domingo, 7 de março de 2021

Terra Boa tinto 2018

Definitivamente Portugal é um celeiro de grandes vinhos! Um universo inexplorado de propostas, das mais diversas, de vários e vários rótulos e que personifica o universo do vinho, gigante e muito ainda a ser desbravado. E em virtude de tudo isso, tenho, claro, como um cavaleiro errante, a andar, a garimpar, por intermédio dos vinhos que enchem generosamente as minhas taças, vários rótulos lusitanos, dando prioridade as regiões desconhecidas para mim, blends inusitados, rótulos especiais, castas pouco populares etc. Enfim, novas percepções, novas experiências para diversificar o nosso leque sensorial.

E já que falei de Portugal, um país, geograficamente, tão pequeno, mas tão gigantesco em terroirs tão singulares, não posso deixar de falar de uma região, em especial que descobri, quase que uma forma despretensiosa, que são as Terras da Beira. O nome pode não soar muito familiar a alguns enófilos brasileiros, haja vista que, diante dos badalados Alentejo, Douro e Porto, por exemplo, Beiras se resume a condição de coadjuvante, em termos comerciais, mas só sob o aspecto comercial. Trata-se de uma região especial, peculiar e com vinhos muito bons. Claro que, com os poucos rótulos que degustei, uma afirmação de sua qualidade, de forma tão veemente, pode parecer leviano, mas, os poucos que degustei, me arrebatou por inteiro!

Quando falei que os descobri despretensiosamente, foi em uma das minhas visitas as redes sociais e vi um especialista e crítico de vinhos muito conhecido, de nome Didu Russo, que, em sua página na referida rede social, publicou um vinho, da Adega Cooperativa de Pinhel chamado D. João I, um branco da sub-região de Pinhel. Ele disse, eufórico, que o vinho ficou em segundo lugar em uma degustação às cegas com vários outros rótulos brancos portugueses, inclusive à frente de muitos vinhos caros! Claro que a curiosidade prevaleceu e o comprei! De fato, um vinho surpreendente! E depois desse, sempre quando vejo um vinho das Terras da Beira, não hesito em comprar.

A minha última aquisição dessas terras, veio de um produtor gigante, em todos os sentidos e que atua em todo o Portugal, a Bacalhôa, e seu vinho vem do alto, literalmente do alto, os chamados “vinhos de altitude” e se chama Terra Boa, composto pelas castas Tinta Roriz, Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon, da safra 2018. E sem mais delongas, falemos um pouco dos “vinhos de altitude” e da minha nova queridinha: Terras da Beira.

Vinhos que vem do alto: “Vinhos de altitude”:

A dificuldade mais comum é apontar uma cota a partir da qual estamos em presença de um vinho de altitude. Bastará uma colina ou apenas poderão ser consideradas aqueles cujas cepas se encontram a mais de 2000 ou 3000 metros de altitude, tal como as que existem em Colomé na zona de Salta, Argentina ou no Monte Etna na Sicília?

Ao longo dos anos, os enólogos que produziam vinhos em regiões mais altas apercebeu-se que tinham sido confrontadas com condições muito particulares de luz (maior intensidade e radiação ultravioleta), temperatura (grandes amplitudes térmicas), ar (menor percentagem de oxigénio e de dióxido de carbono) e de maturação (níveis mais elevados de taninos e antocianos). Essas diferenças, conjugadas com as caraterísticas geológicas, originariam vinhos mais frescos e com uma acidez mais elevada.

A temática revestiu-se de tanto interesse que no início do milénio foi organizado, na Califórnia, o primeiro simpósio internacional dedicado ao tema da viticultura em altitude. Neste evento, o climatologista, Greg Jones, explicou a diferença entre relevo relativo (as diferenças de altitude num ponto baixo e num ponto alto de uma colina) e relevo absoluto (diferença de altitude desde o nível das aguas do mar). Para Jones, o relevo relativo tem influência real sobre o clima e condições meteorológicas, assim para as vinhas também terá. No entanto, os encepamentos que se encontram a uma maior altitude, quando comparadas com outras ao nível do mar, apresentam diferenças significativas no clima e nas condições meteorológicas.

As Terras da Beira

No interior da região atualmente delimitada com a designação Terras da Beira está inserida a DO (Denominação de Origem) Beira Interior e estas áreas faziam parte de uma região vitivinícola bastante extensa, então designada como IG (Indicação Geográfica) Beiras. Foi a sede do povo Lusitano, onde o seu rei Viriato foi assassinado em 139 a. C. pelos Romanos que depois tomaram posse desta terra. Cerca de 600 anos depois, surgiram os Visigodos, últimos dois povos com grande ligação à viticultura. Os monges de Cister, a partir do séc. XII revitalizaram a viticultura após a Reconquista. Os árabes muçulmanos dedicaramse menos a esta cultura. Situada no coração do interior Norte, perto da fronteira com Espanha, na região mais escarpada e montanhosa de Portugal Continental, abarca no seu interior a Serra da Marofa, a Serra da Gardunha e parte da Serra da Estrela.

Terras da Beira

No que diz respeito à DO Beira Interior, as suas subregiões são: Castelo Rodrigo, Pinhel e Cova da Beira, que sempre se notabilizaram por vinhos de elevado valor enológico, expresso num aroma mais rico e distinto das outras regiões. A elevada altitude das vinhas, acima de 400 até 700 m, num total de 16.000 hectares, lembra a situação do país vizinho com as grandes regiões vitivinícolas de Castela. Noites frescas no Verão, e mesmo frias na fase da vindima e da fermentação, já antes da introdução das novas tecnologias de fermentação controlada permitiam a produção de vinhos maduros frescos e aromáticos. O vinho rosado, na época das grandes exportações deste tipo de vinho, em meados do séc. XX, especialmente para os EUA e o norte de Europa, sempre foi considerado o melhor e trouxe alguma prosperidade a esta região.

Os verões são curtos, mas muito quentes e secos, os invernos prolongados e gélidos. Os solos são maioritariamente graníticos, com alguma presença de xistos e, embora menos comum, alguma componente arenosa. As três subregiões partilham sensivelmente as mesmas especificidades materiais, apesar de se encontrarem separadas por cadeias montanhosas com picos de mais de mil metros de altitude, onde a combinação de solos pobres, acidez elevada e maturações robustas garante um futuro promissor para toda a região. A Cova da Beira apresenta características divergentes e alternativas, espraiandose desde os contrafortes orientais da Serra da Estrela até ao vale do Tejo, a sul de Castelo Branco. As adegas cooperativas produzem grande parte do vinho da região, apesar de, cada vez mais, surgirem no mercado vinhos de pequenos e médios produtores.

E agora finalmente o vinho!

Na taça um lindo vermelho rubi com reflexos violeta e muito brilhante dando-lhe vivacidade, com uma boa concentração de lágrimas finas e de certa persistência.

No nariz traz uma explosão aromática de frutas vermelhas como groselha, cereja, framboesa, com um toque floral, lembrando flores vermelhas, trazendo a impressão de frescor e leveza.

Na boca é seco, ainda jovem, expressando todas as sua notas frutadas como percebida no aspecto olfativo, além de fresco, macio, mas com a personalidade que as castas que compõe o blend é capaz de entregar. Tem taninos macios e delicados, acidez correta e muito versátil e equilibrado.

O nome faz jus ao vinho! A terra definitivamente é boa! Tudo nesse básico, mas especial vinho, é soberbo! Versátil te entrega um vinho frutado, saboroso, aromático, floral, flores vermelhas, mas com a personalidade que vem do alto, das vinhas velhas, amansadas pelo tempo, bem marcante, mas tudo em um contexto harmônico e muito equilibrado, com um excelente potencial gastronômico, pode ser harmonizado com simples refeições ou pratos mais complexos e condimentados. A pseudo condição de coadjuvante na região, revela um vinho especial, básico sim, mas que entrega além do que valeu, além de sua proposta. Que venham mais vinhos da emblemática Terras da Beira! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Quinta da Bacalhôa:

