Acho que tenho sido, nos meus últimos textos, neste humilde e
reles blog, um tanto quanto repetitivo, quase que redundante. Mas eu não posso,
na realidade não consigo negligenciar o fato de degustar castas pouco
conhecidas e/ou badaladas, aquelas que não estão na boca, ou melhor, na taça de
todos os bons enófilos.
Regiões especiais, terroirs únicos trazem boas castas, vinhos
de grande tipicidade, são quesitos que nos arrebata, nos entusiasma. Talvez
esses sejam bons argumentos para se falar sempre e sempre sobre isso. Sim essa
é a palavra: Entusiasmo!
E a casta que degustarei hoje não é exatamente uma novidade,
mas ela não é exatamente a síntese do glamour de algumas cepas espalhadas por
aí. Eu já a degustei em um momento de enófila vida, porém já tem algum tempo,
põe tempo nisso.
Mas lembro do quão interessante e pouco exótico foi
degusta-la. Ela veio da Itália, ela veio de um pequeno vilarejo chamado Avola.
Acredito que já tenha dado a resposta da casta, mas talvez não, porque ela
ainda não é tão conhecida por aqui no Brasil.
Por incrível que pareça até mesmo neste pequeno local onde é
oriunda não gozava de tanta popularidade, mas vem ganhando alguma repercussão
por lá e isso está se “alastrando” pelo mundo, reforçando a sua exportação para
alguns países.
Para alguns especialistas em vinhos a Nero d’Avola, a
protagonista de hoje, é considerada como uma alternativa para os vinhos
frutados e estruturados como a Cabernet Sauvignon, por exemplo, e vem se
destacando, ganhando espaço na carta de restaurantes, nos e-commerces e gôndolas de supermercados pelo mundo.
Porém está além de uma mera comparação com a rainha das uvas
tintas, mas uma ótima opção de apelo relevante regional e que vem de um dos
grandes centros da vitivinícola mundial, a Itália.
Sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio da Sícilia, da pequena aldeia de Avola e se chama
Trisole da casta Nero d’Avola e a safra é de 2019. Para não perder o costume
vamos de história! Vamos de Sicília e também de Nero d’Avola.
Sicília
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo.
É um
destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela
exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso
teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.
Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a
elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas
de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de
Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a
Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na Sicilia
no século VIII-VII a.C..
Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área
mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região
macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O
historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de
Siracusa deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais
antigo da Itália.
Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem
do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na
Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.
Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino
(outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito
apreciado por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e
África.
A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda
do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade
de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o
nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de
viticultura e também o processo de passificação das uvas.
No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um
grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com
uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no
resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John
Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de
uma tempestade.
Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo
levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por
lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo
vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor
vitivinícola de grande êxito.
Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também
atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos
vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos vinhedos
e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.
A região possui um clima e um solo que favorecem muito a
viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades
econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas,
montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda
parte, que vão das colinas até a parte costeira.
Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam
inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois
proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também
na parte costeira da ilha.
O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais
costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar
temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África.
Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do
mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os
vinhedos sicilianos necessitam, portanto serem regados.
O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão
das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de
composição calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é
um tipo de rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades
da Sicília se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias
DOC.
As principais castas tintas produzidas na Sicília são:
Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello
Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas
destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria,
Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
Nero d’Avola: “A uva negra de Avola”
A uva tinta Nero d’Avola é a “uva negra da cidade de Avola”,
região italiana localizada na costa sudeste da Sicília, mais precisamente na
Província de Siracusa. Os vinhos aos qual essa variedade de uva dá origem são
encorpados e possuem coloração escura. A Nero d’Avola é utilizada com grande
frequência em blend com as uvas como Cabernet Sauvignon, Syrah, Frappata e
Merlot, garantindo maior complexidade de aromas e paladar aos vinhos.
Porém há quem diga que exista uma incerteza quanto a origem
desta casta, apenas a existe a certeza de que essa tinta é uma uva indígena, ou
seja, autóctone da Itália. Por também ser chamada de Calabrese, alguns
estudiosos acreditam que ela tenha nascido na Calábria, bem na ponta da bota.
Outros defendem que a Nero d’Avola é realmente siciliana.
