No passado eu tinha certa rejeição, alguma controvérsia com
os vinhos espanhóis. Talvez pela visão pré-concebida, preconceituosa acerca dos
seus rótulos. Sempre tive a percepção de que os vinhos espanhóis ofertados em
terras brasilis eram demasiados caros e pouco atrativos! Os valores altos são
reais e verdadeiros até os dias de hoje, mas pouco atrativos não, nunca! Estava
anestesiado pela ignorância, pela incapacidade de discernimento, de
entendimento da relevância histórica e de qualidade dos vinhos da Espanha.
Mas convenhamos que no passado, cerca de 10 ou 15 anos atrás,
aproximadamente, não tínhamos uma gama, um leque de opções de compra como temos
em dias atuais, com uma enxurrada de e-commerce ofertando os mais variados
rótulos espanhóis de todo o tipo e proposta, logo valores também, que vai do
mais simbólico aos mais altos. Todavia tenho de admitir também que essa gama,
essa diversidade sempre existiu, mas que, diante do ápice da minha
incompetência ou diria, ingenuidade, nunca identifiquei.
O conceito de vinhos jovens, crianzas, reservas e gran
reservas, nomenclaturas tão massificadas no universo do vinho, na Espanha é
muito bem definido e regido por um conjunto de normas rígidas que devem ser
seguidas para que esses vinhos garantam a sua tipicidade, expressando o que há
de melhor de seus terroirs e consequentemente a sua qualidade, enquanto em
outros polos importantes da vitivinicultura mundial e usado como marketing para
se posicionar no mercado produtor de vinhos.
Quando descobri essas propostas de vinhos espanhóis, muito
por acaso, uma janela de oportunidades se abriu diante dos meus olhos, me
arrebatando por inteiro. Minhas experiências sensoriais se viram atraídos por
esses vinhos e que culminou com o meu interesse pelos vinhos evoluídos, pelos
vinhos de vocação de guarda. Sim, os crianzas, reservas e, sobretudo os gran
reservas entregam longevidade.
E hoje, com a presença de um querido amigo que compõe a nossa
nova e espero longeva confraria, reservo para degustando um interessante e
instigante crianza que me chamou muita a atenção pelo surpreendente valor, um
valor atrativo, na faixa dos R$ 39,90, de uma emblemática região espanhola, a
grife dos vinhos daquele país, chamada Rioja, uma região que não degustava
vinhos há tempos e que, no início, me deixou um tanto quanto receoso, afinal um
vinho de Rioja a esse valor! Como? Mas o que me trouxe certa tranquilidade,
reforçando a minha decisão de compra-lo foi o seu produtor, chamado Murviedro,
cujos vinhos já degustei dois rótulos, com destaque para o Murviedro Collection Petit Verdot 2015 excepcional. Então assumi o risco e comprei!
O vinho que degustei e gostei como disse veio da região
espanhola tradicional de Rioja e se chama DNA Murviedro Signature Gran Astro,
um crianza, da safra 2015, da emblemática casta Tempranillo (100%), um DOC
riojano. Esse é o meu terceiro crianza, os primeiros foram o Viña Chatel 2013 e
o El Misionero da safra 2015. E já que falei muitas vezes dos vinhos “crianza”,
vale e muito a pena embarcar no conceito desses vinhos e também da importante
Rioja para a Espanha.
Crianza
O termo “Crianza”, encontrado em alguns dos rótulos dos
vinhos espanhóis, ainda causa muita confusão. Ao contrário do que muitos
imaginam, a palavra não está relacionada à jovialidade do vinho (não tem nada a
ver com criança). A questão principal ao falar sobre um vinho Crianza é a sua
maturação. O termo Crianza em espanhol é aplicado para determinar que àquele
vinho passou por um processo em barrica de carvalho, desse modo, entrando em
contato com madeira, e com isso, adquirindo corpo.