Bacalhôa Vinhos de Portugal foi  fundada em 1922, sob a denominação João Pires & Filhos, daí o nome do vinho “JP Azeitão”. Em 1998 o controle da empresa foi comprado por José Berardo, que adquiriu novas propriedades e celebrou um acordo de parceria com o grupo Lafitte Rothschild. No ano de 2008 o grupo Lafitte Rothschild adquiriu uma participação na empresa, que adquiriu mais propriedades e uma participação maioritária na vinícola Aliança. Sua sede está localizada na histórica. O Comendador José Berardo, sendo o principal acionista, prosseguiu com a missão da empresa, investindo no plantio de novas vinhas, na modernização das adegas e na aquisição de novas propriedades, junto com a imprescindível parceria com o Grupo Lafitte Rothschild na Quinta do Carmo. Em 2007 a Bacalhôa tornou-se a maior acionista na Aliança, um dos produtores mais prestigiados nas categorias de espumantes de alta qualidade, aguardentes e vinhos de mesa. No ano seguinte, a empresa comprou a Quinta do Carmo, aumentando assim para 1200ha de vinhas a sua exploração agrícola. A Bacalhôa dispõe de adegas nas regiões mais importantes de Portugal: Alentejo, Península de Setúbal (Azeitão), Lisboa, Bairrada, Dão e Douro. O projeto implementado nas diversas quintas sob o tema “Arte, Vinho, Paixão” visa surpreender as expectativas mais exigentes. Das vinhas ao vinho, todo o processo vitivinícola é envolvido em vários cenários que incluem a tradição e modernidade, com exposições artísticas diversas, da pintura à escultura, nunca esquecendo as magníficas obras naturais. Com uma capacidade total de 20 milhões de litros, 15.000 barricas de carvalho e uma área de vinhas em produção de cerca de 1.200 hectares, a Bacalhôa Vinhos de Portugal prossegue a sua aposta na inovação no sector, tendo em vista a criação de vinhos que proporcionem experiências únicas e surpreendentes, com uma elevada qualidade e consistência. A Bacalhôa Vinhos de Portugal, S.A., uma das maiores e mais inovadoras empresas vinícolas em Portugal, desenvolveu ao longo dos anos uma vasta gama de vinhos que lhe granjeou uma sólida reputação e a preferência de consumidores nacionais e internacionais. Presente em 7 regiões vitícolas portuguesas, com um total de 1200ha de vinhas, 40 quintas, 40 castas diferentes e 4 centros vínicos (adegas), a empresa distingue-se no mercado pela sua dimensão e pela autonomia em 70% na produção própria. A cada uma das entidades que constituem a Bacalhôa Vinhos de Portugal, S.A. - Aliança Vinhos de Portugal, Quinta do Carmo e Quinta dos Loridos - corresponde um centro de produção com características próprias e um património com intrínseco valor cultural. É à dinâmica gerada pelo cruzamento destas várias identidades, explorada com recurso à tecnologia mais atual e aos conhecimentos de uma equipa de renome, que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, S.A. deve a sua capacidade única no competitivo mercado português de oferecer o vinho perfeito para qualquer ocasião.

Mais informações acesse:

https://www.bacalhoa.pt/

Referências para pesquisa:

“Wine to Wine Circle”: https://www.vinetowinecircle.com/regioes/terras-da-beira/#:~:text=Regi%C3%A3o%20vitivin%C3%ADcola%3A%20TERRAS%20DA%20BEIRA&text=Foi%20a%20sede%20do%20povo,foi%20assassinado%20em%20139%20a.&text=Cerca%20de%20600%20anos%20depois,a%20viticultura%20ap%C3%B3s%20a%20Reconquista

 




 

Monte da Ribeira branco 2018

 

Dizem que o mais importante é degustar o vinho! Essa não é nenhuma novidade, a razão de ser do vinho é degusta-lo! Mas atualmente, com alguma modesta bagagem, neste universo vasto e logo inexplorado, de que existe uma espécie de “pré degustação”, um deleite digno aos enófilos, modéstia à parte, que vislumbra uma leitura dos rótulos, de uma visitação ao portal do produtor para conhecer o vinho, ter todas as nuances do vinho e se identificar com cada característica que ele possa te oferecer, das experiências sensoriais à ficha técnica com a região, teor alcoólico, se passou ou não por barricas de carvalho, nada, penso eu, deve passar pelo olhar clínico de um dedicado e bom enófilo.

E pensando nisso eu não posso deixar de falar, não posso negligenciar sobre os vinhos da região de Setúbal, em Portugal. Bem sei, é verdade, que os descobri tardiamente, mas, como diz aquele velho dito popular: antes tarde do que nunca! Uma região emblemática, tradicional e que, a cada experiência, a cada degustação, me surpreendente de uma maneira quase que arrebatadora, como se fora um fenômeno da natureza e não deixa de ser.

Hoje, tornou-se ponto determinante de escolha, de decisão de escolha, optar pela compra quando vem estampado em letras garrafais: “Vinho da Península de Setúbal”! Claro que não podemos generalizar e, em um momento demasiadamente emocional, apaixonado, comprar todos os vinhos de Setúbal achando que seja excepcional, temos que apurar sob todos os aspectos. Mas Setúbal virou um caso de amor, a emoção não pode se esvair totalmente, temos de coloca-la como peso na decisão de escolha.

E, para não perder o costume, um vinho que degustei e gostei veio, é claro, da Península de Setúbal, e é de um tradicional produtor que, com mais de dois séculos de existência, tem o seu nome gravado nos anais da vitivinicultura lusitana, a José Maria da Fonseca, e o vinho se chama Monte da Ribeira, um corte, bem interessante das castas Fernão Pires e Moscato Giallo, da safra 2018. E, para não perder o fio da meada, vamos de história, afinal, vinho e cultura, harmonizam maravilhosamente. Falemos de Setúbal.

Península de Setúbal

A história vitivinícola da região da Península de Setúbal perde-se no tempo. Na região foram plantadas as primeiras vinhas da Península Ibérica, em cerca de 2.000 a.C., dando início a uma tradição que foi renovada em 1907, com a demarcação da Região do Moscatel de Setúbal, e que sobrevive até hoje, sendo a segunda mais antiga região demarcada de Portugal. De Setúbal saem alguns dos melhores vinhos portugueses, cuja qualidade se firmou a partir de uma biodiversidade riquíssima. Nenhuma outra região de Portugal tem tantas diferenças geográficas, com a existência de planícies, serras e encostas, além dos Rios Sado e Tejo e a proximidade com o Oceano Atlântico. Extensa em território e com clima mediterrânico – tempo quente e seco no verão e relativamente frio e chuvoso no inverno –, a Península de Setúbal é uma região que permite a obtenção de vinhos carismáticos, com personalidade forte e traços de caráter únicos, com uma singular relação entre qualidade e preço. A presença de vinhas em terras planas compostas por solos de areia perfeitamente adaptados à produção de uvas de qualidade, bem como de um relevo mais acentuado, com vinhas plantadas em solo argilo-calcários, protegidos do Oceano Atlântico pela Serra da Arrábida, resulta numa produção de vinhos reconhecida nacional e internacionalmente.

Setúbal

As designações de Denominação de Origem (DO) e Indicação Geográfica (IG)

As designações de Denominação de Origem (D.O.) e Indicação Geográfica (I.G) indicam os vinhos de acordo com a sua origem, características e castas. É esta certificação que garante a qualidade dos vinhos que irá consumir. Desde o plantio até o engarrafamento, os vinhos da Península de Setúbal são avaliados e controlados pela CVRPS, chegando à sua mesa com 3 possíveis classificações: D.O. Palmela, D.O. Setúbal e I.G. Península de Setúbal (Vinho Regional).

Agora o vinho!

Na taça tem um amarelo palha quase ouro talvez destacado pelo reluzente brilho e uma razoável concentração de finas lágrimas que logo se dissipavam.

No nariz é uma verdadeira explosão de aromas de frutas brancas, amarelas e cítricas com destaque para pera, maçã verde, limão, lima, melão e melancia, além de agradáveis notas florais.

Na boca é seco, fresco, leve, jovial, descomplicado, com um bom volume de boca, dando-lhe caráter, alguma personalidade, graças também a sua excelente acidez e citricidade, trazendo também as notas frutadas percebidas no aspecto olfativo, com um final longo e persistente.

O mapa do vinho, a viagem a cada pedacinho de chão das regiões por intermédio das taças cheias faz do vinho algo além da degustação, é cultura, é história, é conhecimento e todos esses incrementos faz criamos uma espécie de elo, de identificação que nos ajuda a escolher o vinho, que fomenta as nossas experiências sensoriais nos estimulando, mais e mais, a imergir no universo lindo e inexplorado do vinho. O Monte da Ribeira, para variar e sem nenhum tipo de influência de fã, de fanatismo, é um grande vinho dentro de sua proposta: um vinho básico, fresco, leve, refrescante e que entrega muito, muito além que vale. E essa foi uma cortesia do meu confrade amigo Paulo que proporcionou este rótulo para a nossa digna degustação em um encontro mais do que agradável. Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a José Maria da Fonseca:

Um negócio de família com quase dois séculos de história que, sem nunca repousar sobre as glórias conquistadas, tem sabido modernizar-se. A José Maria da Fonseca exerce a atividade vinícola desde 1834, fruto da paixão partilhada de uma família que tem sabido preservar e projetar a memória e o prestígio do seu fundador. Consciente da responsabilidade der ser, na atualidade o mais antigo produtor de vinho de mesa e de Moscatel de Setúbal em Portugal, a José Maria da Fonseca obedece a uma filosofia de permanente desenvolvimento, o que a leva a investir sempre mais em suportes de investigação e de produção, aliando as mais modernas técnicas ao saber tradicional. Exemplo disso mesmo é a Adega José de Sousa Rosado Fernandes, em Reguengos de Monsaraz, no Alentejo, onde a tradição romana de fermentar em potes de barro se mantém a par da última tecnologia.

