Tem regiões e países que definitivamente não podemos
negligenciar, não podemos deixar de comprar e degustar. Estive em minhas vitais
incursões em supermercados sem muita expectativa para encontrar nada de
atrativo nos quesitos custo X qualidade, mas que já que estava por perto, fui
conferir. Olhando cada canto das gôndolas avistei um rosé, um pouco escondido,
é verdade, mas estava, mesmo assim com um preço em destaque, um valor para um
rosé no Brasil, interessante. Aproveito aqui para deixar um desabafo, como
enófilo, dos altos e abusivos valores dos vinhos rosés neste país! Vinhos que,
em sua maioria, tem a mesma proposta frutada, leve e com valores descabidos de
um para outro. São vinhos com a cara do Brasil! Frescos, leves e
descompromissados e custar tão caro, demasiadamente alto! Mas não vou entrar,
pelo menos neste momento, em requintes de detalhes e falar do vinho, esse sim
em minucias, do vinho que avistei. Era um vinho da Bairrada! Rótulos que chegam
pouco ao Brasil, a oferta é muito baixa! Vai entender! Uma região tão conhecida
e emblemática de Portugal não chegar por aqui. Então aliei o preço, aceitável,
mas que poderia baixar um pouco mais, com a região e não hesitei em comprar.
Mas o que me deixou com receio foi a safra: 2015. Uma safra
que, para vinhos rosés, é demasiadamente “antigo”, porém assumi o risco, afinal
é a Bairrada! Preferi não demorar muito para desarrolhá-lo. Então sem mais
delongas, o vinho que degustei e gostei (e que vinho surpreendente!) veio, como
disse, da tradicional Bairrada, um rosé (Meu primeiro rosé da região!), e se
chama Bom Caminho com um blend explosivo das castas Baga (60%), Touriga
Nacional (30%) e Cabernet Sauvignon (10%) da safra 2015. Apesar de algumas
novidades que esse vinho trouxe para a minha história de enófilo não é a
primeira vez que degusto um vinho dessa interessante linha de rótulos.
Degustei, sob as mesmas circunstâncias, um maravilhoso espumante chamado Bom Caminho Extra Brut Baga 2013. Mas eu não havia me atentado para o
significado do nome dessa linha de rótulos: “Bom Caminho”. E a resposta estava
mais próxima do que eu esperava: no contra rótulo. E, para não perder o fio da
meada da história, falemos um pouco mais da grande Bairrada.
Bom Caminho!
“Segunda-feira, dia de São Marcos, foi dita missa na
Mealhada; atravessámos Avelãs, vila de cerca de 80 casinhas; Azenha, de 8
casinhas; Aguada de Cima, aldeia de poucas casas...”A 25 de abril de 1594,
Giovanni Battista Confalonieri do Arquivo Secreto do Vaticano, a passagem pela
Bairrada da Peregrinação de D. Fábio Bondi, Patriarca de Jerusálem, de Lisboa a
Santiago de Compostela. Este relato, bastante pormenorizado, é a base da actual
marcação do Caminho Português a Santiago. As Caves são João, estando situadas
no Caminho, prestam tributo a todos os Peregrinos que, repetindo esta viagem,
continuam a passar à nossa porta e, ao criar este vinho, símbolo de tradição,
persistência, vontade e fé que os move, desejar-lhes Bom Caminho!
Texto extraído do
contra rótulo do vinho e que fala sobre a origem de seu nome: “Bom Caminho”.
A Bairrada
A Região da Bairrada situada na Beira Litoral, entre Aveiro e
Coimbra, em pleno centro de Portugal, é uma região plana que se desenvolve ao
longo da faixa marítima, sendo o seu clima tipicamente atlântico, com invernos
amenos e chuvosos e verões suavizados pelos ventos provenientes do mar.
Data do século XIX a transformação da Bairrada numa região
produtora de vinhos de qualidade, apesar de a produção existir desde o século
X. O primeiro resultado prático dos investimentos realizados na altura, para o
melhoramento das técnicas de cultivo e de produção de vinho, foi a criação do vinho
espumante no ano de 1890. A Bairrada foi uma das primeiras regiões de Portugal
a produzir vinhos espumantes e é, ainda hoje, considerada como a região mais
importante do país, no que concerne à produção deste tipo de vinho. O clima
fresco e húmido e os solos argilo-calcários e arenosos, favorecem a sua
elaboração, proporcionando uvas de elevada acidez e baixa graduação alcoólica,
resultando em vinhos frescos, aromáticos e com excelente paladar. A Região da
Bairrada é também rica na produção de vinhos brancos e tintos, elaborados a
partir de castas tradicionais e internacionais. A casta dominante na região é a
Baga, normalmente plantada em solos argilosos que corresponde a pelo menos 50%
das uvas plantadas na região; uma variedade tinta cujos taninos são muito ricos
e presentes, carregados de cor, sendo equilibrados e que gozam de uma
longevidade elevada. Quanto às brancas, a que mais se destaca é a Fernão Pires,
que lá recebe o nome de Maria Gomes, cujos vinhos são aromáticos e florais. Segundos
especialistas, as tintas de maior importância para a região são a Baga, Touriga
Nacional, Castelão e Aragonez. Já pelas brancas, as representantes de maior
potencial são a Maria Gomes, Bical, Arinto e Rabo de Ovelha. Além dessas, a
região recentemente foi liberada para cultivar junto com as castas portuguesas,
castas estrangeiras, como a Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot e Pinot Noir.
Tudo isso para incrementar a exportação dos vinhos portugueses, para torna-los
competitivos no mercado. Por fim, não há como falar da Bairrada sem falar da
produção de espumantes, afinal ela é a região mais antiga e importante de
Portugal na elaboração deste tipo de vinho – os espumantes são produzidos lá
desde 1890, e pelo método clássico, que dão muito mais sofisticação e fineza
aos vinhos.
