sábado, 18 de fevereiro de 2023

Domaine du Charron Malbec e Merlot 2014

 

Quando tive o meu primeiro contato, a minha primeira experiência com os vinhos de Cahors fui tomado por uma espécie de arrebatamento e me fiz uma promessa: degustaria novamente novos rótulos dessa região, o que, convenhamos, não é habitual e os poucos vinhos disponíveis, lamentavelmente, estão, a meu ver, em um valor astronômico de caro.

Mas consegui, em um e-commerce conhecido, encontrar uns poucos rótulos da região que aliou uma boa relação qualidade X preço e eu precisava, ansiava, clamava por novos rótulos para desbravar uma região que, de forma persistente de seus produtores, vem crescendo e resgatando o seu terroir, privilegiando também a modernidade de seus vinhos.

E encontrei um disponível e dessa vez não foi a Malbec reinando absoluta, embora percentualmente falando ela se revela predominante. Assim é Cahors, é sinônimo de Malbec, é a “Côt”, como é chamada naquelas terras do sudoeste francês.

Sim, Malbec não é de Mendoza, na Argentina! Embora goze de fama na terra dos hermanos é em Cahors que é o seu berço, a sua origem. E esse rótulo ela brilha juntamente com a Merlot, que tem a incumbência de trazer maciez ao vinho, contrabalancear a rusticidade da Malbec.

Outro detalhe extremamente relevante são as diferenças dos terroirs: Mendoza e Cahors. Enquanto Cahors traz a rusticidade, as especiarias, a Malbec de Mendoza nos entrega as notas frutadas. Cahors investe em menos intervenção humana, menos madeira e a mendocina traz aquele famoso termo do “malbecão”, com madeira e estrutura.

Mas o rótulo de hoje traz um blend bem atípico, mas que me parece ser em Cahors, até porque o meu primeiro da região trouxe este blend, o Carte de Noire 2013, então vamos seguindo com mais uma experiência com esse blend e com o mesmo produtor, a gigante Vinovalie.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de Cahors, sudoeste francês, e se chama Domaine du Charron composto pelas castas Malbec (70%) e Merlot (30%) da safra 2014. E para não perder o costume vamos de história, vamos de Cahors e a sua importância para a Malbec e a sua importância para vitivinicultura mundial.

Cahors, o berço da Malbec

De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na Argentina e hoje uva símbolo de lá.  Mas ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome de Côt. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de Malbec, uva conhecida na região como “Côt” datam de 92 d.C.

O vinho é frequentemente citado como o mais antigo da Europa e foi conhecido devido a sua cor intensa como o vinho “negro” de Cahors. Os vinhos de Cahors desde a idade média são longevos e escuros com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.

Na região, a uvas permitidas para vinhos tintos são a Côt (Malbec), a Tannat, a Cabernet Franc e a Gamay em Coteaux du Quercy. Cahors permanece com a marca da antiga Côt que se revela em personalidade forte insistente, arrojada e com expressão mais rústica, compensando em longevidade.

Oferece assim, robustez, estrutura e boa guarda. A uva é liberada para os cortes de Bordeaux, mas pouco utilizada por lá, hoje em dia. A região de Cahors fica a cerca de 230 KM de Bordeaux no departamento de Lot, na região Sud-Est da França fazendo fronteira com o departamento da Dordogne. Há 22 mil hectares classificados como potenciais para a AOP Cahors em um território de 45 quilômetros de leste a oeste e 25 quilômetros de norte a sul, abrangendo 45 vilas.


De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na Argentina e hoje uva símbolo de lá.  Mas ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome de “Côt”. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de Malbec datam de 92 d.C.

A região de Cahors produzia vinhos de tanta densidade que eram conhecidos como vins noirs, ou vinhos negros. Os vinhos de Cahors desde a Idade Média são longevos e escuros com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.

Há bem poucas denominações ao redor de toda a França que tenham sofrido uma perda de vinhedos tão extensiva e também de reconhecimento durante os últimos 100 anos quanto a histórica região de Cahors.

Em 2002, havia apenas 4.500 hectares de vinhas e hoje apenas 3.300 da AOP (Appellation d’Origine Protégée) Cahors, devido em parte à contínua erradicação dos vinhedos, em parte aos produtores (encorajados pela dominante Cooperativa Cotes d’Olt Cave) que diversificaram nos rótulos da menos estrita IGP (Indicação Geográfica Protegida).