Continuando a investir em produtos de referência a nível internacional, sempre pautados pela qualidade, a José Maria da Fonseca tem contribuído de forma decisiva para a divulgação e o prestígio dos vinhos nacionais. Dos quase 650 hectares de vinhas, e de uma adega dotada de tecnologia de última geração que rivaliza com as melhores do mundo, resultam vinhos que aliam a experiência acumulada ao longo da sua história com as mais avançadas técnicas de vinificação. Além de todos estes recursos utilizados na produção dos seus vinhos, o que mais caracteriza o trabalho na José Maria da Fonseca é uma enorme paixão pela arte de fazer vinho. É esta paixão, geradora de emoções, que a José Maria da Fonseca partilha com o consumidor de cada vez que este prova um dos seus vinhos.

Mais informações acesse:

https://www.jmf.pt/index.php?id=8

Referências de pesquisa:

“Vinhos da Península de Setúbal”: https://vinhosdapeninsuladesetubal.org/

 





terça-feira, 2 de março de 2021

Vale do Rico Homem Rosé 2018

 

É muito bom ter grandes amigos, mas é tão bom, ou melhor, ter grandes amigos que te presenteiam com vinhos! Não pensem, portanto, que, com este comentário esteja sendo interesseiro ou que pensa apenas na amizade materializada com interesses finitos ou produtos. Mas um amigo e amante dos vinhos une, ainda mais, os laços fraternais, cria vínculos emocionais que circunda em gostos em comum. Digo-lhes isso pois ganhei uma amizade que vem do outro lado do oceano, que os mares ou o avião mesmo me trouxe há alguns anos atrás quando o conheci pessoalmente.

O amigo com o típico nome lusitano, Manoel, veio de Portugal e trouxe consigo na mala, além da simpatia e muito carisma, alguns rótulos dos vinhos de sua terra. Quando o conheci pessoalmente parecia que o tínhamos uma relação antiga de amizade e os vinhos que trouxe verdadeiramente me cativou também. Não posso negar, amigos, sou enófilo e é natural que me anime ao me deparar com alguns rótulos. E direi que o bom amiga do além-mar me trouxe eu nunca tinha visto em terras brasilis.

Mas um, em especial, me chamou deveras a atenção. Além, é claro, da região que muito amo, que muito me cativa, o Alentejo, foi a cor do vinho. Um rosé do Alentejo! Um rosé inebriante, uma cor rosada brilhante e linda, que hipnotiza qualquer um enófilo desavisado. Então, resolvi tomar posse dele e logo o desarrolhei, com o consentimento do meu estimado novo amigo. Então o vinho que degustei e gostei, como já apresentado, veio do Alentejo, de uma região chamada Reguengos de Monsaraz, e se chama Vale do Rico Homem, composto pelas castas Syrah e Touriga Nacional e safra 2018. Nunca é demais falar do Alentejo e suas sub regiões e então contemos um pouco da história de Reguengos de Monsaraz.

Monsaraz

Monsaraz é uma freguesia portuguesa do concelho de Reguengos de Monsaraz, na região do Alentejo. Antiga sede de concelho, transferida pela primeira vez em 1838 e definitivamente em 1851 para a então vila de Reguengos de Monsaraz, hoje cidade. É importante não confundir Reguengos de Monsaraz com Monsaraz. São duas localidades distintas separadas por cerca de 15 quilômetros.

Reguengos de Monsaraz

A vila medieval de Monsaraz foi eleita uma das “7 Maravilhas do Alentejo” pelos leitores do jornal Margem Sul. O Município de Reguengos de Monsaraz aderiu a esta iniciativa que teve mais de 80 mil votos através do site do periódico e que pretendeu contribuir para a promoção do Alentejo, mobilizando os cidadãos para a defesa e a redescoberta do patrimônio material e imaterial. A outra candidatura do Município foi a paisagem do Grande Lago Alqueva no concelho de Reguengos de Monsaraz. Este concurso organizado pelo jornal Margem Sul com o apoio dos governos civis de Évora, Beja, Portalegre e Setúbal recebeu 30 candidaturas municipais. Para além de Monsaraz, a lista vencedora das “7 Maravilhas do Alentejo” integra o Castelo de Evoramonte (Estremoz), Fortaleza de Marvão, Lago de Alqueva (Portel), Tapeçarias de Portalegre, Portas de Beja (Serpa) e Terreiro do Paço (Vila Viçosa). A vila medieval de Monsaraz (Monumento Nacional) é uma das mais antigas vilas de Portugal. Localizada numa região habitada desde os tempos pré-históricos, existindo na sua envolvente muitos monumentos megalíticos, Monsaraz é um primitivo castro que foi mais tarde romanizado e ocupado sucessivamente por visigodos, árabes, moçárabes e judeus, até ser definitivamente cristianizado no século XIII. Em 1167 foi conquistada aos muçulmanos por Geraldo Sem Pavor, caindo em 1173 para os almóadas na sequência da derrota de D. Afonso Henriques em Badajoz. Em 1232 voltou a ser conquistada aos árabes e em 1385 foi invadida pelas tropas castelhanas, mas cedo foi reconquistada por D. Nuno Álvares Pereira. Depois da restauração da independência, em 1640, foi construída uma nova linha de fortificações, tornando Monsaraz numa vila praticamente inexpugnável. Monsaraz foi sede de concelho até 1851, ano em que se fixou definitivamente em Reguengos de Monsaraz. Em termos de património é importante destacar a Torre de Menagem, a Casa da Inquisição, a Porta da Vila, a Porta de Évora, a Porta da Alcoba, a Igreja Matriz de Nossa Sra. da Lagoa, o Pelourinho, a Igreja de Santiago, a Ermida de S. João Baptista, o edifício do Hospital do Espírito Santo e Casa da Misericórdia, a Ermida de S. José, os Antigos Paços da Audiência, a Cisterna e todo o casario característico da vila.

E agora o vinho!

Na taça tem um rosado salmão lindo, intenso e muito brilhante, uma verdadeira porta de entrada para estimular ao enófilo a degustação.

No nariz prevalece o aroma fresco, jovial, descontraído, além, é claro, das notas frutadas que lembram framboesa, morango, uma verdadeira compota de frutas extremamente agradável, mas que, em momento algum, se mostrou enjoativo.

Na boca as impressões olfativas das frutas vermelhas prevalecem de uma forma docemente impetuosa, é muito frutado, delicado e elegante. Tem um bom volume de boca, mostrando alguma personalidade, certa cremosidade, diria, provavelmente graças aos 3 meses que o vinho estagiou “sur-lies”*, seguindo-se depois para o processo de engarrafamento. A acidez também está em evidência, mas em pleno equilíbrio com o conjunto do vinho, fazendo valer o seu frescor, evidenciando também no final de boca.

*”Sur-lies”: A tradução literal para a palavra francesa “lies” seria “borras” ou “sedimentos”. O contato com essas borras de levedura exerce influência sobre a estrutura dos vinhos, sobre o corpo, aroma e estabilidade. A razão, por parte do enólogo, por utilizar esse processo é para dar ao vinho estrutura, corpo, complexidade aromática, profundidade e sabor ao vinho, conferindo ainda mais estabilidade a sua cor.

A verdadeira e mais terna amizade é um acalento à alma, bem como o vinho e quando esses dois se combinam como em uma alquimia não tenha dúvidas de que é um verdadeiro elixir. Eu aguardo uma nova visita desse meu nobre amigo lusitano e espero que ele traga em sua mala, além dos grandes rótulos de sua terra, traga também a certeza da consolidação de nossa boa e salutar cumplicidade. E ele está e estará em minha história graças a esse rosé, esse regional alentejano, que retrata com fidelidade a tipicidade daquelas terras, trazendo um frescor, uma leveza e ao mesmo tempo uma intensidade aromática, uma presença no palato, entregando uma marcante personalidade colocando o Vale do Rico Homem no rol dos grandes rosés que degustei. Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre o Monte dos Perdigões:

Na posse da família Granadeiro desde 2001, o Monte dos Perdigões foi em tempos casa de Damião de Góis, humanista Luso do Séc. XVI e grande amigo de Erasmo de Roterdão e gerações mais tarde do ilustre compositor Luis de Freitas Branco, músico que aqui compôs algumas das suas mais marcantes obras. Desde sempre um lugar marcado pela sensibilidade artística e pensamento livre.

