sábado, 2 de janeiro de 2021

Bom Caminho Rosé 2015

Tem regiões e países que definitivamente não podemos negligenciar, não podemos deixar de comprar e degustar. Estive em minhas vitais incursões em supermercados sem muita expectativa para encontrar nada de atrativo nos quesitos custo X qualidade, mas que já que estava por perto, fui conferir. Olhando cada canto das gôndolas avistei um rosé, um pouco escondido, é verdade, mas estava, mesmo assim com um preço em destaque, um valor para um rosé no Brasil, interessante. Aproveito aqui para deixar um desabafo, como enófilo, dos altos e abusivos valores dos vinhos rosés neste país! Vinhos que, em sua maioria, tem a mesma proposta frutada, leve e com valores descabidos de um para outro. São vinhos com a cara do Brasil! Frescos, leves e descompromissados e custar tão caro, demasiadamente alto! Mas não vou entrar, pelo menos neste momento, em requintes de detalhes e falar do vinho, esse sim em minucias, do vinho que avistei. Era um vinho da Bairrada! Rótulos que chegam pouco ao Brasil, a oferta é muito baixa! Vai entender! Uma região tão conhecida e emblemática de Portugal não chegar por aqui. Então aliei o preço, aceitável, mas que poderia baixar um pouco mais, com a região e não hesitei em comprar.

Mas o que me deixou com receio foi a safra: 2015. Uma safra que, para vinhos rosés, é demasiadamente “antigo”, porém assumi o risco, afinal é a Bairrada! Preferi não demorar muito para desarrolhá-lo. Então sem mais delongas, o vinho que degustei e gostei (e que vinho surpreendente!) veio, como disse, da tradicional Bairrada, um rosé (Meu primeiro rosé da região!), e se chama Bom Caminho com um blend explosivo das castas Baga (60%), Touriga Nacional (30%) e Cabernet Sauvignon (10%) da safra 2015. Apesar de algumas novidades que esse vinho trouxe para a minha história de enófilo não é a primeira vez que degusto um vinho dessa interessante linha de rótulos. Degustei, sob as mesmas circunstâncias, um maravilhoso espumante chamado Bom Caminho Extra Brut Baga 2013. Mas eu não havia me atentado para o significado do nome dessa linha de rótulos: “Bom Caminho”. E a resposta estava mais próxima do que eu esperava: no contra rótulo. E, para não perder o fio da meada da história, falemos um pouco mais da grande Bairrada.

Bom Caminho!

“Segunda-feira, dia de São Marcos, foi dita missa na Mealhada; atravessámos Avelãs, vila de cerca de 80 casinhas; Azenha, de 8 casinhas; Aguada de Cima, aldeia de poucas casas...”A 25 de abril de 1594, Giovanni Battista Confalonieri do Arquivo Secreto do Vaticano, a passagem pela Bairrada da Peregrinação de D. Fábio Bondi, Patriarca de Jerusálem, de Lisboa a Santiago de Compostela. Este relato, bastante pormenorizado, é a base da actual marcação do Caminho Português a Santiago. As Caves são João, estando situadas no Caminho, prestam tributo a todos os Peregrinos que, repetindo esta viagem, continuam a passar à nossa porta e, ao criar este vinho, símbolo de tradição, persistência, vontade e fé que os move, desejar-lhes Bom Caminho!

Texto extraído do contra rótulo do vinho e que fala sobre a origem de seu nome: “Bom Caminho”.

A Bairrada

A Região da Bairrada situada na Beira Litoral, entre Aveiro e Coimbra, em pleno centro de Portugal, é uma região plana que se desenvolve ao longo da faixa marítima, sendo o seu clima tipicamente atlântico, com invernos amenos e chuvosos e verões suavizados pelos ventos provenientes do mar.

Bairrada

Data do século XIX a transformação da Bairrada numa região produtora de vinhos de qualidade, apesar de a produção existir desde o século X. O primeiro resultado prático dos investimentos realizados na altura, para o melhoramento das técnicas de cultivo e de produção de vinho, foi a criação do vinho espumante no ano de 1890. A Bairrada foi uma das primeiras regiões de Portugal a produzir vinhos espumantes e é, ainda hoje, considerada como a região mais importante do país, no que concerne à produção deste tipo de vinho. O clima fresco e húmido e os solos argilo-calcários e arenosos, favorecem a sua elaboração, proporcionando uvas de elevada acidez e baixa graduação alcoólica, resultando em vinhos frescos, aromáticos e com excelente paladar. A Região da Bairrada é também rica na produção de vinhos brancos e tintos, elaborados a partir de castas tradicionais e internacionais. A casta dominante na região é a Baga, normalmente plantada em solos argilosos que corresponde a pelo menos 50% das uvas plantadas na região; uma variedade tinta cujos taninos são muito ricos e presentes, carregados de cor, sendo equilibrados e que gozam de uma longevidade elevada. Quanto às brancas, a que mais se destaca é a Fernão Pires, que lá recebe o nome de Maria Gomes, cujos vinhos são aromáticos e florais. Segundos especialistas, as tintas de maior importância para a região são a Baga, Touriga Nacional, Castelão e Aragonez. Já pelas brancas, as representantes de maior potencial são a Maria Gomes, Bical, Arinto e Rabo de Ovelha. Além dessas, a região recentemente foi liberada para cultivar junto com as castas portuguesas, castas estrangeiras, como a Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot e Pinot Noir. Tudo isso para incrementar a exportação dos vinhos portugueses, para torna-los competitivos no mercado. Por fim, não há como falar da Bairrada sem falar da produção de espumantes, afinal ela é a região mais antiga e importante de Portugal na elaboração deste tipo de vinho – os espumantes são produzidos lá desde 1890, e pelo método clássico, que dão muito mais sofisticação e fineza aos vinhos.