Mas, ao menos, a partir desse ponto mais baixo, nas mãos de alguns produtores determinados, está em andamento uma mudança que, com ajuda do INAO (Institut national de l'origine et de la qualité) do governo francês, pode em breve fazer com que a região de Cahors seja sussurrada nos mesmos tons que a Borgonha.

A cidade de Cahors – cuja ponte medieval Valentre, que se estende sobre o rio Lot, é um monumento nacional – foi uma poderosa cidade mercadora, com vinhedos ao redor produzindo vinhos de tanta densidade que eram conhecidos como vins noirs, ou vinhos negros.

Ponte Medieval Valentre

Dessa forma, muitas barricas fizeram o caminho descendo o rio até Bordeaux, onde elas eram misturadas com os vinhos mais leves de Graves e Médoc para serem embarcadas para paladares que os apreciavam na Grã-Bretanha e no norte da Europa. No século XIX, os terraços íngremes que cercavam a cidade estavam todos produzindo os melhores vinhos.

Mas eles foram abandonados por décadas. Enquanto permanecem dentro da AOP, sua única esperança de serem replantados é se a região tiver sucesso em persuadir o INAO a classificar os vinhedos em Grands e Premier Crus, como na Borgonha, baseado em análises de solos aprofundadas. Em 1999, diante das quedas em vendas, foi criada uma Carta de Qualidade que projetava tal classificação. Ela recebeu atenção do INAO, mas estagnou e foi cancelada em 2002, causando um colapso de preços.

Cahors também teve outra forte influência de seu poderoso vizinho, Bordeaux, em sua dramática história. O vinhedo foi criado pelos romanos e, durante a Idade Média, seu prestígio teve expressivo crescimento. O casamento de Eleanor de Aquitânia com Henrique II, rei da Inglaterra, abriu as portas do grande mercado consumidor inglês, antes dominado pelos vinhos de bordaleses.

No entanto, os poderosos produtores e comerciantes de Bordeaux, sentindo-se ameaçados, mobilizaram-se para pressionar Londres e conseguiu arrancar do rei da Inglaterra alguns privilégios exorbitantes, o que resultou num duro golpe para os produtores gascões. Além de sofrerem pesada taxação, os vinhos do Sudoeste só podiam chegar à capital inglesa depois que toda a produção bordalesa estivesse vendida.

Tal regra durou cinco séculos (foi interrompida apenas em três curtos períodos) e o vinho da região sentiu o golpe. Esta conduta só foi abolida em 1776, pelo liberal ministro de finanças de Luís XVI, Jacques Turgot, quando se iniciou um novo ciclo dourado dos fermentados de Cahors.

Jacques Turgot

Apesar da Revolução Francesa e das guerras do Império já no século XIX, 75% do vinho da região era exportado e um terço das terras agriculturáveis eram dedicadas à vinha, que cobria a impressionante área de 40 mil hectares. A região enfrentou bem a praga do oídio (de 1852 a 1860) e a superfície plantada subiu ainda mais, chegando a 58 mil ha. Para se ter uma ideia da queda que viria mais tarde, a área do vinhedo de Cahors hoje é de apenas 4.200 ha.

Mas o território teve pior sorte ao enfrentar a filoxera no final do século XIX. Como se sabe, todos os vinhedos atacados no mundo tiveram de ser replantados, desta vez, de forma enxertada. Então, as vinhas de Malbec reagiram muito mal a esta nova situação, dando origem a fermentados medíocres, com qualidade muito abaixo da que tinha anteriormente. Apenas no final dos anos 1940, depois de muita pesquisa, chegou-se ao clone 587 da Malbec, que teve muito boa adaptação.

Os vinhos de Cahors conheceram uma fama repentina na década de 1970, pois o presidente francês Georges Pompidou, que sucedeu o general Charles de Gaulle em 1968, havia nascido na região. Depois que os vinhos foram classificados como VDQS (vins délimités de qualité supérieur) em 1951, Cahors foi elevada ao status de AOC em 1971 e as garrafas eram vistas em todos os restaurantes da cidade. Por volta dos anos 1980, elas foram substituídas por vinhos de seus grandes rivais do Madiran, do departamento vizinho de Gers, cujos potentes vinhos de Tannat provocaram uma forte impressão.Então, a Malbec, a principal variedade da região (conhecida localmente por Auxerrois) foi descoberta como a estrela dos vinhedos argentinos e Cahors saiu cada vez mais da vista.