Damião de Góis

Na sua moderna adega em que imperam materiais nobres como o mármore alentejano e o carvalho francês são vinificados e engarrafados os vinhos Granadeiro sob o rigoroso controlo de uma dedicada equipa chefiada pelo enólogo Pedro Baptista e inspirados pela visão de autor de Henrique Granadeiro. Com uma longa e reconhecida carreira no setor público e privado, Henrique Granadeiro criou há muito tempo laços com o meio vinícola, nomeadamente através das funções que exerce à frente da Fundação Eugénio de Almeida. Desde 2001 que lançou um projeto próprio e fiel a essa velha paixão: a criação de vinhos. Paixão que hoje leva à sua máxima expressão, no coração da região que o viu nascer, com a criação dos vinhos de autor aos quais dá o seu conhecimento e o seu nome.

Escolhidas a dedo, as uvas fermentam em balseiros de carvalho francês e em lagares de mármore Alentejano, famosos pela sua elevada inércia térmica. Com a sua geometria larga e baixa tendo a ajuda da pisa mecânica, favorecem a extração dos taninos e uma expressão aromática notável. A maturação dos tintos dá-se sur lies em tonéis de carvalho francês Allier, de queima média e grão fino. Após o tempo de estágio adequado em meias barricas, são engarrafados a preceito, sempre com rolha de cortiça nacional, à espera de serem abertos e apreciados pelos mais exigentes entusiastas de vinho.

Mais informações acesse:

https://www.montedosperdigoes.pt/pt/

Referências de pesquisa:

Portal “Viagem e Turismo”: https://viagemeturismo.abril.com.br/blog/portugal-lisboa/herdade-do-esporao-o-maravilhoso-mundo-dos-vinhos-no-alentejo/

“Blog Cipriano Alves”: https://ciprianoalves.blogs.sapo.pt/portugal-historico-alentejo-monsaraz-19134

Portal Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Monsaraz

Portal “Tintos & Tantos”: http://www.tintosetantos.com/index.php/envelhecendo/422-sur-lies-o-que-e-isso

Portal “Sacando a Rolha”: https://www.tuliowig.com/sacando-a-rolha/october-26th-2018

Degustado em: 2019

 

 

 






sábado, 27 de fevereiro de 2021

56 Hundred Pinot Grigio 2018

 

Dentre as diversas castas brancas que temos para nosso deleite, simples enófilos de plantão, eu adoro a Pinot Grigio. Tenho a impressão de que ela não é muito bem aceita. Já ouvi alguns dos maiores absurdos e injustiça a respeito dela, tais como: aguada, sem expressão, péssimo no paladar, entre outros tristes comentários. Não é discurso de fã cego, mas não há como não se render aos encantos da Pinot Grigio, sobretudo no clima tropical de quase todo ano de nossa terra brasilis. Ela cai como uma luva!

E cabe aqui, embora seja mais uma dessas histórias enfadonhas de enófilos desocupados, contar como a conheci. Estava em uma dessas confraternizações de trabalho que costumas ser um tanto quanto chatas e cansativas. Então, quando cheguei no restaurante onde iria acontecer a reunião, e resolvi pedir o vinho. Um tanto quanto temoroso quanto aos valores que iria encontrar, virei as páginas do cardápio em busca de um rótulo que fosse atrativo, tanto no valor quanto no que ele poderia oferecer no que tange a qualidade. Me deparei com um que, apesar de conhecer o produtor, Miolo, eu não havia reconhecido o nome da casta: Pinot Grigio? Bem, resolvi pedir ao garçom e um branco viria a calhar naquele dia que fazia um calor insuportável! Aproveitei, mesmo sem conhecer a casta, e pedi ao bom e atencioso garçom que colocasse no balde com gelo para ficar no ponto de degustação.

Quando o vinho chegou eu, em uma mescla de animação e ansiedade, logo que tive a taça enchida pelo amável garçom, degustei e voilá: Que vinho delicioso! Uma explosão de frutas brancas e amarelas com um envolvente toque floral e pensei: Que escolha maravilhosa! Que vinho estupendo, apesar de sua simplicidade! Esse foi o Miolo Reserva Pinot Grigio que em um futuro breve textualizarei as minhas agradáveis impressões. E a partir daí não larguei mais do Pinot Grigio, degustando vários outros, de vários países: Chile, Itália (que logo descobrir ser um “oásis” para essa cepa), entre outras.

E hoje, mesmo com a Pinot Grigio faz parte, de forma contínua, em minha vida enófila, hoje degustarei um Pinot Grigio de uma região que não esperava que fosse encontrar cultivo: África do Sul, da região de Western Cape, uma das mais emblemáticas daquele país.

E o produtor não fica atrás, um dos mais importantes: A Nederburg. Então o vinho que degustei e gostei, como disse vem da magnífica região de Western Cape, a casta, claro, é Pinot Grigio e o vinho se chama 56 Hundred, da safra 2018, a linha mais básica, mas digna de plena atenção, haja vista que degustei, também dessa linha, a 56 Hundred Chenin Blanc 2017 que também é surpreendente! Mas não é tão surpreendente como o Pinot Grigio. Bem já que falei da emblemática Western Cape, vou tecer alguns comentários sobre ela e a sua importância para a vitivinicultura sul africana.

Western Cape: a toda poderosa região vinícola sul africana

Localizada a sudoeste da África do Sul, tendo a Cidade do Cabo como ponto central, Western Cape é a principal região vitivinícola do país, responsável por cerca de 90% da produção vinícola do país. Boa parte da indústria do vinho sul-africana se concentra nessa área e microrregiões como Stellenbosch e Paarl são alguns de seus principais destaques. Com terroir bastante diversificado, a combinação do clima mediterrâneo, da geografia montanhosa, das correntes de ar fresco vindas do Oceano Atlântico e da variedade de uvas permite que Western Cape seja considerada uma verdadeira potência da produção de vinhos no país. Suas regiões vinícolas estendem-se por impressionantes 300 quilômetros a partir da Cidade do Cabo até a foz do rio Olifants ao norte, e cerca de 360 quilômetros até a Baía Mossel, a leste – para entender essa grandiosidade, vale saber que regiões vinícolas raramente se estendem por mais de 150 quilômetros.

Western Cape

O clima fresco e chuvoso também favorece o plantio e a colheita por toda a região. Entre os grandes destaques de Western Cape estão as uvas Pinotage, Cabernet Sauvignon e Shiraz, que dão origem a excelentes varietais e blends. Entre os brancos – que, por si só, têm grande reconhecimento mundial –, brilham a Chenin Blanc, uva mais cultivada do país, a Chardonnay e a Sauvignon Blanc. As primeiras vinhas plantadas na região remetem ao século XVII, trazidas por exploradores europeus que se fixaram por lá. Durante vários séculos, fatores como o estilo rudimentar de produção, o Apartheid e a falta de investimentos mantiveram a cultura vitivinícola sul-africana limitada ao próprio país. Somente no início do século XX, com a formação da cooperativa KWV, que a África do Sul começou a responder por todo o controle de qualidade do vinho que se produzia por lá, e seus rótulos passaram a chamar a atenção do mercado internacional, dando início a um processo de exportação que conta, inclusive, com selos de qualidade específicos para a atividade. A proximidade da Cidade do Cabo facilita o acesso dos visitantes às inúmeras rotas vinícolas e turísticas de Western Cape, que incluem experiências como caminhadas, degustações por suas muitas bodegas, além de ótimos restaurantes e hospedagens em suas pequenas e aconchegantes cidades, a maioria em estilo europeu.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo palha, clarinho, translúcido, brilhante e com discretos reflexos esverdeados e algumas dispersas lágrimas finas e que se dissipa rapidamente.

No nariz uma intensa explosão aromática de frutas brancas e cítricas com o destaque para melão, pera, maçã verde, lima e limão, além de um toque floral excelente.

Na boca as notas frutadas são evidentes como no aspecto olfativo, é leve, jovem, mas com uma personalidade potencializada pela ótima acidez que faz do vinho fresco e refrescante. Um final persistente e com um retrogosto frutado.