Além de sua terra natal, essa casta tem sido cultivada com sucesso em outros
países produtores, como os Estados Unidos, a Austrália, a Turquia e a África do
Sul, mas a região de maior expressão dessa casta é, sem dúvidas, na região da
Sicília, província responsável pela produção de premiados e elogiados vinhos
com estilo intenso e frutado, que resguardam o caráter de vinhos tipicamente
italianos.
Na produção siciliana, a uva Nero d’Avola costuma aparecer em
dois estilos vitivinícolas diferentes. No primeiro, os vinhos apresentam
caráter rico e sabores que referenciam café e chocolate, provenientes do
envelhecimento prolongado em barris de carvalho. Já o segundo estilo, mais
elegante, sugere sabores como frutas vermelhas e ervas, uma vez que têm curto
período de envelhecimento.
Conhecida também como uva Calabrese, a fruta apresenta
elevados níveis de taninos e acentuada acidez, acompanhados de aromas intensos
que fazem da casta uma variedade interessante e intrigante. Os vinhos Nero
d’Avola têm teor alcoólico que varia entre 13,5 e 14,5%.
Esse tipo de uva dá origem a vinhos que acompanham muito bem
pratos com o uso de especiarias, como cascas de laranja, folhas de louro e
sálvia. Os exemplares que possuem a Nero d’Avola em sua composição podem
apresentar algumas características semelhantes aos vinhos produzidos com a uva
Syrah, tanto pela tonalidade escura quanto pelo excelente equilíbrio.
E agora finalmente o vinho!
Na taça expressa um lindo e reluzente vermelho rubi com
reflexos violáceos, com lágrimas finas, lentas e em plena profusão que desejam
o bojo do copo.
No nariz explode em aromas de frutas vermelhas bem frescas,
com destaque para amora, cerejas, framboesas e até morango, com rústicas notas
de tabaco, couro e um discreto floral que traz a sensação de frescor.
Na boca é seco, tem médio corpo, mas é macio e saboroso que
preenche a boca, com um bom volume, trazendo também o protagonismo da fruta
vermelha como no aspecto olfativo. O fundo amadeirado se faz presente, mas
muito bem integrado ao conjunto do vinho, com taninos presentes, mas sedosos,
uma acidez gostosa, instigante e um final persistente, longo.
Mesmo que o vinho ganhe contornos globais ele sempre deve
levar consigo a tipicidade de sua terra, o apelo regionalista, o tão propagado
e cultuado terroir. E esse exemplar da Sicília entregue, com fidelidade, de forma
genuína, as características dessa ilha ao sul da Itália. Um vinho versátil, que
traz as notas frutadas, frescas, mas que entrega também a estrutura, a
personalidade. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Cantine Birgi:
A Cantina Sociale Birgi está localizada no coração de um
cenário natural de beleza opressora. Este terreno possui uma tradição
vitivinícola milenar que foi retomada, valorizada, renovada e reapresentada
pela Cooperativa Vitivinícola Birgi, nascida em 1960 pela vontade de produtores
apaixonados pela sua terra e orgulhosos das suas origens.
O ano de 1970 foi importante para Cantine Birgi: vendeu os
primeiros vinhos a granel para consumo direto, sendo que em 1975 a produção da
primeira garrafa, os primeiros vinhos brancos estagiando, pela primeira vez,
nas barricas de carvalho.
Em 1990 novos processos e novas produções fizeram com que
começassem as primeiras fermentações de mostos limpos. Nos primeiros anos do
novo milênio, em 2004, as garantias que as vinícolas Birgi devem oferecer aos
seus clientes aumentaram, os processos de controle de qualidade para todas as
vinhas foram iniciados.
Em 2013, novos horizontes para a fase de produção surgiram,
com o início da viticultura de precisão e novos processos de controlo da
qualidade das vinhas e das uvas. A tecnologia a serviço da vinificação
adentravam na realidade da Cantina Birgi.
Hoje em dia a adega produz diferentes tipos de vinho para ir
ao encontro das necessidades do consumidor: desde vinhos espumantes, a vinhos
tranquilos, aos vinhos de sobremesa e meditação, à produção biológica.
Mais informações acesse:
https://www.cantinebirgi.it/en/marsala-wine/
Referências:
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho
“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/
“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/01/conheca-a-uva-italiana-nero-davola/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/nero-d-avola
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