Geralmente um crianza estagia, no mínimo, seis meses em
barrica de carvalho. Nas regiões de Rioja e Ribera del Duero, o tempo em
carvalho aumenta para um ano. No caso dos brancos e rosés, mínimo de seis meses
em barricas e total de um ano e meio de amadurecimento. E o que isso
representa? Que é um vinho mais elaborado e que, por ter amadurecido em contato
com a madeira, ganhou mais complexidade de aromas e sabores quando comparado a
vinhos que não passam por este estágio.
Como todos os vinhos que passam por madeira – e podemos
incluir os vinhos Reserva e Gran Reserva – os vinhos Crianza tem um maior
volume de aromas, complexidade e sabores. São indicados para uma apreciação
paciente e para acompanhar pratos que exijam uma presença de vinhos aromáticos.
Leia mais sobre os vinhos crianza, reserva e gran reserva em:
Vinho espanhol Crianza, Reserva, Gran Reserva e outras classificações.
Rioja: a mais famosa região vinícola da Espanha
A Espanha é um retalho de diferentes denominações de origem
ligadas ao vinho. Entre as mais importantes está Rioja, no nordeste do país, às
margens do rio Ebro, com 63.593 hectares de vinhedos distribuídos no território
das três províncias que margeiam o rio: La Rioja, Álava e Navarra. Cem
quilômetros de distância separam Haro, a cidade mais ocidental, de Alfaro, a
mais oriental. O vale ocupado por vinhedos tem cerca de 40 quilômetros de
largura máxima.
As primeiras vinhas desse vale remontam ao período romano e a
cultura do vinho foi mantida durante a Idade Média pelos monges. Aliás, Gonzalo
de Berceo, monge em San Millan de la Cogolla, considerado o primeiro poeta do
idioma castelhano, chegou a exaltar em versos o vinho local. No entanto,
durante séculos, a principal cultura local foi a de cereais. O vinho só tomaria
lugar de destaque na Idade Moderna, com o aparecimento das cidades e o
florescimento do comércio. Um dos principais marcos do vinho na região foi a
criação do Conselho Real de Colhedores, em 1787, que visava promover o cultivo
da videira, contribuir para melhorar a qualidade dos vinhos e facilitar o
comércio dentro dos mercados do norte, de modo que sua dedicação prioritária
foi construir e melhorar estradas e pontes para unir as cidades vinícolas de
Rioja com Vitória e o porto de Santander.
O auge, porém, foi com a fundação de vinícolas históricas em
meados do século XIX, a chegada da estrada de ferro e dos compradores
franceses, devido à crise da filoxera. Enólogos ilustres como Luciano Murrieta
(Marqués de Murrieta), Camilo Hurtado de Amezaga (Marqués de Riscal) e Rafael
López Heredia (Viña Tondonia) introduziram o conceito de qualidade nos vinhos
de Rioja.
Desde então, as vinícolas de Rioja têm estado à frente de
muitas revoluções na indústria do vinho espanhol, especialmente durante a
revolução tecnológica da década de 1970. A Denominação de Origem Qualificada
foi dada em abril de 1991, fazendo com que Rioja se tornasse a primeira região
a receber o status de DOCa.
Desde então, as vinícolas de Rioja têm estado à frente de
muitas revoluções na indústria do vinho espanhol, especialmente durante a
revolução tecnológica da década de 1970. A Denominação de Origem Qualificada
foi dada em abril de 1991, fazendo com que Rioja se tornasse a primeira região
a receber o status de DOCa.
Um dos baluartes da DOCa Rioja é o uso da madeira, tanto que
os vinhos são denominados qualitativamente de acordo com o tempo que passam em
barrica, indo do genérico, passando pelo Crianza, depois Reserva e, por fim,
Gran Reserva. No entanto, desde 2017, a região criou uma nova forma de dividir
os vinhos qualitativamente ao dar mais ênfase à sua origem, além do tempo em
barrica. Dessa forma, criou-se a seguinte divisão: vinhos de zona, vinhos de
município e vinhos de vinhedos singulares (que seriam os mais representativos
da região). E esses três tipos de vinhos então são divididos novamente em
quatro categorias: genérico, Crianza, Reserva e Gran Reserva. Uma das
características dos vinhos de Rioja é a aptidão que possuem para o envelhecimento.