Mais um capítulo importante na minha vida, na minha trajetória enófila com uma degustação de novo rótulo da casta Pinot Grigio. Embora o nível de rejeição da mesma seja alto, ela está em alta em meu humilde conceito. E com direito a mais uma grata novidade: meu primeiro Pinot Grigio da África do Sul que, a cada rótulo, a cada degustação tem se revelado o óbvio: um dos principais países de produção e cultivo de vinhos do mundo! Como que um vinho básico, como essa linha da Nederburg, pode cativar tanto? Ser tão bom? Aprendi com um especialista e crítico de vinhos que, para mensurar a qualidade e idoneidade de um produtor, deguste os seus vinhos básicos e a Nederburg se enquadra perfeitamente nessa frase. Um Pinot Grigio alegre, delicado, elegante e que pode substituir perfeitamente aquela cerveja de fim de semana em dias de intenso calor. Que novas experiências com a Pinot Grigio me arrebate sempre, por inteiro! Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Nederburg:

A história de Nederburg começou em 1791, quando o imigrante alemão Philippus Wolvaart adquiriu 49 hectares de terra no vale de Paarl. Ele nomeou sua propriedade Nederburgh, em homenagem ao comissário Sebastiaan Cornelis Nederburgh. Mais tarde, o 'h' foi retirado da grafia do nome da fazenda e tornou-se Nederburg como é conhecido hoje. A bela mansão holandesa do Cabo, coberta de palha e empena, que Wolvaart completou em 1800 é hoje um monumento nacional. E sobre a linha “56 Hundred” há uma curiosidade: Essa variedade de vinhos refrescantes, frutados e suave leva o nome ao preço de mil e seiscentos florins que Philippus Wolvaart pagou em 1791 pela fazenda em que deveria nomear Nederburg. Um visionário que reconheceu o potencial vitícola da terra, ele teve a tenacidade de domesticar a propriedade e estabelecer uma fazenda que continua a florescer hoje. Em 1810, vendeu a fazenda para a família Retief, que conservou a propriedade por 70 anos. Em seguida a Nederburg passou por diversos proprietários até ser adquirida, em 1937, por Johann Graue que foi buscar na Alemanha o talentoso enólogo Günter Brözel para comandar a produção. Durante anos, Brözel elevou a reputação da Nederburg a nível mundial. Quem o sucedeu foi o enólogo romeno Razvan Macici, que recebeu inúmeros prêmios ao longo dos anos. Macici aliava a capacidade de criar vinhos exclusivos à habilidade para a elaboração de rótulos acessíveis. A Nederburg é conhecida pela visão vanguardista, sempre valorizando os cuidados no vinhedo e na vinificação para a elaboração de exemplares famosos mundialmente.

Harmonizando com um queijo minas

Mais informações acesse:

https://www.nederburg.com/

Referências de pesquisa:

“Vinho Capital”: https://vinhocapital.com/tag/wine/page/3/

“Wine”: https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/western-cape-a-gigante-sul-africana/?doing_wp_cron=1611015613.7245669364929199218750#:~:text=Localizada%20a%20sudoeste%20da%20%C3%81frica,alguns%20de%20seus%20principais%20destaques.

 

 





quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Lago Sur Gran Reserva Carménère 2015

 

Pode parecer um iminente risco, e de fato é, escolher vinho no escuro, sem maiores informações e eu tento, ao máximo, evitar tais riscos, mas há casos em que quando você bate o olhar em um rótulo em exposição, parece que você se hipnotiza e que te faz, como em um leviano impulso, um instinto animalesco, levar o vinho sem pensar. Digo que passei por essa situação, mas pergunto: E qual enófilo já não passou por esse momento tão arriscado?

Estava eu em minhas famosas e indefectíveis incursões em supermercados e avistei ao longe, ainda incerto e confuso com o que via, mesmo que em destaque, alguns rótulos que não reconheci, mas que chamava a atenção com valores atraentes e com números e valores dispostos de forma garrafal e, quando me aproximei um pouco mais, um tanto que embebecido pelo que testemunhava, vi alguns gran reservas com preços assustadoramente excelentes. Pensei, antes de sequer leva-los a minha mão: Mas como um gran reserva pode custar tão pouco? Não pode ser verdade! Estava, lembro-me bem, em torno dos R$ 45!

Quando depois de todo êxtase sentido, resolvi ter em minhas mãos os rótulos. Observei atentamente que se tratava de um chileno, da famosa região DO Maule e havia as castas mais emblemáticas produzidas no Chile, tais como Carménère, Cabernet Sauvignon e Merlot. Resolvi arriscar com o óbvio, mas que nunca erra: a famosa Carménère! Há quem diga também que comprar gran reserva a esse preço também é um risco, um verdadeiro tiro no pé. Eu confesso que não conhecia nada do vinho, do produtor, pouco tinha a respeito no rótulo e contra rótulo. Mas o preço me atraía como um imã! Decidi arriscar, mas com algumas controvérsias, mas o levei para minha adega e por lá não ficou muito tempo, porque a ansiedade de degusta-lo era tamanha.

Então foi chegado o tão esperado momento! O desarrolhei e voilá! Que excelente vinho, me arrebatou, me surpreendeu por inteiro. O vinho que degustei e gostei, como disse, veio da região chilena do Maulle e se chama Las Casas de Vaqueria Lago Sur Gran Reserva da casta Carménère da safra 2015. Um vinho que já na cor denunciaria a sua personalidade, o aroma inebriante... Mas não falarei ainda do vinho, mas sim da famosa região do Maule.

Maule DO

A maior e uma das mais antigas regiões vinícolas do Chile, o Maule é um lugar cheio de charme e com clima propício à vitivinicultura. A região se inicia a menos de 300 quilômetros de Santiago, capital do país. Seus microclimas e solos diversos possibilitam a cultura e produção de uma variedade muito grande de vinhos, já que praticamente todas as castas de uvas cultivadas no Chile são encontradas no Vale do Maule. A região tradicionalmente sempre esteve associada à quantidade da produção muito mais do que à sua qualidade. Nos últimos anos, porém, isso tem mudado substancialmente. Castas internacionais e reconhecidas na vitivinicultura mundial vêm suplantando as de baixa qualidade plantadas na região, e, aliada às práticas cada vez mais desenvolvidas no cultivo das frutas e produção dos vinhos por parte dos seus vinicultores, o Maule tem dado vinhos de alta classe ao mercado, especialmente da variedade Carignan.

O Vale do Maule foi uma das primeiras áreas no país andino onde se plantou vinhas – a história da viticultura da região é quase tão antiga quanto a colonização espanhola no novo mundo. É verdade que, de 1550 até 1860, os assentamentos espanhóis no Maule se deram em menor escala que em outros pontos de colonização no Chile, mas sua tradição agricultora fortaleceu o desenvolvimento da região. No século XIX, o governo chileno implantou uma política de imigração que possibilitou a entrada de europeus vindos de países como França, Itália, Inglaterra e Portugal para aumentar seu potencial econômico através da agricultura. Quando os espanhóis chegaram no Maule, no meio do século 16, trouxeram a uva País que dominou as plantações do vale.

Maule DO

Banhado pelo famoso rio que lhe dá nome, o Maule tem clima temperado mediterrâneo, com intensidade alta de sol no verão, com temperaturas máximas entre 19º C e 30º C, e chuva anual concentrada no inverno, quando as temperaturas chegam à mínima de 7º C. Os dias quentes seguidos de noite frias facilitam e prolongam a temporada de cultivo e colheita das uvas, dando-lhes um tempo de amadurecimento total, o que equilibra seus níveis de acidez e doçura. O Rio Maule, que flui do leste para o oeste do Chile, através de um caminho que se inicia nos Andes e termina no Pacífico, ainda propícia à região solos aluvial diversificados, indo desde o granítico até o arenoso. Férteis, esse solos favorecem o cultivo produtivo nos vinhedos da região.

Região com longa e bem sucedida história na cultura e produção de vinhos, Maule tem na vitivinicultura sua atividade econômica principal; alguns dos mais extensos vinhedos do país estão localizados lá, e alguns deles datam de 1830. Cerca de 50% de todo o vinho exportado do Chile é oriundo do Vale de Maule, que sempre foi conhecida por sua produção em larga escala. A uva mais cultivada no Vale do Maule é a Cabernet Sauvignon com 8.888 de hectares plantados. Nos anos 90, essa produção recebeu grandes investimentos que ocasionaram o desenvolvimento técnico em equipamentos e infraestrutura, que em conjunto com mudanças significativas nas formas de manejo dos vinhedos, favoreceu o surgimento de uma produção mais especializada, resultando vinhos de alto padrão de qualidade e elevado valor comercial. O vale ainda oferece muitos atrativos turísticos relacionados ao mundo dos vinhos. Uma rota composta por um conjunto de 15 vinhas em diferentes cidades da região possibilita ao visitante entrar em contato com o processo de produção, além de degustação de vinhos e pratos.

