Como estou a “navegar” pelos mares da novidade no vasto e
ainda inexplorado mundo dos vinhos, resolvi fazê-lo com mais afinco na Espanha.
E quantas regiões temos a desbravar naquele país que conta com uma das mais
proeminentes produções de vinhos do planeta.
E devido a tal condição, não se pode limitar-se a Rioja e
Ribera del Duero, apenas, por mais que essas regiões sejam emblemáticas e
fizeram, claro, por merecer, mas que não nos tira o direito e, diria, a
obrigação de conhecer outras regiões da Espanha.
E uma, em especial, vem descortinando diante dos meus olhos e
enchendo a minha taça, belos e surpreendentes rótulos: falo de Utiel-Requena.
Uma região que, até pouco tempo, não tinha o status de grandiosa, sob o aspecto
mercadológica, pois os vinhos produzidos eram comercializados apenas na região,
atualmente vem ganhando o mercado consumidor brasileiro.
E consigo vem a sua casta “vitrine” que, ao que consta, só é
produzida nesta região: a Bobal. Outra gratíssima “descoberta”, trata-se de
rótulos frutados, que, dependendo de sua vinificação, traz complexidade e
longevidade aos vinhos.
A Bobal é muito cultivada na Espanha, sobretudo em
Utiel-Requena e vem ganhando cada vez mais em apreciação internacional e isso
está fazendo com que mais rótulos com a casta ganhe destaque e visibilidade,
afinal, é mais e mais ofertas de Bobal para aqueles que estão se enamorando,
como eu, pela variedade.
E o exemplar de hoje vem em outro “caráter”, vem no formato
rosé. Claro, nunca havia degustado um Bobal Rosé e, para variar, não consigo
esconder o meu interesse, a minha ansiedade em degustar o rótulo que escolhi.
E esse rótulo, em especial, veio com um excepcional custo, na
faixa dos R$ 35 e, diante de uma novidade para mim a esse valor está mais do
que válido o risco em compra-lo. Ficou, logo após a minha aquisição, um tempo
razoavelmente curto e logo decidi desarrolhá-lo para um deleite à Bobal.
E quando esse momento chegou a expectativa valeu e muito!
Então, sem mais delongas vamos às apresentações do vinho! O vinho que degustei
e gostei veio, como disse, de Utiel-Requena e se chama Enterizo, um 100% Bobal
rosé da safra 2021. E para não perder o costume vamos de história!
Utiel-Requena
Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que
comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região
de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las
Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região.
Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de
vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos.
Utiel-Requena têm sua história também ligada ao período
conhecido como Reconquista: a retomada, a partir do século VIII, do controle
europeu dos territórios da Península Ibérica, dominados pelos árabes (mouros)
desde o século VI. Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem
grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de
fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo.
Em 1238, a região cai sob o domínio do reino de Castela. No
século seguinte, após conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão,
ocorre a união entre a rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos
como os Reis Católicos, e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por
estes (exceto Portugal), constitui-se o Reino da Espanha. Utiel-Requena,
consequentemente, torna-se domínio espanhol.
Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras Carlistas,
que dividem a população espanhola entre os partidários do absolutismo e do
liberalismo; reflexo de outras manifestações do mesmo cunho ocorridas Europa
afora.
Utiel (absolutista) e Requena (liberal), assim como as demais
cidades da região, assumem posições antagônicas, situação somente resolvida com
a conclusão da Primeira Guerra Carlista.
Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território
espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição
entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos
localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel.
A região possui um dos climas mais severos de toda a Espanha.
Os verões costumam ser longos e quentes (máximas por vezes de 40 graus),
enquanto os invernos são muito frios, com ocorrência frequente de geadas e
granizo (mínimas podem chegar a -10 graus).
No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e
oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio
que ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor
escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica.
Utiel-Requena é uma DOP (Denominación de Origen Protegida –
Denominação de Origem Protegida) pertencente à Comunidade Valenciana, a qual
possui certa autonomia em relação ao governo central espanhol. Não possui
sub-regiões.
Tradicionalmente, Utiel-Requena é a terra da Bobal, cepa
tinta autóctone (originária da região) bastante adaptada aos rigores do clima
da região. Ocupa 75% da superfície total dos vinhedos, também sendo bem
adaptada ao calcário típico do seu solo.
São produzidos rosés e tintos, em sua maioria varietais,
desta cepa; os primeiros costumam ser muito aromáticos, remetendo geralmente a
frutas negras e muito fresco no paladar. Os tintos, por sua vez, geralmente são
muito bem estruturados e potentes, com aromas de frutas maduras, especiarias e
notas de couro.
Possuem bom potencial de envelhecimento. Uma curiosidade:
quando da expansão da filoxera pelo continente europeu, as vinhas de Bobal
demonstraram grande resistência à praga, ao contrário da maior parte do vinhedo
do continente, o que permitiu à região manter por algum tempo as plantações sem
a enxertia com a videira americana, e também propiciou um grande aumento das
vendas e exportações de seus vinhos, avidamente procurados por consumidores
“puristas”, em busca de vinhos oriundos de videiras sem a enxertia.
