É significativo, é singular quando degustamos um vinho
repleto de simbolismos e mensagens edificantes para a nossa vida, mas,
sobretudo, claro, degustar um grande vinho que preencha todos os nossos
anseios, que arrebate as nossas experiências sensoriais. Por isso que
defenderei sempre e com urgência a necessidade quase que latente da busca
incansável pela “identidade” cultural do vinho, o DNA do vinho com a sua
história, a sua região, a filosofia e a marca que o produtor pretende entregar
etc.
Atualmente temos testemunhado um avanço significativo de
rótulos sustentáveis ou orgânicos, nomenclatura esta a mais difundida, em
tempos da necessidade da discussão e da efetivação desse conceito na nossa
sociedade, aonde a saúde humana vem sendo ceifada de forma latente, mas, por
outro lado, silenciosamente, por uma percepção torta de qualidade de vida
extremamente destrutiva.
A indústria do vinho, preocupada com o desenvolvimento
sustentável, seja econômico, mercadológico e socioambiental, direciona as suas
intenções, suas gestões e principalmente as suas produções para rótulos de
cunho orgânico, mitigando o uso de agrotóxicos nos seus vinhedos entre outros
produtos corrosivos na sua vinificação e produção.
O clima, a terra de onde nascem os vinhedos tem uma
predominante participação no conceito de vinhos orgânicos. O discutido e tão
falado conceito de terroir nunca teve tanta importância, o seu protagonismo é
evidente, é latente. A valorização da terra, da cultura, as manifestações
comportamentais nunca foram tão importantes para a consolidação dos vinhos
orgânicos.
Toquei no assunto dos vinhos orgânicos porque embora a minha
história com esses rótulos sejam curtas e não tenha aquela profusão de vinhos
degustados, os poucos que tive experiência foram extremamente relevantes,
especiais. São vinhos definitivamente com caráter, expressivos, especiais. Não
sei dizer, confesso, se existe, no momento da degustação, diferença entre
rótulos orgânicos e tradicionais, mas o fato é que os orgânicos traz personalidade,
são marcantes.
E em 2017 participei de um evento de degustação na minha
cidade, em Niterói, o Festival de Vinhos do Supermercado Real, e fui
apresentado a um rótulo especial de uma das mais importantes, se não for a mais
significativa vinícola da América Latina e do mundo, chamada Emiliana Organic
Vineyards, que definitivamente me trouxe uma espécie de arrebatamento. Já
conhecia a linha mais popular e conhecida deles chamada de “Adobe” e havia
gostado muito, mas esse vinho elevou o conceito de complexidade e expressão
máxima do terroir. Um vinho de muita tipicidade.
Quando o degustei e refleti de forma categoria, parecia que
eu gritava para todos naquele evento: Vou comprar esse vinho. Semanas após esse
evento, fui ao supermercado que organizou esse evento na esperança de encontrar
esse rótulo que degustei e eis que choquei com ele e não hesitei, ainda mais
com um preço muito convidativo. O levei!
Um momento especial também com relação ao tempo de safra: 8
anos de safra! Será que está bom? O que ele me reservará de bom? Dúvidas e
perguntas que convenhamos anima, estimula ainda mais para a degustação! Deixei,
propositalmente, evoluir na adega por longos 4 anos, até atingir seu ápice, o
seu melhor momento, de um vinho austero, complexo. Será?
Saiu da adega cheio de expectativa, veio junto com ele tudo o
que o enófilo espera dele: complexidade, estrutura, tipicidade. A rolha,
delicadamente foi removida com aquele indescritível barulhinho que inaugura o
ritual da degustação. O vinho desemboca na nossa taça, os sentidos começam a
ser desafiados, ficam aguçados, a sedução inicia, o flerte entre o vinho e o
enófilo fica mais evidente.
