Quando tive o meu primeiro contato, a minha primeira
experiência com os vinhos de Cahors fui tomado por uma espécie de arrebatamento
e me fiz uma promessa: degustaria novamente novos rótulos dessa região, o que,
convenhamos, não é habitual e os poucos vinhos disponíveis, lamentavelmente,
estão, a meu ver, em um valor astronômico de caro.
Mas consegui, em um e-commerce conhecido, encontrar uns
poucos rótulos da região que aliou uma boa relação qualidade X preço e eu
precisava, ansiava, clamava por novos rótulos para desbravar uma região que, de
forma persistente de seus produtores, vem crescendo e resgatando o seu terroir,
privilegiando também a modernidade de seus vinhos.
E encontrei um disponível e dessa vez não foi a Malbec
reinando absoluta, embora percentualmente falando ela se revela predominante.
Assim é Cahors, é sinônimo de Malbec, é a “Côt”, como é chamada naquelas terras
do sudoeste francês.
Sim, Malbec não é de Mendoza, na Argentina! Embora goze de
fama na terra dos hermanos é em Cahors que é o seu berço, a sua origem. E esse
rótulo ela brilha juntamente com a Merlot, que tem a incumbência de trazer
maciez ao vinho, contrabalancear a rusticidade da Malbec.
Outro detalhe extremamente relevante são as diferenças dos
terroirs: Mendoza e Cahors. Enquanto Cahors traz a rusticidade, as especiarias,
a Malbec de Mendoza nos entrega as notas frutadas. Cahors investe em menos
intervenção humana, menos madeira e a mendocina traz aquele famoso termo do
“malbecão”, com madeira e estrutura.
Mas o rótulo de hoje traz um blend bem atípico, mas que me
parece ser em Cahors, até porque o meu primeiro da região trouxe este blend, o Carte de Noire 2013, então vamos seguindo com mais uma experiência com esse
blend e com o mesmo produtor, a gigante Vinovalie.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio de Cahors, sudoeste francês, e se chama Domaine du
Charron composto pelas castas Malbec (70%) e Merlot (30%) da safra 2014. E para
não perder o costume vamos de história, vamos de Cahors e a sua importância
para a Malbec e a sua importância para vitivinicultura mundial.
Cahors, o berço da Malbec
De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na
Argentina e hoje uva símbolo de lá. Mas
ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de
Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome
de Côt. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de
Malbec, uva conhecida na região como “Côt” datam de 92 d.C.
O vinho é frequentemente citado como o mais antigo da Europa
e foi conhecido devido a sua cor intensa como o vinho “negro” de Cahors. Os
vinhos de Cahors desde a idade média são longevos e escuros com forte
personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a
produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.
Na região, a uvas permitidas para vinhos tintos são a Côt
(Malbec), a Tannat, a Cabernet Franc e a Gamay em Coteaux du Quercy. Cahors
permanece com a marca da antiga Côt que se revela em personalidade forte
insistente, arrojada e com expressão mais rústica, compensando em longevidade.
Oferece assim, robustez, estrutura e boa guarda. A uva é
liberada para os cortes de Bordeaux, mas pouco utilizada por lá, hoje em dia. A
região de Cahors fica a cerca de 230 KM de Bordeaux no departamento de Lot, na
região Sud-Est da França fazendo fronteira com o departamento da Dordogne. Há
22 mil hectares classificados como potenciais para a AOP Cahors em um
território de 45 quilômetros de leste a oeste e 25 quilômetros de norte a sul,
abrangendo 45 vilas.
De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na
Argentina e hoje uva símbolo de lá. Mas
ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de
Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome
de “Côt”. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de
Malbec datam de 92 d.C.
A região de Cahors produzia vinhos de tanta densidade que
eram conhecidos como vins noirs, ou
vinhos negros. Os vinhos de Cahors desde a Idade Média são longevos e escuros
com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300
hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.
Há bem poucas denominações ao redor de toda a França que
tenham sofrido uma perda de vinhedos tão extensiva e também de reconhecimento
durante os últimos 100 anos quanto a histórica região de Cahors.
Em 2002, havia apenas 4.500 hectares de vinhas e hoje apenas
3.300 da AOP (Appellation d’Origine Protégée) Cahors, devido em parte à
contínua erradicação dos vinhedos, em parte aos produtores (encorajados pela
dominante Cooperativa Cotes d’Olt Cave) que diversificaram nos rótulos da menos
estrita IGP (Indicação Geográfica Protegida).