Também se faz presente a cepa Tempranillo, plantada cerca de
10% das vinhas da região. Outras cepas tintas permitidas pela legislação:
Garnacha (Grenache) Tinta, Garnacha Tintorera, Cabernet Sauvignon, Mertlot,
Syrah, Pinot Noir, Petit verdot e Cabernet Franc.
Diante da predominância tinta, naturalmente a participação
das vinhas brancas na composição da denominação é baixa: cerca de 6%. A cepa
mais cultivada é a também autóctone Tardana, de amadurecimento tardio. Produz
vinhos de cor amarela, pálidos com reflexos dourados.
Os aromas geralmente remetem a frutas como abacaxi e maçã.
Frescos e equilibrados no paladar, costumam ser bem estruturados e de boa
persistência na boca. Outras variedades brancas plantadas são: Macabeo,
Merseguera, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Parellada, Verdejo e Moscatel de grano
menudo.
Bobal
As primeiras notícias da Bobal datam do século XIV. Da costa
de Valência, esta uva estabeleceu-se com sucesso em outras regiões do interior
da Espanha. Lugares como Utiel-Requena, Ribera e Manchuela, todas Denominação
de Origem Controlada, tem a Bobal como uma das suas principais variedades,
chegando seu cultivo ser quase que majoritário.
A Bobal é pouco cultivada fora da Espanha, há plantações dela
nas regiões de Languedoc-Roussillon, no sul da França, e da Sardenha, na
Itália. Dentro dessas regiões é também conhecida por requena, espagnol,
benicarlo, provechón, valenciana, carignan d’espagne, balau, requenera,
requeno, valenciana tinta ou bobos. Seu nome é derivado da palavra latina
Bovale, que significa touro, e refere-se à semelhança que os seus cachos têm
com a cabeça de um touro.
É uma uva de porte médio para grande, com bagos redondos e
cheios de sumo; além disso, apresentam quantidade razoável de taninos e sabores
de chocolate e frutos secos. Seus cachos, por sua vez, são muito grandes, bem
compactados e pesados.
Dá-se muito bem com climas mediterrâneos. Elabora diferentes
tipos de vinhos, com especial destaque para os vinhos rosés, sempre jovens, com
muita cor e com boa acidez; a Bobal ainda é responsável pelos aromas frutados
destas bebidas. Os tintos desta uva são pouco alcoólicos, mas muito saborosos e
de coloração cereja escura profunda e boa estrutura de taninos.
Por sua versatilidade e acidez adequada, a Bobal pode ainda
ser ainda utilizada para produzir espumantes. As peles grossas de Bobal têm uma
elevada quantidade de uma substância que dá cor intensa aos vinhos, bem como
presenteia a bebida com uma presença importante de taninos finos, esse é um dos
motivos que tem dado a esta uva um destaque especial na produção espanhola,
principalmente na região de Manchuela, cujo status de Denominação de Origem deu
respaldo ao cultivo da Bobal e aos vinhos elaborados com ela frente ao mercado
interno e externo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça tem um rosado brilhante, com alguma intensidade, com
um cor salmão, com discretas lágrimas finas e rápidas.
No nariz um inusitado aroma de goma de mascar, algo como
balas de morango. Muito frutado, trazia algo de morango, framboesa, frutas
frescas mesmo. Macio, leve, traz uma incrível sensação de frescor.
Na boca é leve, de paladar fresco e agradável, muito
equilibrado, com as notas frutadas protagonizando, como no aspecto olfativo, com
uma acidez equilibrada, correta e um final com alguma persistência com um
retrogosto frutado.
Uma casta autóctone, ainda emergente no mercado, uma região
que também cresce em visibilidade e um rosé que traz todo o caráter que um
vinho desta proposta pode proporcionar: frutado, fresco, leve, que tem tudo a
ver com o clima de nosso país e o melhor: com um excelente valor! Um verdadeiro
achado que vale e muito a pena degustar e sair do óbvio, da temível zona de
conforto. A Bobal definitivamente se apossou de minha adega. Tem 12% de teor
alcoólico.
Sobre a Bodegas Coviñas:
A Bodegas Coviñas, fundada em 1965, é uma união dos
proprietários de terras mais proeminentes da região. Ela foi fundada em
esforços para criar uma destilaria para utilizar a abundância de mosto de suas
vinícolas individuais.
Durante os tempos sombrios do ditador Francisco Franco, a
maior parte da produção de vinhedos veio de cooperativas sindicalizadas que
empregavam milhares de proprietários de terras. Cada viticultor é considerado
um “funcionário” e recebe os benefícios que acompanham a estabilidade.
A Bodegas Coviñas sempre se esforçou para cuidar das pessoas
de UR, pagando caro pela fruta da mais alta qualidade, tornando-se a base sobre
a qual a região sobrevive e um destino desejado de frutas de qualidade pelos
habitantes locais.
Mais informações acesse:
Referências:
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/os-prazeres-da-uva-bobal/
Blog “O Mundo e o Vinho”: http://omundoeovinho.blogspot.com/2015/11/utiel-requena.html
“Center Gourmet”: https://centergourmet.com.br/enterizo-bobal-rosado-utiel-requena-dop-2021/