhos e as próprias uvas. As variedades plantadas são: Tannat,
Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
As uvas são processadas com maquinários e instalações da mais
alta tecnologia. Inicia-se com um rígido controle de produção, colheita no
momento ideal, plantio de leveduras selecionadas, controle de fermentação,
aplicação a frio no processo de elaboração, clarificações e degustação dos
vinhos para definir diferentes categorias de qualidade. Daí passa-se a
armazenar em grandes recipientes de grande tecnologia, como inox, tanques
térmicos, ou em barricas de carvalho americano e francês.
Mais informações acesse:
http://grupotraversa.com.uy/en/
Referências:
“Uruguai.org”: http://www.uruguai.org/a-historia-de-montevideu/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/uruguai-natural_9771.html
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