E agora o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, escuro, mas com bordas violáceas com muito brilho, além de uma abundante concentração de lágrimas, finas e que teimavam em se dissipar das paredes do copo.

No nariz a explosão aromática de frutas vermelhas e negras, onde se percebiam cereja, amora, ameixa e com o aporte da barrica de carvalho trouxe uma complexidade maravilhosa, tais como especiarias, tabaco, chocolate, torrefação.

Na boca é elegante, sofisticado, mas estruturado que lhe confere personalidade, a robustez, mas domado pelos 12 meses de passagem por madeira (cerca de 60% do vinho), com taninos presentes, acidez correta, o toque amadeirado evidente, mas bem integrado ao conjunto do vinho sem mascarar as características da cepa. A baunilha também é presente, bem como o toque do chocolate amargo e um final persistente, longo.

Um vinho maiúsculo, robusto, mas delicado e macio, fácil de degustar, graças as vinhas velhas com mais de 70 anos. Um vinho que, no auge dos seus suspeitos valores baixo que poderia denotar má qualidade para um gran reserva, revelou-se um vinho de excelência, um legítimo Carménère chileno, vigoroso, pleno, como deve ser. Pois é, o risco pode ser iminente em escolher um vinho no escuro, com escassas informações, mas nunca devemos negligenciar o nosso feeling e o que o coração nos diz e esse gritou em plenos pulmões: Que baita vinho! Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Casa Donoso:

A Viña Casa Donoso surgiu no mercado num momento em que a indústria do vinho chileno começou a tornar-se mais sofisticada. Foi em 1989 quando um grupo de empresários estrangeiros, cativados pela beleza e as potencialidades do meio ambiente, adquiriu a fazenda “La Oriental”, um histórico “Domaine” no coração mesmo do Vale do Maule, 250 km ao sul de Santiago do Chile, que pertencia à senhora Lucia Donoso Gatica. Uma mulher de especial encanto e empuxe empresarial, ela inspirou o próprio conceito da Vinha Casa Donoso, orientado para a produção tradicional de vinhos tintos e brancos, no melhor estilo francês.

Durante muitos anos a Casa Donoso desenvolve um conjunto de linhas de produção de normas de qualidade muito elevadas, sendo a base para conceber a produção de vinhos da linha Reserva, Gran Reserva, Premium, todos aqueles que já qualificados nos cinco continentes em termos de presença, participação e reconhecimento.

Sobre “Las Casas de Vaqueria”:

Na Fazenda Las Casas de Vaqueria, no Vale do Maule, está a casa mais antiga entre as fazendas da Casa Donoso. Foi construído no século 19, conhecido como a "era colonial" no Chile. Graças à combinação ideal do terroir do Maule, vinhas velhas e o clima perfeito, os enólogos podem oferecer vinhos premium chilenos inspirados na tradição e história do campo chileno.

Mais informações acesse:

http://donosogroup.com/index.html


Referências de pesquisa:

“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/vale-do-maule-fertilidade-e-diversidade-de-uvas-e-vinhos/

“Vinci”: https://www.vinci.com.br/c/regiao/valle-de-maule

Degustado em: 2017

 




sábado, 20 de fevereiro de 2021

Aurora Reserva Merlot 2017

 

Lembro-me como se fora ontem, na minha época de transição dos vinhos de mesa, aqueles famosos de garrafão para os vinhos finos, os rótulos produzidos com castas vitiviníferas. Sei, insisto demasiadamente em evocar esses momentos em algumas resenhas que figuram neste blog, mas lembro-me, com uma doce nostalgia desse momento que, como todo enófilo brasileiro passou ou pelo menos deveria ter passar. Atire a primeira pedra que nunca passou por esse momento! Mas, diante disso tudo, acredito que os poucos que estão lendo essas linhas devem estar se perguntando: Por que ele está textualizando, contextualizando isso justo agora? Será o rótulo de hoje ter alguma relação? Bem, relação direta não tem, mas a sua casta e a sua nacionalidade me fez lembrar aqueles tempos de outrora, da minha transição!

Lembro-me, com nitidez absurda, como se tivesse passando um filme na retina, do primeiro vinho que degustei nesse período transitório há quase 22 anos atrás: O meu primeiro rótulo foi um Almadén Merlot, não me recordo a safra, afinal, nem tudo eu conseguiria lembrar-me, mas o rótulo sim, e como lembro. Lembro-me das primeiras taças e das rejeições iniciais, um vinho seco, muito seco em relação aos adocicados vinhos de 5 litros, mas insisti, degustei a segunda taça, a terceira taça... Na quarta taça estava regozijando de prazer por degustar aquele vinho, estava mais do que adaptado e mais do que decidido: Eu quero degustar esses vinhos agora! Eles farão parte da minha vida!

E tem sido assim ao longo do tempo, seguindo a minha estrada em busca de novas e maravilhosas experiências sensoriais, de novos rótulos e castas, de novos terroirs. Mas naquela época eu estava conhecendo e a Merlot logo se tornaria a minha casta preferida. Comprei e degustei, avidamente, vinhos com essa nobre cepa. Degustei tantos que não ousaria dizer quais foram os rótulos que degustei, um a um. E já naquela época, mesmo sem saber, já sabia que a Merlot cultivada em nossas terras, em nossos terroirs ganharia reconhecimento em dimensões nacionais e fama internacional. Demoraria sim, mas seria questão de tempo! E a constatação de tudo isso viria acontecer com um rótulo que me arrebatou por inteiro, quando o degustei em 2016, mais de 15 anos depois da minha primeira experiência com essa casta. O vinho é o Aurora Reserva Merlot 2015.

Aurora Reserva Merlot 2015

Esse rótulo chegou a mim graças a uma leitura que fiz de algumas matérias enaltecendo os prêmios internacionais que o Aurora Merlot 2014 ganhou, inclusive um prêmio que conquistou de melhor Merlot no mundo em um ranking com 100 vinhos premiados, sendo o Merlot da Aurora o mais bem posicionado entre os demais Merlots que estavam na lista. Isso me chamou a atenção e eu precisava tê-lo em minha adega. Infelizmente eu não consegui encontrar o da safra 2014, mas avistei o da safra 2015 e pensei: Se de fato o vinho é bom, as safras seguintes também são e não hesitei em leva-lo para casa. Um vinho estupendo! Frutado, fresco, mas de bom corpo. Maravilhoso! Mas é claro que não deveria ficar apenas nesse, eu precisava buscar novas safras e seguir o caminho de novas experiências com o mesmo rótulo.

Então o vinho que degustei e gostei veio do Brasil, a terra do Merlot, da região de Bento Gonçalves e é o Aurora Reserva Merlot da safra 2017. E para corroborar a minha tese do sucesso da Merlot no Brasil e todo o sustentáculo que faz desta cepa tão popular neste país, extraí do “blog Sonoma” um texto muito rico e que revela tais detalhes.

 A Merlot com cara de Brasil

O paranaense Dirceu Vianna Junior, único Master of Wine do Brasil e radicado há muitos anos em Londres, reuniu em 2010 um grupo de 40 profissionais internacionais, entre eles 15 Masters of Wine, para uma degustação às cegas de vinhos com a variedade Merlot produzidos em 11 países diferentes. O resultado foi impressionante: entre os 10 melhores classificados pelos especialistas, oito eram brasileiros. Esse é mais um de tantos reconhecimentos importantes obtidos pelos Merlots produzidos no Brasil por sua alta qualidade. E qual é o segredo de tanto sucesso?

Primeiro tem a questão da adaptação da uva ao lugar, ao tipo de solo, de clima e todas as condições que envolvem o cultivo da uva. Neste quesito o relacionamento da Merlot com o Brasil vai muito bem! Tanto que se diz que ela está se tornando a uva emblemática dos vinhos brasileiros, assim como a Malbec é para a Argentina ou a Carménère para o Chile. Na realidade, este sucesso tem sido conquistado, sobretudo pelos Merlots produzidos especificamente na Serra Gaúcha, a maior e mais tradicional região vinícola do Brasil e onde boa parte dos vinhedos já produz há mais de duas décadas, tempo suficiente para esta adaptação e para que as vinhas gerem uma produtividade adequada para obter uvas da mais alta qualidade. A Serra Gaúcha é conhecida por seus altos índices de chuva, que variam de safra para safra e que, nos anos mais chuvosos, prejudica o pleno amadurecimento de muitas variedades, como a Cabernet Sauvignon. A Merlot tem algumas características que a fazem sofrer menos com esta condição climática. Ela é mais resistente e amadurece mais cedo que a maioria das outras variedades tintas, ficando pronta para a colheita antes dos períodos de maior incidência de chuva, o que favorece o pleno amadurecimento de todos os elementos importantes de um bom vinho, como teor de açúcar, polifenóis e antocianos (os que dão cor ao vinho). Tem também o saber fazer dos produtores, que já acumulam conhecimento e experiência sobre esta relação da uva com a terra, que combinadas com as técnicas adequadas de elaboração, geram vinhos da mais alta qualidade e, o que é melhor, com personalidade brasileira.