Rota vitícola da Bairrada

Nas últimas décadas este processo de reestruturação chegou a fronteiras cada vez mais distantes. O emprego agrícola não resistiu às novas atrações urbanas, a indústria exigiu maiores centralidades e os serviços prosseguem ainda num crescimento que está para lá do nosso horizonte atual. Daí a possibilidade de lançar olhares em múltiplas direções e das visões se entrecruzarem, umas vezes parecendo dar respostas, outras apenas interrogando. A Bairrada é ainda um palco privilegiado das transformações que têm ocorrido em Portugal. Resume a mesma vitalidade social, idênticas potencialidades naturais, uma vocação comum para descobrir e sonhar, tudo em tamanho pequeno. No entanto só alguns conseguem penetrar nos seus segredos e desfrutar de todo o seu encantamento.

E finalmente falemos do vinho!

Na taça apresenta um curioso salmão tipo cor de cebola, mais intenso, fechado, talvez por conta do tempo de safra, com quase 6 anos de vida, mas também pela predominância da casta Baga. Foi perceptível, na primeira taça, um gaseificado, mostrando que ainda está vivo, o famoso frisante, além de uma quantidade inusitada de lágrimas, mostrando a influência do blend com castas de natureza encorpada, como, a Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e a própria Baga.

No nariz já não tem aquela profusão de frutas vermelhas, típicas em vinhos rosés, devido ao tempo de safra, mas se nota ainda as frutas vermelhas como groselha, cereja. Sente-se também um aroma de algo adocicado, algo que não consegui identificar, mas adocicado. O frescor ainda é percebido.

Na boca se reproduz as impressões olfativas quanto às frutas vermelhas e as notas adocicadas. Mostra personalidade, certo corpo e estrutura, mas muito equilibrado com ainda uma leveza, um frescor, apesar da baixa acidez. A sua estrutura se deve, sem sombra de dúvida, as castas que compõe o blend, tendo um final marcante e persistente.

Parece que o tempo só fez bem a esse belíssimo rosé, ele ainda tem o frescor e apesar dos seus 6 anos de vida, mostrou, além da leveza típica de um vinho rosé, vigor, personalidade, algum corpo para um rosé, afinal, as castas que o compõe são, por natureza, encorpadas e que acredito ter garantido um pouco da sua longevidade acima do normal. E sim, é um vinho de corpo leve a médio, e é deveras marcante em todas as sua etapas sensoriais. A Bairrada, mais uma vez, me trouxe, além das novidades, as gratas surpresas. Que rosé maravilhoso, como há muito tempo não degustava. Por mais rosé, por mais Bairrada, por mais Portugal! Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Caves São João:

Fundadas em 1920 pelos irmãos José, Manuel e Albano Costa, as Caves São João são uma empresa familiar que, a princípio, se dedicava à comercialização de vinhos finos do Douro e licores. É hoje a empresa familiar mais antiga ainda em atividade no concelho de Anadia. Nos anos 30, com a interdição da elaboração dos vinhos do Porto fora de Vila Nova de Gaia, a Empresa começa a comercializar vinhos de mesa da Bairrada. Nessa altura, inicia também a produção de espumantes naturais, pelo método “champanhês”, sendo de destacar, nesta fase, o importante papel do enólogo francês Gaston Mennesson. Dá início à exportação de vinhos para o mercado brasileiro e, pouco tempo depois, para as colónias portuguesas em África. No final da década de 50 nasce uma das mais célebres marcas de vinhos da região da Bairrada – o “Frei João” – e, um pouco mais tarde, uma marca da região demarcada do Dão, o “Porta dos Cavaleiros”. Com a designação “Reserva”, iniciada pelas Caves São João, esta inova no mercado dos vinhos, utilizando rótulos de papel revestidos a cortiça natural. As Caves São João adquirem a Quinta do Poço do Lobo, propriedade rústica com cerca de 37 hectares, situada na pequena localidade de Pocariça no concelho de Cantanhede. A Quinta foi, então, totalmente replantada com castas selecionadas e rigorosamente parceladas. Com as uvas ali colhidas, a empresa iniciou a produção do vinho “Quinta do Poço do Lobo - Bairrada”, um Bairrada Tinto com uvas das castas Baga, Moreto e Castelão; o “Quinta do Poço do Lobo - Cabernet Sauvignon”, um vinho varietal com a casta de maior prestígio em todo o mundo; um vinho branco elaborado com a casta Arinto e o “Espumante Quinta do Poço do Lobo”, um espumante com uvas das castas Arinto e Chardonnay. Hoje em dia, e depois de alguns investimentos na área da vinificação e controlo de qualidade, as Caves São João encontram-se preparadas para fazer face aos futuros desafios a nível da produção, sempre com a preocupação de acompanhar a evolução dos mercados e os gostos de consumidores cada vez mais exigentes e atentos.


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