Georges Pompidou

As normas dessa denominação determinam que o vinho deve ser composto de, pelo menos, 70% de Malbec, sendo o restante feito com a tânica Tannat e a macia Merlot. A Cabernet Sauvignon e a Cabernet Franc não são permitidas. O vinho é bastante escuro e encorpado, com boa fruta e mais austero e seco do que o Malbec argentino. Dependendo da sub-região, pode ser mais leve e para consumo mais precoce, ou mais estruturado e passível de longa guarda.

Do ponto de vista do clima e do solo (que juntos criam o terroir), a região é extraordinariamente diversa. O clima tem fortes influências Atlântica (Bordeaux), Continental (Borgonha) e Mediterrânea. Os solos aluviais das margens do Lot – que produzem Malbecs leves – dão lugar a vinhas que se elevam acima de 150 metros com pequenos seixos, quartzo, calcário (conhecido como causse), giz e até ferro vermelho, todos os cinco tipos sendo encontrados nos 65 hectares do Château Chambert, por exemplo, e em outros lugares, com vinhedos plantados sob todos os tipos de exposição solar.

Seguindo a sua rejeição em 2002, a região está preparando outra investida no sistema hierárquico dos Crus e a ajuda está agora nas mãos de pessoas como Claude e Lydia Bourguignon, renomados especialistas franceses em análise de solo. Considerados a principal influência na revitalização dos vinhedos da Borgonha para a viticultura industrial dos anos 1970 – Bourguignon teria dito na ocasião que “há mais vida no deserto do Saara do que em alguns vinhedos da Côte d’Or” –, eles abriram um escritório na região e até mesmo plantaram seu próprio pequeno vinhedo em um terraço calcário abandonado. Tal experiência e influência, aliadas à energia de produtores visionários, não deve demorar para produzir o esperado renascimento de Cahors.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase profundo e escuro, com halos em tonalidade granada, provavelmente denotando algo evoluído em virtude dos seus nove anos de garrafa, com lágrimas grossas e espaçadas.

No nariz não traz quase nenhuma nota frutada, por característica do terroir de Cahors, destacando-se a rusticidade, como tabaco, fumo, couro, especiarias, como pimenta e terra molhada.

Na boca é macio, redondo e equilibrado, graças, sobretudo, ao tempo de garrafa, afinal o tempo lhe fez bem. Mas apresenta ainda alguma personalidade, os taninos estão domados, mas se faz presente com discreta adstringência e uma acidez baixa para média. Tem ainda algum amargor e um curioso e discreto toque de chocolate e a fruta, como no aspecto olfativo, não existe, apenas as especiarias replicam. Tem final médio.

Mais um capítulo escrito com êxito em minha história de enófilo e graças a Cahors e seus vinhos especiais e pouco ortodoxos. Não é todo dia, não é habitual, é diferente, tudo isso traz uma indescritível sensação. As reações sensoriais agradecem, as experiências se revelam únicas, singulares. É claro que as percepções são pessoais, cada um se identifica com aquilo que te faz bem, que te traga prazer, óbvio, mas é preciso entender as nuances, as propostas que cada vinho entrega, com o seu terroir, as características marcantes de sua terra e de sua cultura. E são essas nuances que faz do mundo do vinho algo apaixonantes e especial. Um belo vinho, um vinho especial, um vinho de personalidade, mais um vinho de Cahors que ficará marcado. Que venham mais! Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinovalie:

A Vinovalie Les Vignerons foi criada em 2006 e é formada por quatro cooperativas de vinhos dentro da França: Vignerons Rabastens, Cave de Técou (Tarn), Cave de Fronton (Haute-Garonne) e Côtes D’Olt (Lot) e alguns Châteaux como o Les Bouysses.

Cada etapa do processo de criação dos vinhos é baseada na paixão e no know-how complementares dos homens: viticultores, adegas e enólogos.

O consumidor está no centro das áreas de inovação. Cientes do papel a desempenhar, a vinícola está empenhada numa abordagem típica de I&D, desde o trabalho na vinha à distribuição dos vinhos.

Mais informações acesse:

https://www.vinovalie.com/

Referências:

Portal “Enoestilo”: https://www.enoestilo.com.br/cahors-o-berco-malbec-2000-anos-de-historia/ e https://www.enoestilo.com.br/mapas-vinho-dicas-regiao-de-cahors/

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/cahors-outra-terra-da-malbec_439.html

 

 

 

 





 








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