Em todas as safras são sempre vinhos muito prazerosos de se beber. O paladar é macio por conta de taninos bem redondos. É típico da Merlot uma boa acidez, que com o bom amadurecimento das uvas fica muito bem equilibrada com álcool moderado, em torno de 12% a 13%. Estas três características juntas permitem beber vinhos jovens e já bem equilibrados, quando mostram aromas de frutas, como cerejas e ameixas, mescladas a especiarias e aos tostados, quando amadurecidos em madeira. Diferentemente do que muitos acreditam, os vinhos brasileiros envelhecem muito bem, sobretudo os Merlots. Este tripé de taninos, acidez e álcool permite que o vinho permaneça muito tempo evoluindo em garrafa, revelando depois de alguns anos vinhos ainda frescos, trocando as frutas frescas por secas e pelas compotas.

E finalmente o vinho!

Na taça apresenta um lindo vermelho rubi intenso, com bordas violáceas brilhantes, com lágrimas finas e abundantes com desenham as paredes do copo.

No nariz explodem as frutas vermelhas, em compota, lembrando morango, framboesa, groselha e cereja. As notas discretas e agradáveis da madeira e de baunilha se fazem presente, graças aos 6 meses de passagem por barricas de carvalho.

Na boca é seco, tem certa estrutura, com bom volume, mas, por outro lado é muito elegante e sedoso, sendo fácil de degustar, se reproduzem, como no aspecto olfativo, as notas frutadas, frutas vermelhas, com taninos macios e boa acidez que lhe garante a condição de muito frescor, além das discretas notas amadeiradas que faz com que o vinho tenha uma boa persistência e um longo final.

O tempo só confirmou o que nós, simples enófilos de coração, já havia absorvido pela taça e pela alma: que o Merlot brasileiro sempre teve a nossa cara, o DNA original de nossa terra, do saber fazer de abnegados produtores e enólogos que moldaram a Merlot a imagem e semelhança de nossos terroirs, a tipicidade plena e vigorosa para nossa deleite, enchendo a nossa taça e deixando um pouco os nossos dias melhores, com a celebração de se degustar bons Merlots brasileiros. Como mencionado no blog Sonoma, não duvido e compartilho da opinião de que o Merlot brasileiro, em pouco tempo, terá a mesma importância que a Malbec na Argentina e o Carmènére no Chile. É apenas mostrar o nosso Merlot para os brasileiros, indistintamente, sem credo ou questão social para todos os brasileiros democraticamente, com vinhos mais acessíveis, com preços justos a todos os brasileiros. Opções de rótulos têm, só falta vontade política para eles chegarem às mesas de todos os brasileiros. E o Aurora Merlot Reserva é, sem dúvida alguma, um dos melhores de sua categoria neste país, a cada aurora de uma nova safra que chega às gôndolas de supermercado ou lojas especializadas. Um vinho frutado, elegante, redondo, fácil de degustar, mas com a personalidade única e marcante de um autêntico Merlot do Brasil, ufanismos à parte. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Cooperativa Aurora:

A Vinícola Aurora é um sonho compartilhado por imigrantes que enfrentaram os mais diversos problemas quando chegaram ao Rio Grande do Sul. Com a veia colaborativa, a empresa cresceu e se tornou um dos expoentes do vinho gaúcho. A história da cooperativa começou em 1931, quando famílias de produtores de uvas do município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, com pouco dinheiro, mas com muita vontade de prosperar, reuniram-se para lançar a pedra fundamental da empresa.

Na primeira colheita, foram contabilizados 317 mil quilos de uva. Hoje, quase 85 anos depois, a empresa processa mais 60 toneladas da fruta e tem 1.100 famílias associadas. A biografia da Aurora, desde as suas raízes, é permeada por números de sucesso. No cerne da vinícola há solidariedade entre os pares, se no início do século os imigrantes italianos se uniram para produzir com maior força e formar uma rede de ajuda mútua, hoje, não é diferente. É nesse universo, da produção em sociedade, que a Revista Sabores adentra para desmitificar as oito décadas da empresa.

No Centro de Bento Gonçalves, local que abriga a histórica Cantina da empresa. De longe é possível ver a grande movimentação, não só de trabalhadores de vinícola, mas, principalmente, de turistas. Pioneira em abrir as portas aos visitantes, a cada ano, a Aurora recebe 150 mil pessoas em suas instalações. É uma multidão de curiosos querendo saber como são produzidos os 232 rótulos da empresa. Ao percorrer os corredores da vinícola, o visitante conhece em detalhes todas as etapas para a elaboração de um vinho. Desde as esteiras que recebem as uvas na época de colheita, até as pipas gigantes com mais de 50 anos de uso. Não só os produtos alcoólicos que movimentam a cooperativa. A linha de produção ainda tem coolers e suco de uvas. O suco da marca Casa de Bento, produzido pela vinícola, é um dos mais vendidos da empresa. Do total de uvas processadas, 60% viram suco. Hoje, bem no coração de Bento Gonçalves, a Vinícola Aurora é a maior do Brasil. Mais de 1.100 famílias se associaram à cooperativa, sendo a produção orientada por técnicos que, diariamente, estão em contato com o produtor – fornecendo toda a assistência necessária. A equipe técnica se responsabiliza pelo acompanhamento permanente do processo industrial e pela qualidade final dos produtos, sempre com a atenção voltada para o desenvolvimento de uma tecnologia de ponta. A conquista da posição que ocupa há mais de duas décadas foi possível graças à constante modernização de seu parque industrial, à alta tecnologia de suas unidades e aos rigorosos padrões exigidos nos processos de produção. O cuidado extremo com a rotina produtiva, observado a partir da plantação das mudas ao engarrafamento do produto, faz parte da receita de crescimento constante do empreendimento durante todos esses anos.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolaaurora.com.br/br


Referências de pesquisa:

Site “Falando em Vinhos”: https://falandoemvinhos.wordpress.com/2017/03/16/o-vinho-aurora-reserva-merlot-e-ouro-no-concurso-vinos-bacchus-na-espanha/#:~:text=O%20vinho%20Aurora%20Reserva%20Merlot%2C%20um%20dos%20100%20vinhos%20mais,edi%C3%A7%C3%A3o%202015%20do%20Vinos%20Bacchus.

“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/uvas/o-sucesso-da-merlot-no-brasil/







terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Reserva da Serra Merlot e Cabernet Sauvignon 2005

 

Adoro os vinhos evoluídos! Adoro mesmo sem ter degustado tantos vinhos com essa proposta! O que tem me cativado são as histórias que envolvem esses rótulos, a forma como foram concebidos e o tempo, particularmente o tempo que eles passaram para chegar a condição de vinhos de guarda e os que tornaram evoluídos, com vocação de guarda. Atribui-se aos europeus essa condição. Os melhores vinhos evoluídos são do Velho Mundo, os franceses, os espanhóis, os italianos com seus rótulos emblemáticos e de regiões tradicionais são imbatíveis e intocáveis nesse sentido. Mas não se enganem que esses vinhos velhos, antigos são exclusividade dos europeus. O Brasil e a Argentina, por exemplo, já produzem vinhos com potencial de guarda e estão entregando vinhos excepcionais, ricos em aromas, em complexidade e tudo que faz desses vinhos espetaculares e com peculiaridades dignos de poucos.

E, antes de entender ou pelo menos me aventurar nos conceitos de vinhos evoluídos eu, buscando em meus arquivos de degustações, descobri um vinho que havia degustado, brasileiro, da excepcional Lídio Carraro, com, pasmem, 10 anos de vida! Sim, um vinho brasileiro, do Novo Mundo, com longos 10 anos de vida e, pasmem ainda, pleno, vivo e que aguçou todos os meus sentidos e sensações. Mas degustei, lembro-me com vivacidade, como se fora um vinho, mais um vinho. Talvez isso tenha sido bom, pois o degustei sem estereótipos, sem conceitos pré-determinados, era um vinho, especial, mas um vinho. Por isso disse: Já gostava dos vinhos evoluídos antes de saber o que de fato significava potencial de guarda ou pelo menos ter me enveredado sobre o referido assunto.