E voilá! O vinho que degustei e gostei veio da emblemática
Vale do Colchágua, do Chile e se chama Novas Gran Reserva, com um corte
igualmente emblemático do Chile de Carménère (85%) e Cabernet Sauvignon (15%)
da safra 2013. Um vinho de 8 anos de vida, mas vivo, pleno, cheio de
personalidade, intenso, mas austero e delicado, e com a estrutura que só a
complexidade que a idade lhe confere. Então antes de tecer aqueles comentários
maravilhosos do vinhos falemos um pouco do Colchágua Valley.
Vale do Colchágua
O Vale do Colchágua está localizado à aproximadamente 180 km
de Santiago no centro do país, exatamente entre a Cordilheira dos Andes e o
Pacífico. É cortado pelas águas do rio Tinguiririca, suas principais cidades
são San Fernando e Santa Cruz, e possui algumas regiões de grande valor
histórico e turístico como Chimbarongo, Lolol ou Pichilemu. Colchágua significa
na língua indígena “lugar de pequenas lagunas”.
A fertilidade de suas terras, a pouca ocorrência de chuva e
constante variação de temperatura possibilita o cultivo de mais de 27 vinhas,
que, com o manejo certo nos grandes vinhedos da região e padrões elevados no
processo de produção, faz com que os vinhos produzidos no vale sejam conhecidos
internacionalmente, com alto conceito de qualidade.
Clima estável e seco (que evita as pragas), no verão, muito
sol e noites frias, solo alimentado pelo degelo dos Andes e pelos rios que
desaguam no Pacífico, o Vale de Colchágua é de fato um paraíso para o cultivo
de uvas tintas e produção de vinhos intensos.
Em Colchágua, predomina o clima temperado mediterrâneo, com
temperaturas entre 12ºC como mínima e 28ºC, máxima no verão e 12ºC e 4ºC, no
inverno. Com este clima estável é quase nenhuma variação de uma safra para a
outra; e a ausência de chuva possibilita um amadurecimento total dos vários
tipos de uvas cultivadas na região. Entre as principais variedades de uvas
presentes no Vale de Colchágua estão as tintas Cabernet Sauvignon, Merlot,
Carmenère, Syrah e Malbec, que representam grande parte da produção chilena.
O cultivo das variedades brancas, apesar de em plena
ascensão, ainda se dá de forma bastante reduzida se comparada às tintas; as
principais uvas brancas produzidas no vale são a Chardonnay e a Sauvignon
Blanc. Ambas as variedades resultam vinhos premiados e cultuados por
especialistas e amantes do vinho.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, profundo, escuro,
mas com algum brilho e uma profusão de lágrimas grossas e lentas que desenham
as paredes do copo.
No nariz traz a explosão, um mix de frutas vermelhas maduras
e pretas, aonde se destacam morango, ameixa, amora e cereja, com notas
amadeiradas, tostadas e de baunilhas com toques de especiarias, tais como
pimenta.
Na boca é estruturado, mas elegante e equilibrado, ainda
pleno com as frutas vermelhas maduras e pretas em franca evidência, apesar dos
8 anos de safra, com estrutura, bom volume de boca, alcoólico, complexidade. As
notas amadeiradas, de torrefação e chocolate são perceptíveis, graças aos 70%
do lote que passaram por barricas de carvalho por 12 meses e os outros 30% em
tanques de aço inoxidável trazendo um equilíbrio entre as características do
aporte da madeira com as essências da cepa. O toque de especiarias, de pimenta,
tabaco e carpete são notados dando um pouco de rusticidade ao vinho, com
taninos presentes e correta acidez e um persistente final.
Todos os detalhes contam todas as nuances são significativas
e explodem na sua taça e deixa os seus sentidos, as suas experiências no ápice,
em um estado de glória. É isso! Glória! Um momento de vitória, maravilhoso, um
momento em que você se encontra com o vinho que se identifica, com a proposta
que ele entrega. É uma espécie de conexão, de uma simbiose química, sim, um
casamento químico, a melhor das harmonizações. O Novas Gran Reserva entrega o
que de melhor há no vinho chileno: voluptuosidade, expressividade, caráter!