Mas, ao menos, a partir desse ponto mais baixo, nas mãos de
alguns produtores determinados, está em andamento uma mudança que, com ajuda do
INAO (Institut national de l'origine et de la qualité) do governo francês, pode
em breve fazer com que a região de Cahors seja sussurrada nos mesmos tons que a
Borgonha.
A cidade de Cahors – cuja ponte medieval Valentre, que se estende sobre o rio Lot, é um monumento nacional – foi uma poderosa cidade mercadora, com vinhedos ao redor produzindo vinhos de tanta densidade que eram conhecidos como vins noirs, ou vinhos negros.
Dessa forma, muitas barricas fizeram o caminho descendo o rio
até Bordeaux, onde elas eram misturadas com os vinhos mais leves de Graves e
Médoc para serem embarcadas para paladares que os apreciavam na Grã-Bretanha e
no norte da Europa. No século XIX, os terraços íngremes que cercavam a cidade
estavam todos produzindo os melhores vinhos.
Mas eles foram abandonados por décadas. Enquanto permanecem
dentro da AOP, sua única esperança de serem replantados é se a região tiver sucesso
em persuadir o INAO a classificar os vinhedos em Grands e Premier Crus, como na
Borgonha, baseado em análises de solos aprofundadas. Em 1999, diante das quedas
em vendas, foi criada uma Carta de Qualidade que projetava tal classificação.
Ela recebeu atenção do INAO, mas estagnou e foi cancelada em 2002, causando um
colapso de preços.
Cahors também teve outra forte influência de seu poderoso
vizinho, Bordeaux, em sua dramática história. O vinhedo foi criado pelos
romanos e, durante a Idade Média, seu prestígio teve expressivo crescimento. O
casamento de Eleanor de Aquitânia com Henrique II, rei da Inglaterra, abriu as
portas do grande mercado consumidor inglês, antes dominado pelos vinhos de
bordaleses.
No entanto, os poderosos produtores e comerciantes de
Bordeaux, sentindo-se ameaçados, mobilizaram-se para pressionar Londres e
conseguiu arrancar do rei da Inglaterra alguns privilégios exorbitantes, o que
resultou num duro golpe para os produtores gascões. Além de sofrerem pesada
taxação, os vinhos do Sudoeste só podiam chegar à capital inglesa depois que
toda a produção bordalesa estivesse vendida.
Tal regra durou cinco séculos (foi interrompida apenas em
três curtos períodos) e o vinho da região sentiu o golpe. Esta conduta só foi
abolida em 1776, pelo liberal ministro de finanças de Luís XVI, Jacques Turgot,
quando se iniciou um novo ciclo dourado dos fermentados de Cahors.
Apesar da Revolução Francesa e das guerras do Império já no século
XIX, 75% do vinho da região era exportado e um terço das terras agriculturáveis
eram dedicadas à vinha, que cobria a impressionante área de 40 mil hectares. A
região enfrentou bem a praga do oídio (de 1852 a 1860) e a superfície plantada
subiu ainda mais, chegando a 58 mil ha. Para se ter uma ideia da queda que
viria mais tarde, a área do vinhedo de Cahors hoje é de apenas 4.200 ha.
Mas o território teve pior sorte ao enfrentar a filoxera no
final do século XIX. Como se sabe, todos os vinhedos atacados no mundo tiveram
de ser replantados, desta vez, de forma enxertada. Então, as vinhas de Malbec
reagiram muito mal a esta nova situação, dando origem a fermentados medíocres,
com qualidade muito abaixo da que tinha anteriormente. Apenas no final dos anos
1940, depois de muita pesquisa, chegou-se ao clone 587 da Malbec, que teve
muito boa adaptação.
Os vinhos de Cahors conheceram uma fama repentina na década
de 1970, pois o presidente francês Georges Pompidou, que sucedeu o general
Charles de Gaulle em 1968, havia nascido na região. Depois que os vinhos foram
classificados como VDQS (vins délimités de qualité supérieur) em 1951, Cahors
foi elevada ao status de AOC em 1971 e as garrafas eram vistas em todos os
restaurantes da cidade. Por volta dos anos 1980, elas foram substituídas por
vinhos de seus grandes rivais do Madiran, do departamento vizinho de Gers,
cujos potentes vinhos de Tannat provocaram uma forte impressão.Então, a Malbec,
a principal variedade da região (conhecida localmente por Auxerrois) foi
descoberta como a estrela dos vinhedos argentinos e Cahors saiu cada vez mais
da vista.