Então o vinho que degustei e gostei veio do Brasil, do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, do boutique Lídio Carraro e se chama Reserva da Serra, composto pelo corte das castas Merlot e Cabernet Sauvignon, da safra 2005, com inacreditáveis 10 anos de vida, pois fora degustado em fevereiro de 20015, completando, neste mês de fevereiro de 2021, que estou redigindo esta resenha, 6 anos que o degustei.

5, 10, 15, 20 anos ou mais! O que faz do vinho ser tão longevo? As barricas de carvalho? As cepas selecionadas? O que faz desse vinho tão especial, único e até digno de discussões e polêmicas? Afinal, vinhos como esse, dizem por aí, podem ser relativos, sobretudo da forma como ele foi armazenado após a sua saída da vinícola e também em nossas casas. Então falemos um pouco sobre vinhos de guarda.

Os evoluídos

A delicadeza da cor levemente alaranjada, com tons atijolados, logo é completada por uma mistura de aromas intrigantes – com os quais nem sempre estamos acostumados, como trufas, café, couro, tabaco etc – e, ao se sorver gentilmente o líquido, pode-se sentir aquele tipo de suavidade que somente o tempo traz aos vinhos (no caso, os tintos). Há sensações (cheiros e sabores) que só são proporcionadas por um vinho velho. Esse espectro aromático, que vai dos frutos secos, passando por tons defumados até notas de trufas (e além), por exemplo, só é revelado quando a bebida evolui em garrafa. Eles são chamados de aromas terciários, e só são formados durante a lenta oxidação pela qual o líquido passa com os anos. É isso que os especialistas nomeiam como “buquê” – termo que está intimamente ligado a vinhos envelhecidos. Com o tempo, a oxidação dos ácidos em conjunto com o álcool resulta em novos aldeídos e, especialmente, ésteres, assim como em novas combinações entre eles, o que cria aromas tão diferentes dos puramente frutados encontrados na juventude. Durante o envelhecimento em garrafa, os íons de hidrogênio (mais presentes em vinhos com baixo pH – ou seja, mais ácidos) tendem a catalisar a formação de ésteres dos ácidos e álcoois presentes na bebida. Por outro lado, esses íons também ajudam os ésteres a se dividirem novamente em ácidos e álcoois. E essas duas ações, com o tempo, costumam levar a um estado de equilíbrio entre álcool, ácidos, ésteres e água. Assim, durante a “vida” de um vinho, os aromas mudam de acordo com as diferentes concentrações desses compostos. O mesmo ocorre com as percepções no palato, que se tornam mais redondas e suaves do que as encontradas em um vinho jovem, graças à evolução dos taninos. Acredita-se que, no começo, após macerados, esses polifenóis apresentam peso molecular baixo. Mas, com o tempo, a tendência são eles se polimerizarem, alongando as cadeias de carbono e, com isso, aumentando o peso. Quanto maior o peso molecular, mais macia se sente a bebida – e assim também se formam os sedimentos. Essa crença, no entanto, vem sendo questionada por pesquisadores. Verdade ou não, o certo é que, com o tempo, a combinação entre taninos, ácidos e álcool tende a ficar mais sutil, proporcionando uma sensação mais sedosa na boca.

Como definir potencial de envelhecimento?

Não existe uma receita precisa para determinar o potencial de envelhecimento. Algumas dicas são acompanhar as recomendações do produtor (que muitas vezes são conservadoras face ao real potencial de evolução) e as dicas dos especialistas. Na prática, o ideal seria comprar algumas garrafas do mesmo vinho e safra e abri-lás em intervalos determinados e dessa forma montar nossa própria análise evolutiva. A cada nova prova, determinamos o momento de abrir a próxima garrafa, até possivelmente atingir o estágio máximo de evolução e chegar ao tão desejado auge. A medida que executamos dessa forma, a experiência acumulada nos permite ser mais assertivo nessa análise.

E agora finalmente sobre o vinho!

Na taça já apresentava uma característica típica de um vinho já de guarda, com um vermelho rubi de média intensidade, já com uma cor acastanhada, diria um atijolado, com lágrimas finas e de média intensidade, mas que teimava em se dissipar das bordas da taça.

No nariz eram perceptíveis os toques de frutas secas e em compota como avelã e trufa, por exemplo, um buquê, pois apresenta, além das características de um vinho de guarda, apresenta também características de aromas primários e secundários que, além das referidas frutas secas, apresentava notas de tabaco, café, couro e de especiarias, como pimenta, por exemplo, e um agradável floral, mostrando a vivacidade do vinho.

Na boca um vinho complexo, mas polido e elegante como sugere a sua condição de vinho evoluído com 10 anos de vida: com as mesmas sensações sentidas no olfato, tais como as notas de frutas secas, tabaco, couro, algo de terroso, com taninos macios e redondos, domados pelo tempo, com uma acidez discreta, cortesia também do tempo. Percebe-se um amadeirado, o que deduz passagem por barricas de carvalho, mas não há informação disponível sobre isso no portal do produtor. Final persistente e marcante.

De fato não são vinhos para o dia a dia, afinal o mercado ofertam vinhos rápidos, ligeiros, para imediata degustação, de vinhos mais jovens. O percentual de vinhos evoluídos é baixo em relação aos vinhos velhos. Não quero estimular um embate entre o Velho X Novo, são vinhos com propostas totalmente distintas e que sequer, mesmo que eu quisesse, não poderia ou deveria promover um embate entre ambos. Mas como aqui neste momento a tapete vermelho está estendido para o Reserva da Serra Merlot e Cabernet Sauvignon 2005, não podemos, evidentemente, negligenciar todas as honrarias para esses vinhos mais velhos, onde somente o tempo para deixa-los finos, elegantes, domados, mas com a complexidade única que só o tempo pode proporcionar. O Reserva da Serra tem todos esses predicados: aromas incomuns e fantásticos, paladar delicado, mas de marcante personalidade e um apelo visual que, apesar de denotar um vinho em declínio, apresentou uma porta de entrada para um vinho especial e diferenciado nas suas mais diversas nuances sensoriais. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Lídio Carraro:

 Em 1875 chegaram ao Brasil os primeiros imigrantes italianos vindos da região do Vêneto e, entre eles, a família Carraro, que se estabeleceu em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. O negócio principal da família sempre foi o cultivo de uvas e tradicionalmente elaborava um pequeno volume de vinhos para o consumo próprio. Na década de 70, Lidio Carraro se destacou como um dos líderes da implantação das vitis viníferas na Serra Gaúcha, sendo um dos pioneiros no cultivo da variedade Merlot. A partir dos anos 90, iniciou uma busca obsessiva por encontrar e desenvolver melhores vinhedos motivados pelo amor pela viticultura e pela vontade de um dia reconhecer nos vinhos todo o trabalho dedicado às videiras. Ainda na década de 90, após seu estágio em uma vinícola no curso de Engenharia de Alimentos, Juliano Carraro ingressa na faculdade de enologia e sua vontade de elaborar vinhos contagia toda a família - inclusive o irmão mais novo, Giovanni Carraro, que anos mais tarde também se forma enólogo e atualmente é o responsável pelos vinhos Puristas da Vinícola.

Em 1998, após vários estudos, Lidio converte sete hectares no Vale dos Vinhedos para uvas da melhor qualidade e inicia a criação de sua adega. Em 2001, ocorre a fundação da Vinícola Lidio Carraro e a família adquire 200 hectares em Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul. A região mais tarde se tornaria um pólo vitícola brasileiro. Os vinhedos no Vale dos Vinhedos iniciam as primeiras produções em 2002 e a safra dá origem aos primeiros vinhos com a marca Lidio Carraro, que chegam ao mercado em 2004. Pouco tempo depois, a vinícola vence uma seleção para representar o vinho brasileiro nas prateleiras do DutyFree de aeroportos internacionais, tornando-se o primeiro produtor brasileiro a fazê-lo. Com esta porta aberta para o mundo, a Lidio Carraro começa a receber pedidos internacionais e dá início às exportações ainda em 2005. Desde então, os reconhecimentos chegam de todas as partes do mundo e a vinícola se torna referência em vinhos do Brasil da mais alta qualidade e com uma identidade própria, chegando a representar o país em alguns dos eventos mais importantes da história das últimas duas décadas.

Mais informações acesse:

https://www.lidiocarraro.com/br

Referências de pesquisa:

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinho-velho-vinho-bom_10208.html

“Vinho, Vida & Viagem”: https://vaocubo.com/2018/12/14/degustacaodecada70/

Degustado em: 2015