Nas últimas décadas este processo de reestruturação chegou a
fronteiras cada vez mais distantes. O emprego agrícola não resistiu às novas atrações
urbanas, a indústria exigiu maiores centralidades e os serviços prosseguem
ainda num crescimento que está para lá do nosso horizonte atual. Daí a
possibilidade de lançar olhares em múltiplas direções e das visões se
entrecruzarem, umas vezes parecendo dar respostas, outras apenas interrogando.
A Bairrada é ainda um palco privilegiado das transformações que têm ocorrido em
Portugal. Resume a mesma vitalidade social, idênticas potencialidades naturais,
uma vocação comum para descobrir e sonhar, tudo em tamanho pequeno. No entanto
só alguns conseguem penetrar nos seus segredos e desfrutar de todo o seu
encantamento.
E finalmente falemos do vinho!
Na taça apresenta um curioso salmão tipo cor de cebola, mais
intenso, fechado, talvez por conta do tempo de safra, com quase 6 anos de vida,
mas também pela predominância da casta Baga. Foi perceptível, na primeira taça,
um gaseificado, mostrando que ainda está vivo, o famoso frisante, além de uma
quantidade inusitada de lágrimas, mostrando a influência do blend com castas de
natureza encorpada, como, a Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e a própria
Baga.
No nariz já não tem aquela profusão de frutas vermelhas, típicas
em vinhos rosés, devido ao tempo de safra, mas se nota ainda as frutas
vermelhas como groselha, cereja. Sente-se também um aroma de algo adocicado,
algo que não consegui identificar, mas adocicado. O frescor ainda é percebido.
Na boca se reproduz as impressões olfativas quanto às frutas
vermelhas e as notas adocicadas. Mostra personalidade, certo corpo e estrutura,
mas muito equilibrado com ainda uma leveza, um frescor, apesar da baixa acidez.
A sua estrutura se deve, sem sombra de dúvida, as castas que compõe o blend,
tendo um final marcante e persistente.
Parece que o tempo só fez bem a esse belíssimo rosé, ele
ainda tem o frescor e apesar dos seus 6 anos de vida, mostrou, além da leveza
típica de um vinho rosé, vigor, personalidade, algum corpo para um rosé,
afinal, as castas que o compõe são, por natureza, encorpadas e que acredito ter
garantido um pouco da sua longevidade acima do normal. E sim, é um vinho de
corpo leve a médio, e é deveras marcante em todas as sua etapas sensoriais. A
Bairrada, mais uma vez, me trouxe, além das novidades, as gratas surpresas. Que
rosé maravilhoso, como há muito tempo não degustava. Por mais rosé, por mais
Bairrada, por mais Portugal! Tem 12% de teor alcoólico.
Sobre a Caves São João:
Fundadas em 1920 pelos irmãos José, Manuel e Albano Costa, as
Caves São João são uma empresa familiar que, a princípio, se dedicava à
comercialização de vinhos finos do Douro e licores. É hoje a empresa familiar
mais antiga ainda em atividade no concelho de Anadia. Nos anos 30, com a interdição
da elaboração dos vinhos do Porto fora de Vila Nova de Gaia, a Empresa começa a
comercializar vinhos de mesa da Bairrada. Nessa altura, inicia também a
produção de espumantes naturais, pelo método “champanhês”, sendo de destacar,
nesta fase, o importante papel do enólogo francês Gaston Mennesson. Dá início à
exportação de vinhos para o mercado brasileiro e, pouco tempo depois, para as
colónias portuguesas em África. No final da década de 50 nasce uma das mais
célebres marcas de vinhos da região da Bairrada – o “Frei João” – e, um pouco
mais tarde, uma marca da região demarcada do Dão, o “Porta dos Cavaleiros”. Com
a designação “Reserva”, iniciada pelas Caves São João, esta inova no mercado
dos vinhos, utilizando rótulos de papel revestidos a cortiça natural. As Caves
São João adquirem a Quinta do Poço do Lobo, propriedade rústica com cerca de 37
hectares, situada na pequena localidade de Pocariça no concelho de Cantanhede.
A Quinta foi, então, totalmente replantada com castas selecionadas e rigorosamente
parceladas. Com as uvas ali colhidas, a empresa iniciou a produção do vinho
“Quinta do Poço do Lobo - Bairrada”, um Bairrada Tinto com uvas das castas
Baga, Moreto e Castelão; o “Quinta do Poço do Lobo - Cabernet Sauvignon”, um
vinho varietal com a casta de maior prestígio em todo o mundo; um vinho branco
elaborado com a casta Arinto e o “Espumante Quinta do Poço do Lobo”, um
espumante com uvas das castas Arinto e Chardonnay. Hoje em dia, e depois de
alguns investimentos na área da vinificação e controlo de qualidade, as Caves
São João encontram-se preparadas para fazer face aos futuros desafios a nível
da produção, sempre com a preocupação de acompanhar a evolução dos mercados e
os gostos de consumidores cada vez mais exigentes e atentos.
Mais informações acesse:
https://www.cavessaojoao.com/index.html
Referências de pesquisa:
“Portugal by by Wine”: https://www.portugalbywine.com/pt/regioes/info/bairrada_30/
“Comissão Vitivinícola da Bairrada”: http://www.cvbairrada.pt/pt/conteudos/conteudos/scripts/core.htm?p=conteudos&f=conteudos&lang=pt&idcont=108
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/regiao-vinicola-da-bairrada/#:~:text=o%20solo%20arenoso.-,Hist%C3%B3ria,a%20partir%20do%20s%C3%A9culo%20X.