Foram as primeiras palavras que pensei para descrever o vinho quando o
degustei, pela primeira vez, naquele evento em minha cidade. O enlace de duas
castas emblemáticas que escolheu o Chile como o seu porto seguro adquirindo
características especiais fazendo deste vinho orgânico especial, singular,
único. Estruturado, mas elegante, austero, mas fácil de degustar, complexo, mas
redondo e equilibrado. Esse é o Novas Gran Reserva. Tem 14,5% de teor
alcoólico.
Ah uma curiosidade sobre o nome e rótulo do vinho: O desenho
do rótulo é a constelação de Orion e o nome escolhido, “Novas”, vem de uma
palavra em latim, usada pelos antigos astrônomos, para dar nome ao nascimento
de novas estrelas.
Sobre a Emiliana Organic Vineyards:
No final dos anos 90, Rafael e José Guilisasti, foram
visionários após perceberem que o mercado estava começando a mudar e que o
consumidor global estava começando a se tornar mais consciente dos produtos que
estavam consumindo, não só por uma questão de saúde, mas também por seu efeito
ambiental e social.
Foi assim que eles, juntamente com a visão enológica de
Álvaro Espinoza, iniciaram o processo de conversão de uma vinícola chilena
convencional em uma vinícola 100% orgânica e biodinâmica, com o firme objetivo
de criar vinhos da mais alta qualidade com grande respeito pela natureza e
pelas pessoas.
Depois de mais de duas décadas, o que começou como um sonho,
hoje está corporizado em um portfólio completo, com grande reconhecimento
nacional e internacional, e que está adaptado às novas necessidades dos consumidores.
Linha do tempo da Emiliana Organic Vineyards:
Com foco na produção de vinhos orgânicos de qualidade, na
última década a Emiliana tornou-se uma das mais importantes vinícolas orgânicas
e biodinâmicas do mundo. Hoje, presente nos mais importantes vales vinícolas do
Chile, ela reflete a harmonia entre a mais alta qualidade de seus vinhos e o
respeito ao meio ambiente e às pessoas.
1998
O desenvolvimento da agricultura orgânica e biodinâmica
começou nos vinhedos da Emiliana.
2001
Primeira vinícola no Chile e sétima no mundo a obter a
certificação ISO 14001 (Gestão Ambiental). Obtenção da certificação de uvas e
sistemas de produção orgânica pela IMO Suíça.
2003
Os primeiros vinhos orgânicos (COYAM & NOVAS) foram
lançados no mercado. COYAM 2001 (1ª safra) ganhou os prêmios de “Best in Show”
e “Best Blend” no Primeiro. Prêmio Anual de Vinhos do Chile.
2006
Gê 2003 é o primeiro vinho do Chile e da América Latina a
obter a certificação biodinâmica da Demeter, Alemanha.
2007
A IMO certificou a responsabilidade social da Emiliana, suas
boas condições de trabalho e ser uma organização justa e transparente (For
Life).
2008
Emiliana comemora 10 anos de agricultura orgânica.
2009
Gê, Coyam e Fundo Los Robles são certificados como neutros em
carbono pela TÜV SÜD, Alemanha. Coyam é o segundo vinho no Chile a ser
certificado como Biodinâmico.
2011
A Emiliana certifica suas práticas de Comércio Justo (FLO).
2012
A Emiliana é escolhida como a “Vinícola Verde do Ano” (Green
Winery of the Year) pela revista inglesa Drinks Business. A vinícola é
certificada sob o Código de Sustentabilidade de Vinhos do Chile.
2014
A certificação CarbonZero é obtida.
2015
Emiliana é escolhida como “Vinícola do Ano” pela Wines of
Chile.
2018
20º Aniversário da Agricultura Orgânica. Entrada na lista das
50 marcas de vinho mais admiradas de 2018, de acordo com a Drinks International.
2019
A Emiliana obtém a certificação vegana (Vegan Society) que certifica
que na produção de seus vinhos orgânicos e biodinâmicos não utiliza produtos
derivados de animais.
Mais informações acesse:
Referências:
“Clube dos Vinhos” em: https://www.clubedosvinhos.com.br/um-passeio-pelo-vale-do-colchagua/