As normas dessa denominação determinam que o vinho deve ser
composto de, pelo menos, 70% de Malbec, sendo o restante feito com a tânica
Tannat e a macia Merlot. A Cabernet Sauvignon e a Cabernet Franc não são
permitidas. O vinho é bastante escuro e encorpado, com boa fruta e mais austero
e seco do que o Malbec argentino. Dependendo da sub-região, pode ser mais leve
e para consumo mais precoce, ou mais estruturado e passível de longa guarda.
Do ponto de vista do clima e do solo (que juntos criam o
terroir), a região é extraordinariamente diversa. O clima tem fortes
influências Atlântica (Bordeaux), Continental (Borgonha) e Mediterrânea. Os
solos aluviais das margens do Lot – que produzem Malbecs leves – dão lugar a
vinhas que se elevam acima de 150 metros com pequenos seixos, quartzo, calcário
(conhecido como causse), giz e até ferro vermelho, todos os cinco tipos sendo
encontrados nos 65 hectares do Château Chambert, por exemplo, e em outros
lugares, com vinhedos plantados sob todos os tipos de exposição solar.
Seguindo a sua rejeição em 2002, a região está preparando
outra investida no sistema hierárquico dos Crus e a ajuda está agora nas mãos
de pessoas como Claude e Lydia Bourguignon, renomados especialistas franceses
em análise de solo. Considerados a principal influência na revitalização dos
vinhedos da Borgonha para a viticultura industrial dos anos 1970 – Bourguignon
teria dito na ocasião que “há mais vida no deserto do Saara do que em alguns
vinhedos da Côte d’Or” –, eles abriram um escritório na região e até mesmo
plantaram seu próprio pequeno vinhedo em um terraço calcário abandonado. Tal
experiência e influência, aliadas à energia de produtores visionários, não deve
demorar para produzir o esperado renascimento de Cahors.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase profundo e
escuro, com halos em tonalidade granada, provavelmente denotando algo evoluído
em virtude dos seus nove anos de garrafa, com lágrimas grossas e espaçadas.
No nariz não traz quase nenhuma nota frutada, por
característica do terroir de Cahors, destacando-se a rusticidade, como tabaco,
fumo, couro, especiarias, como pimenta e terra molhada.
Na boca é macio, redondo e equilibrado, graças, sobretudo, ao
tempo de garrafa, afinal o tempo lhe fez bem. Mas apresenta ainda alguma
personalidade, os taninos estão domados, mas se faz presente com discreta
adstringência e uma acidez baixa para média. Tem ainda algum amargor e um
curioso e discreto toque de chocolate e a fruta, como no aspecto olfativo, não
existe, apenas as especiarias replicam. Tem final médio.
Mais um capítulo escrito com êxito em minha história de
enófilo e graças a Cahors e seus vinhos especiais e pouco ortodoxos. Não é todo
dia, não é habitual, é diferente, tudo isso traz uma indescritível sensação. As
reações sensoriais agradecem, as experiências se revelam únicas, singulares. É
claro que as percepções são pessoais, cada um se identifica com aquilo que te
faz bem, que te traga prazer, óbvio, mas é preciso entender as nuances, as
propostas que cada vinho entrega, com o seu terroir, as características
marcantes de sua terra e de sua cultura. E são essas nuances que faz do mundo
do vinho algo apaixonantes e especial. Um belo vinho, um vinho especial, um
vinho de personalidade, mais um vinho de Cahors que ficará marcado. Que venham
mais! Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Vinovalie:
A Vinovalie Les Vignerons foi criada em 2006 e é formada por
quatro cooperativas de vinhos dentro da França: Vignerons Rabastens, Cave de
Técou (Tarn), Cave de Fronton (Haute-Garonne) e Côtes D’Olt (Lot) e alguns
Châteaux como o Les Bouysses.
Cada etapa do processo de criação dos vinhos é baseada na
paixão e no know-how complementares dos homens: viticultores, adegas e
enólogos.
O consumidor está no centro das áreas de inovação. Cientes do
papel a desempenhar, a vinícola está empenhada numa abordagem típica de
I&D, desde o trabalho na vinha à distribuição dos vinhos.
Mais informações acesse:
Referências:
Portal “Enoestilo”:
https://www.enoestilo.com.br/cahors-o-berco-malbec-2000-anos-de-historia/ e https://www.enoestilo.com.br/mapas-vinho-dicas-regiao-de-cahors/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/cahors-outra-terra-da-malbec_439.html
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