A melhor uva tinta de Rioja é a Tempranillo, que atua com o
mesmo peso das principais uvas tintas do mundo, como a Cabernet Sauvignon e a
Nebbiolo. Os vinhos de Rioja são envelhecidos em tonéis de carvalho americano,
atravessando um lento processo de evolução, micro-oxigenação e estabilização, o
que lhes garante uma característica notoriamente distinta. Os vinhos brancos do
Rioja, produzidos com a uva Viura, também participam de um longo envelhecimento
nos tonéis de carvalho. Os exemplares mais modernos, que permanecem por menos
tempo, adquirem um caráter leve e frutado.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi de média intensidade, vivo
e muito brilhante, com lágrimas em abundância e muito finas e que teimavam em
se dissipar das paredes do copo.
No nariz notas destacadas de frutas vermelhas frescas com
toques amadeirados e de baunilha. Muito frescor no olfato, mostrando que o
vinho, mesmo com seus seis anos de safra, estava pleno e vivo.
Na boca se revelou redondo, equilibrado e harmônico. Mesmo
apresentando alguma estrutura e complexidade, o vinho se mostrou muito bem integrados
entre taninos, muito amáveis e aveludados, entre a madeira, passou por 14 meses
em barricas de carvalho, e acidez, de média intensidade entregando frescor, com
as frutas vermelhas em evidência. Um final persistente e prolongado.
Um vinho que personifica Rioja e que foi “decantado”
textualmente nesta resenha: expressivo, de marcante personalidade, mas fácil de
degustar, valorizando sua elegância, seu equilíbrio, sua versatilidade. Um
vinho que carrega essa máxima em seu nome: “DNA” Murviedro. Nele há a essência
dos vinhos cuja origem é a fusão cultural intrínseca e ao povo das terras
espanholas. Há o terroir à flor da pele, a terra represada na garrafa que, ao
desarrolhar, explode em tipicidade, a força de Rioja Alta que dança na taça
para deleite de nossos sentidos. Um vinho delicado, mas intenso, pleno,
saboroso e de uma complexidade que só um crianza pode oferecer aos mais
exigentes enófilos. A Espanha, a cada dia e rótulo, ainda revela grandes e
atraentes surpresas. Teor alcoólico de 12,5%.
Sobre a Bodega Murviedro:
Em 1927 a Bodegas Schenk instala subsidiárias na Espanha, a
primeira em Vilafranca del Penedès, na Catalunha, sob o nome de 'Schenk Spain'.
Em 1929 abre vinícolas em Alicante, Utiel e Requena, vinícolas jovens que
inicialmente optaram pelo vinho a granel de 'qualidade', uma marca registrada
até hoje. Em 1931 a Schenk Espanha decide concentrar suas atividades na
vinícola Valência, que, localizada ao lado do porto, foi o início de um dos
pilares fundamentais da marca: as exportações. O vinho engarrafado está
ganhando importância, até hoje é o foco principal da empresa, aderindo a essa
“tendência”, em 1950. Em 1997 a Schenk Spain muda de sede, aproximando-se dos
pés das vinhas, Requena, no coração da Denominação de Origem Utiel-Requena,
produtora de vinhos de excelente qualidade. Em 2002 aproveitando a comemoração
do 75º aniversário muda o nome da vinícola para 'Bodegas Murviedro', em
homenagem ao seu vinho Cavas Murviedro, uma das marcas de vinho mais
emblemáticas da Comunidade Valenciana e que fez de Murviedro uma das vinícolas
mais reconhecidas.
Para mais informações acesse:
Referências:
“Blog Lovino”: https://blog.lovino.com.br/o-que-e-um-vinho-crianza/
“Blog Vinho Tinto”: https://www.blogvinhotinto.com.br/curiosidades/desvendando-vinhos-crianzas/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/os-grandes-vinhos-de-rioja-na-espanha_12056.html
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/rioja
“Revista Versar”: https://www.revistaversar.com.br/rioja-conheca-a-mais-famosa-regiao-vinicola-da-espanha/